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Publicado em número 152 - (pp. 21-26)

Pentecostes e o retrato das primeiras comunidades

Por Pe. Hermilo E. Pretto

INTRODUÇÃO

A busca de inspiração para uma pastoral urbana leva a uma releitura de situações significativas que nos são apresentadas pelos textos bíblicos. Cada uma dessas situações é portadora de uma mensagem que, simultaneamente, responde a situações da época, e a novos desafios de cada contexto de realidade. Há sempre uma reserva de significação que deve ser explicitada, e reinterpretada continuamente, frente às mudanças do processo histórico. Metodologicamente, portanto, o ponto de partida é a própria realidade atual da cidade, com a vasta gama de problemas que a caracteriza. Na perspectiva que nos ocupa nesta reflexão, que inspiração nos pode trazer a releitura do acontecimento de Pentecostes? Buscaremos uma resposta a partir das interpretações que a cidade hoje nos lança, cientes de que a Palavra de Deus não contém as respostas para os problemas de todos os tempos. Faz-se necessária uma grande criatividade a partir dos critérios fundamentais que ele nos oferece.

 

I. A IMAGEM DA CIDADE HOJE

A reflexão que estamos empreendendo não tem por objetivo explicitar linhas de pastoral urbana. Em número sucessivo, pastoralistas terão a oportunidade de oferecer indicações preciosas com vistas ao objetivo central da Igreja: criar na cidade a comunidade dos irmãos reconciliados. As formas desta ação variam de acordo com os tempos e lugares. A resposta criativa que a Igreja soube apresentar no século primeiro da Era Cristã tornar-se-ia obsoleta se transposta para uma realidade tão complexa como a que estamos vivendo, com um destaque para os aglomerados urbanos. Pois bem, como se apresenta hoje a imagem da cidade? É o que tentaremos ver nas reflexões que seguem.

 

 

1. O processo de urbanização

Nos últimos decênios a cidade tem apresentado um crescimento vertiginoso. São ingentes massas humanas que a cada ano se deslocam do campo para a cidade. Em alguns casos, é uma cidade de porte médio que se acrescenta ao aglomerado urbano já existente. Nos próximos decênios, em continuando a dinâmica atual, a população do campo estará reduzida a níveis mínimos. Nos países desenvolvidos, a concentração urbana obedece a critérios de eficiência técnica. A mecanização da agricultura faz com que as pessoas necessárias à produção agrícola tendam a diminuir numericamente. Esse fato cria a necessidade de se organizar a cidade de tal forma que a força restante encontre ocupação. Bem outra é a realidade dos países em desenvolvimento. Outra é a dinâmica que leva ao abandono do campo em direção à cidade. É justamente essa realidade de subdesenvolvimento que será objeto de nossa atenção. A consequência é de que são originais as interpretações lançadas à Palavra de Deus.

 

1.1. A atração da cidade

Os grandes aglomerados urbanos, por abrigarem geralmente importantes parques industriais, exercem enorme poder de atração sobre a população mais carente ligada à produção agrícola. O poderio industrial é visto como âmbito de infinitas possibilidades: perspectivas, justamente, negadas no mundo campesino. Em muitos casos há uma cega ilusão de que o âmbito das possibilidades não esteja sujeito ao desgaste das possíveis limitações. A precariedade das condições vividas no campo torna desejável qualquer situação que permita, pelo menos, sonhar com mudanças profundas.

O imaginário do homem do campo, desprovido de recursos, alimenta veleidades em que o desespero de uma situação sem saída torna desejáveis condições precárias, aliadas a possibilidades, reais ou fantasiosas. Dentro dessa perspectiva, o homem da cidade é visto como alguém superior, porque libertado das agruras do campo, com a persistente incerteza das intempéries. A partir, justamente, deste dado, o salário mensal, garantido independentemente das condições atmosféricas, torna-se altamente desejável, pois estaria afastando a ameaça da fome e da miséria generalizada. Em consequência de tudo isso, a cidade passa a ser vista como a terra prometida onde correm leite e mel.

 

1.2. O fenômeno migratório

O deslocamento do campo para a cidade de ingentes massas humanas, conhecido como fenômeno migratório, embora também movido pela atração da cidade, tem, igualmente, outras causas que não podem ser ignoradas. É de conhecimento público e notório que o problema da terra é uma das questões mais candentes da realidade brasileira. A espantosa expansão da grande propriedade, a expulsão do pequeno proprietário, a grilagem de terras são todos fatores que integram as causas do fenômeno migratório. A atração da cidade, conforme analisávamos no item anterior, não explica, por si só, o abandono do campo. A grande maioria da população migrante sente-se visceralmente ligada à terra, e não pensaria em abandoná-la, não fossem para isso forçadas por poderosas forças econômicas e políticas.

A migração, que enquanto possibilidade de buscar melhores condições de vida constitui direito fundamental, apresenta todas as características de um fenômeno compulsório. Isso faz com que ela se constitua em verdadeira tragédia. Foge às perspectivas desta reflexão discutir possíveis caminhos de solução. Há claramente um problema técnico que é preciso estudar com rigor de análise, com vistas a soluções satisfatórias. Interessa-nos, isto sim, detectar um processo de desagregação, provocado pelo desenraizamento, que está na origem de muitos problemas que afetam a cidade. Uma pastoral urbana não pode ignorar esta realidade, em suas causas e em seus efeitos, se pretende atuar de forma incidente.

 

1.3. O âmbito das possibilidades e o âmbito da realidade

Com frequência, para justificar a crença de que todos podem aceder às benesses da cidade, é suficiente a apresentação de alguns casos bem sucedidos. Em qualquer contexto de realidade é possível encontrar pessoas que, a partir de condições mínimas, atingiram o topo da escala social. O fato particular é transformado em possibilidade universal. Em princípio, há efetivamente um caminho possível aberto a todos, onde nem mesmo diferenciações raciais representam obstáculos intransponíveis. Ocorre, no entanto, que uma sociedade onde as possibilidades, teoricamente, estão abertas a todos, na prática faz prevalecer a lei do mais forte. Não se pode ignorar, igualmente, que fatores circunstanciais, resultantes da conjunção bastante casual de dados favoráveis, venham a ter força determinante no sucesso de muitos empreendimentos. Há que se considerar também que muitas fortunas resultam de procedimentos desonestos e de atitudes inescrupulosas.

A realidade dos fatos é que a grande maioria dos migrantes que aportam nos centros urbanos encontram as portas fechadas e acabam aninhando-se nos últimos degraus da escala social. A atração da cidade atua como o canto das sereias: agradável ao ouvido, sedutor no chamado, mas trágico na aproximação. A certeza de um salário mensal, assegurado independentemente das condições atmosféricas, choca-se com a brutalidade do custo de vida. A aspiração não satisfeita abre as portas para a marginalidade. Em muitos casos, a cena final é uma morte ignóbