Artigos

Publicado em maio-junho de 2012 - ano 53 - número 284

A Ressurreição de Cristo e a compreensão da Ressurreição hoje

Por Renold Blank

1. Toda a nossa fé se baseia na ressurreição

A fé na ressurreição é base e fundamento da fé cristã. Sem ela, a fé cristã seria simplesmente mais uma entre muitas outras crenças. Todas elas, assim se poderia então argumentar, tentam de maneira mais ou menos bem-sucedida responder aos anseios existenciais das pessoas; às suas dúvidas a respeito do sentido da vida e às dúvidas diante da indagação sobre se essa vida simplesmente acaba com absurda e detestável experiência da morte ou se atrás dela ainda se abre alguma perspectiva futura.

Já o apóstolo Paulo se deu conta da importância dessa questão, e a sua resposta é bem clara: “[…] se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a nossa fé” (1Cor 15,14).

Nessa mesma perspectiva, o autor dos Atos dos Apóstolos mostra que a mensagem da ressurreição provocou troça por parte de uns (cf. At 17,32) e agressividade ou rejeição por parte de outros (cf. At 4,2). Essa experiência não mudou muito até os dias atuais. Há, de fato, um contingente considerável de pessoas que não acreditam na ressurreição. Tal perspectiva lhes parece irrelevante ou sem grande atratividade.

Há milhões de pessoas que preferem seguir uma das muitas concepções de doutrinas reencarnacionistas. Seguindo sua convicção, mantêm a ideia de que, depois da morte, voltarão a viver outras vivências terrenas em diferentes épocas e lugares. E, finalmente, há aquelas pessoas para as quais ressurreição e reencarnação não se distinguem e, no fundo, são o mesmo.

Independentemente, porém, de todas essas reações escépticas ou críticas, os representantes da Igreja continuam a defender e transmitir a mensagem da ressurreição, e para milhões de cristãos e cristãs essa mensagem realmente se tornou o centro da sua fé. Não é por acaso que o último livro do papa Bento XVI se tornou um best-seller em escala mundial.

Apesar dos ataques e das dúvidas que vêm de todos os lados, a nossa fé mantém a convicção de que existem dimensões do ser humano que ultrapassam aquelas acessíveis às nossas pesquisas científicas e empíricas. A fé cristã continua confiante que, acima de todos os sinais aparentes de morte, a vida triunfará pela força de Deus. Paulo diz claramente que esse Deus “[…] faz viver os mortos e chama à vida as coisas que não existem” (Rm 4,17).

Esse Deus que gera vida solidariza-se de tal maneira com a humanidade, que se encarnou ele mesmo na história humana por meio da pessoa de Jesus Cristo. Jesus viveu todas as alegrias, mas também toda a negatividade e todas as desgraças de uma vida terrena, incluindo até a aniquilação pela morte. Uma morte vergonhosa, aliás, a ponto de ser definida pelo sistema da época como vergonha, loucura e escândalo (cf. 1Cor 1,18; Dt 21,23).

Mas é exatamente nesse aparente fracasso que se manifesta a vitória sobre tudo aquilo que é a morte, porque a cruz e a morte de Jesus não foram o fim da sua história terrena. Foi nesse momento que o próprio Deus demonstrou a todos a sua força. Ele transformou a aparente aniquilação em nova vida, ressuscitando Jesus da morte (At 2,32). Essa ressurreição, assim, confirma para todas as pessoas e para todos os tempos o fato de que a morte, a destruição e o ódio não teriam a última palavra. Deus é mais forte que tudo isso, e tal convicção recebe a sua confirmação pelo fato de ele ter ressuscitado o seu Filho.

Essa ressurreição, além disso, assume o caráter de grande revelação sobre como Deus é, quais serão os seus planos para o mundo e qual será o destino de todo ser humano; a sua mensagem central culmina na confirmação de que, apesar de todas as estruturas de morte que marcam a história do mundo, a vida finalmente triunfará sobre toda morte e toda negatividade, porque Deus é o Deus da vida. Disso Deus deu seu testemunho ao ressuscitar seu Filho da morte. Dessa forma, a ressurreição permanece sendo, até o fim da história, a base e o ponto central de tudo aquilo em que, por nossa fé, acreditamos.

 

2. Mas será que temos alguma prova de que a ressurreição de Jesus realmente aconteceu?

As pessoas de hoje estão acostumadas a um pensamento científico, que se fundamenta em provas e confirmações empíricas. Assim sendo, não é de admirar que, também diante da mensagem da ressurreição, há cada vez mais pessoas que perguntam por uma prova desse fenômeno. De certa maneira, é até compreensível esse desejo, uma vez que a mensagem da ressurreição é assunto absolutamente central da nossa expectativa religiosa. Já mencionamos que Paulo, não sem razão, formula claramente que, “se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a nossa fé” (1Cor 15,14).

Não obstante essa afirmação, há muitos cristãos que até hoje situam a questão da ressurreição exclusivamente no campo da fé, dizendo que devemos simplesmente acreditar nela. Mas a nova geração aceita cada vez menos declarações apodícticas como essa. Essa nova geração exige provas. Felizmente, é exatamente perante a questão crucial da ressurreição que de fato temos, pelo menos em termos indiretos, tal prova. A maioria, porém, não a conhece, o que torna sua divulgação mais crucial.

Podemos chamá-la de “prova sociológica da ressurreição”, porque, na sua formulação, segue a argumentação indireta, muito utilizada pelas ciências sociológicas. Para compreendê-la, devemos nos lembrar do significado da crucificação na época de Jesus. Naquela época, a cruz de maneira alguma era sinal de veneração, como é hoje. Era, pelo contrário, o maior sinal de fracasso, vergonha e exclusão. De um crucificado ninguém mais podia falar, nem pronunciar o seu nome. Baseado em Dt 21,23, um crucificado até chegava a ser considerado maldito pelo próprio Deus. Jesus morreu assim e, consequentemente, caiu sobre ele toda a maldição de um crucificado.

Se a história dele tivesse terminado com a cruz, jamais alguém teria continuado a falar dele, porque, de um maldito por Deus, naquela constelação sociorreligiosa, já nem se podia falar. Essa consequência certamente era também entendida e tencionada por aqueles que ordenaram a crucificação de Jesus. O fato é que, se as pessoas não tivessem voltado a falar dele naquela época, também nos dias atuais ninguém mais falaria. Todavia, é assunto em pauta nos dias de hoje. Não só se fala dele, mas sobretudo se fala de sua pessoa, de suas obras, a ponto de se formar uma religião com bilhões de adeptos.

Como isso foi possível?

Seria por causa da cruz?

Impossível! Já vimos que de um crucificado ninguém mais podia falar.

As pessoas voltaram a falar de Jesus porque, depois da sua crucificação, depois da sua morte na cruz, aconteceu algo que era tão chocante, tão novo, tão absolutamente impressionante, que era possível voltar a falar dele. Não por causa da cruz, mas apesar da cruz.

O que é que havia acontecido?

As testemunhas, em unanimidade, dizem o mesmo:

Ele voltou à vida!

Deus o ressuscitou!

A partir daí, foi possível voltar a falar dele, já que se tratava de um ressuscitado. De um ressuscitado era possível contar a vida, bem como falar da sua mensagem. Passo a passo, sob o impacto da ressurreição, até o sinal vergonhoso da cruz começou a mudar de significado e se tornou o grande sinal dos seguidores do Ressuscitado. Dessa maneira, o fato de esses seguidores existirem hoje é a maior prova daquilo em que fundamentam a sua fé: a ressurreição.[1]

 

3. Também na ressurreição, Deus age de maneira discreta

Apesar de ser elemento central de todo o discurso sobre Deus e do projeto que tem para os seres humanos e o mundo, a ressurreição não se manifesta de maneira triunfal e irresistível, a ponto de ninguém jamais duvidar dela. Em vez disso, também ela permanece dentro da lógica de um Deus cujo agir não subjuga com força e poder de tal maneira que ninguém lhe possa resistir.

Também na realização da prova mais significante daquilo que será o último destino da criação, Deus permanece discreto, suave e até um pouco tímido. Ele não se manifesta por meio do vento impetuoso, nem por meio do fogo ou de um terremoto, mas no “murmúrio de uma leve brisa” (cf. 1 Reis 19,11-12). É essa leve brisa que, com o passar do tempo, modula as rochas mais duras e os corações mais fechados.

Deus, de fato, não age como os humanos em geral gostariam que ele agisse: com poder e glória, por meio de macroestruturas que esmagam. O seu agir, bem pelo contrário, é marcado por suave ternura, e é ela que possibilita ao ser humano gozar de sua liberdade.

Assim, constatamos que também diante do evento mais tremendo de toda a história do cosmo as pessoas podem permanecer incrédulas, fechadas e até negativas. Com efeito, até hoje muitos não acreditam na ressurreição de Jesus, assim como não acreditam na própria ressurreição. Todavia, ela acontecerá!

E, sendo assim, vale a pena refletir sobre ela.

 

4. Ressurreição é a transformação inteira e global do ser humano por dentro de nova maneira de ser

A compreensão da ressurreição como transformação se encontra em lugar dominante nos escritos de Paulo. Ainda em uma perspectiva apocalíptica, ele escreve em 1Cor 15,51: “[…] todos seremos transformados”. E no cap. 15 da mesma carta, recorre à imagem metafórica da semente que parece morrer, mas na realidade se transforma em planta (cf. 1Cor 35-39). Em 2Cor 3,18, finalmente, o mesmo Paulo denomina a ressurreição uma transformação em termos de uma “metamorfose”: “[…] todos nós […] somos transformados [metamorfouetá] de glória em glória […] pela ação do Espírito do Senhor”.

Todavia, jamais essas imagens metafóricas sugerem a concepção da ressurreição como revitalização do cadáver. É exatamente isso que ela não é! Ressurreição é muito mais e é algo bem diferente.

Ressurreição tampouco significa a volta para nova vivência terrena. Conforme a religião cristã, esta vida humana, incluindo a sua morte, é vivida somente uma única vez. Assim já o formula claramente o autor da carta aos Hebreus: “Para os homens está estabelecido morrerem uma vez […]” (Hb 9,27; cf. também: Catecismo da Igreja Católica, n. 1.013).

Ressurreição, consequentemente, não tem nada que ver com reencarnação. Ela, em vez disso, deve ser compreendida como transformação plena e total da maneira de ser de uma pessoa. O autor dessa transformação é Deus. Esse Deus mantém tudo aquilo que o ser humano é, mas a sua maneira de existir será transformada em analogia com aquilo que acontece com uma semente que se transforma em planta (cf. 1Cor 15,35-38.42-44).

Essa mesma concepção vem à tona também quando, na tradição narrativa dos textos bíblicos, se recorre a descrições das aparições de Jesus ressuscitado. Todos os evangelhos sustentam bem, por meio do gênero literário da narração, que o Ressuscitado é de fato aquele mesmo Jesus que os discípulos já conheciam antes. Mas, ao mesmo tempo, fazem questão de mostrar que a maneira de ser desse Jesus ressuscitado, agora, é bem diferente. Podemos mostrar isso, pela justaposição dos versículos respectivos, em alguns dos textos bíblicos que tratam do assunto:

 

A maneira de ser do Ressuscitado é diferente

Mas ele é o mesmo Jesus que os discípulos já conheciam

Jo 20,26: Ele entra apesar de as portas estarem fechadas. Ele pode ser tocado por Tomé.
Jo 20,27: As chagas não doem mais, de tal maneira que Tomé pode tocá-las. Ele mantém as chagas da crucificação.
Jo 20,14ss: A sua aparência é diferente, de tal maneira que Maria Madalena inicialmente pensa que é o jardineiro. Ele é realmente o Mestre e Rabboni.
Jo 21,4-5: Os discípulos não o reconhecem quando pergunta se há algum peixe para comer. Pedro o reconhece, quando se repete a pesca milagrosa de Lc 5.
Lc 24,13-32: Dois discípulos andam horas com ele, pensando que é um forasteiro. Eles o reconhecem quando repete o gesto da última ceia.

 

Nos textos acima, os autores bíblicos recorrem ao gênero literário da tradição narrativa para expressar, por meio de objetivações, uma das verdades fundamentais daquilo que é ressurreição: ela não é simples volta a uma vida terrena. Tampouco é “a ideia de uma devolução do corpo às almas após um prolongado intervalo […]” (RATZINGER, 2005, p. 305), “à qual, no entanto, reduzimos em nossa concepção” (Ibid., p. 299-309).

Em vez de recorrermos a tais objetivações, de longe superadas pela reflexão teológica, devemos compreender a ressurreição em dimensões muito mais amplas e mais complexas. Ressurreição significa a transformação estrutural da maneira de ser de uma pessoa. Essa transformação mantém a essência da pessoa, mas muda totalmente a sua aparência fenomenológica.

 

5. Ressurreição ultrapassa a dimensão individual e inclui a criação inteira

O evento da ressurreição não se limita ao mundo restrito de um indivíduo. Em vez disso, implica e inclui também tudo aquilo que esse indivíduo era e fez no decorrer de toda a sua vida vivida. Essa dimensão histórica e cósmica daquilo que chamamos de ressurreição foi encoberta por uma restrição dualista, na qual toda discussão se limitou a falar de uma ressurreição do corpo, enquanto a alma já em si seria imortal, de tal maneira que no fundo nem precisaria haver a ressurreição. As novas concepções antropológico-fenomenológicas, junto com as atuais pesquisas neurobiológicas, felizmente superaram esse modelo limitado do ser humano. Ele, aliás, nunca correspondeu à concepção antropológica da Sagrada Escritura.

Baseado nesta, fica claro que Deus não ressuscita uma alma, desligada de todas as dimensões terrenas e materiais, mas tampouco ressuscita somente um corpo material. Deus, em vez disso, ressuscita o ser humano inteiro, global, com todas as suas dimensões. A todas elas dá imortalidade; em outras palavras, ele as inclui e integra por dentro de uma maneira de ser da qual a morte e toda a sua negatividade já não fazem parte e que, em última análise, significa ser amparado no amor infinito desse Deus.

O que, porém, está sendo amparado é a pessoa inteira e integral, com toda a sua realidade de vida vivida; com as suas dimensões individuais, sociais, históricas e até cósmicas. Todas essas dimensões fazem parte da vida vivida de uma pessoa, e todas elas serão integradas por dentro da nova realidade de vida que vem de Deus.

É nesse Deus que a pessoa humana, e com ela todo o cosmo dentro do qual a pessoa se moveu e viveu, encontra a sua plenificação, o seu amparo e o seu último destino, que é a imortalidade.

Em decorrência disso, a ressurreição ultrapassa em muito a dimensão do indivíduo como tal. Com efeito, abrange a criação como um todo, de tal maneira que já Teilhard de Chardin, em contexto similar, podia falar de uma “cristificação do cosmo”.

Esse cosmo, como Paulo o formula em Rm 8,21-27, “tem gemido e sofrido as dores de parto”. Com essa imagem, já o apóstolo interliga a dimensão da transformação individual da pessoa com a ideia de que essa transformação radical tem uma dimensão que abrange a criação inteira e global.

O processo da transformação radical do indivíduo, que chamamos de ressurreição, de fato não diz respeito somente à pessoa humana individualizada. A sua vigência inclui também todo o contexto social, histórico e cósmico dentro do qual essa pessoa viveu, do qual fez parte e com o qual constantemente interagiu. Por essa interação, todo ser humano é integrado e intimamente interligado com a criação inteira. Uma parte dela, por assim dizer, está sendo humanizada pela vida da pessoa e, consequentemente, faz parte também do processo de transformação radical que chamamos de “ressurreição dessa pessoa”.

Essa perspectiva cósmica, aliás, outra vez encontra a sua base no grande apóstolo e pensador da Igreja primitiva, Paulo. Este formula explicitamente em Rm 8,21 a esperança de que toda criação será “libertada da servidão da corrupção para participar livremente da glória dos filhos de Deus”.

 

6. Também a palavra do “túmulo vazio” aponta para um significado além do individual

Na perspectiva acima desenvolvida, também o topos bíblico do “túmulo vazio” alcança um significado que ultrapassa em muito o seu sentido objetivo. Insistindo que “o túmulo de Jesus estava vazio”, a Igreja primitiva expressou não somente o fato da ressurreição em si, mas também o seu significado: a superação de toda dimensão de corruptividade, simbolizada pela putrefação que se verificaria dentro de um túmulo não vazio. Tudo isso é superado pelo agir de Deus. O seu agir implica o mundo empírico, mas o ultrapassa em muito, abrindo novas dimensões além de tudo aquilo que podemos imaginar. Por causa disso, Paulo pôde exclamar que “nem o olho viu nem o ouvido ouviu, nem jamais passou pelo pensamento do homem o que Deus preparou para aqueles que o amam” ( 1Cor 2,9).

 

7. Ressurreição como promessa e antecipação

Tudo isso e muito mais a mensagem bíblica da ressurreição de Jesus quer transmitir. Mas a Escritura compreende essa ressurreição não simplesmente no sentido de um relato histórico, por meio do qual informa sobre um acontecimento do passado que diz respeito a certa pessoa. Para a Bíblia e para toda a Igreja desde as suas primícias, a ressurreição de Jesus sempre teve o caráter de promessa e antecipação. Paulo formula tal convicção de maneira bem clara em 1Cor 6,14 e em Rm 8,11:

 

[…] Deus, que ressuscitou o Senhor, também nos ressuscitará a nós pelo poder. (1Cor 6,14)

 

[…] quem ressuscitou Jesus Cristo dos mortos também dará vida a vossos corpos mortais por virtude do Espírito que habita em vós. (Rm 8,11)

 

O fato de Deus ter ressuscitado Jesus se torna assim a prova e a confirmação para a esperança de que cada um de nós, na sua morte, também será ressuscitado. É essa a grande promessa, formulada também pelo próprio Jesus Cristo. O Evangelho de João a põe na boca de Jesus pelas seguintes palavras:

 

Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu ressuscitá-lo-ei no último dia. (Jo 6,54)

 

Pela ressurreição de Jesus, o próprio Deus também confirma essa promessa, de tal maneira que o fato de Jesus ter sido ressuscitado se torna, olhando de outro ângulo, novamente peça-chave para toda a fé cristã, e isso dentro dos seguintes cinco enfoques (cf. BLANK, 2007, p. 28-29):

 

1. Deus, ressuscitando Jesus, provou que é capaz de ressuscitar mortos. Na ressurreição do Jesus morto, Deus comprova aquilo que até aquele momento só era crença: ele ressuscitou alguém que de fato tinha sido morto. Assim comprovou a crença como certa e mostrou concretamente que realmente é um Deus mais forte que a morte.

2. Ressuscitando Jesus, Deus confirma que ele é assim como esse Jesus tinha dito: O DEUS DA VIDA.

3. Ressuscitando Jesus morto, Deus dá fundamento sólido à esperança em nossa própria ressurreição, assim como Paulo o formula: é com base no fato de Deus ter ressuscitado Jesus que se pode acreditar na ressurreição de todos os mortos.

4. Ressuscitando Jesus, Deus se revela fiel ao ser humano.

5. Ressuscitando Jesus, Deus comprova que ele se solidariza com Jesus e com tudo aquilo que Jesus tinha dito e feito. Uma das grandes promessas de Jesus tinha sido a garantia de que ele nos ressuscitaria. Ressuscitando Jesus, o próprio Deus Pai dá a essa promessa o seu peso de veracidade absoluta.

 

8. Ressurreição como concretização da última solidariedade de Deus com o ser humano

Com base nas afirmações acima, a fé cristã formula a sua esperança de que essa solidariedade incondicional de Deus, manifestada na ressurreição de Jesus, se estende a partir dele a todos os seres humanos. Desenvolvendo essa ideia com base na concepção de um Deus que ama esses humanos, pode-se chegar, finalmente, a uma correlação interessante desse amor com a ressurreição.

Numa reflexão fascinante sobre aquilo que é o amor, Josef Pieper mostra que a essência do amor é a aceitação incondicional do outro, simplesmente porque esse outro existe. Essa aceitação se manifesta pela expressão “é bom que tu existes” (PIEPER, 2000, p. 200). Tal aceitação, porém, não se formula a posteriori, em consequência de uma vida vivida que justificaria a afirmação. Não, ela se expressa a priori, simplesmente por causa do fato da existência da pessoa amada.

Aplicando essa concepção àquilo que acontece com o ser humano no momento da ressurreição, poder-se-ia imaginar, em termos de analogia, que o Deus que ama também fala à pessoa em questão estas mesmas palavras: “É bom que tu existes”! Essa afirmação implica necessária e consequentemente a vontade divina de que esse ser humano amado exista para sempre. A ressurreição da pessoa humana por parte de Deus seria assim a concretização de tudo aquilo que Paulo formula em 1Cor 13,1-13: o amor de Deus é mais forte que a morte. É ele que tem a última palavra, contra todas as manifestações da morte, da rejeição e do pecado.

É assim que podemos sintetizar toda a questão sobre o significado da ressurreição: ela é a expressão e a confirmação do fato de o último destino de toda pessoa e da criação inteira ser o repousar no amor inimaginável daquele que criou a todos nós. É para isto que Deus ressuscita todo ser humano depois de uma única vida vivida: para que esse ser seja eternamente amparado no seu amor; para que – balbuciando e hesitando, tenho a coragem de o formular – também Deus seja amparado no amor daqueles pelos quais ele se apaixonou, os seres humanos.

 

* Doutor em Teologia e em Filosofia, licenciado em Letras, professor titular da Pontifícia Faculdade de Teologia de São Paulo. Além disso, é professor do Instituto de Teologia de São Paulo e do Instituto Teológico Pio XI. De 1985 até 1994, foi diretor do Instituto de Teologia para Leigos, em Santo Amaro. Publicou diversos livros na América Latina e na Europa, entre os quais: Reencarnação ou ressurreição – uma decisão de fé; Escatologia da pessoa –vida, morte e ressurreição; Escatologia do mundo – projeto cósmico de Deus; Creio na ressurreição dos mortos; Creio na vida eterna; A face mais íntima de Deus; Encontrar sentido na vida – propostas filosóficas; Ovelha ou protagonista? – a Igreja e a nova autonomia do laicato no século 21.

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

BLANK, Renold. Creio na ressurreição dos mortos. São Paulo: Paulus, 2007.

______. Reencarnação ou ressurreição. São Paulo: Paulus, 2008.

PIEPER, Josef. Über die Liebe (Sobre o amor). München: Kösel, 2000.

RATZINGER, Joseph. Introdução ao cristianismo. São Paulo: Loyola, 2005.

 



[1] O texto segue com certas modificações o cap. 23 de BLANK, R. Creio na ressurreição dos mortos. São Paulo: Paulus, 2007, p. 24-25. Cf. também: BLANK, R. Reencarnação ou ressurreição. São Paulo: Paulus, 2008, p. 89-93.

Renold Blank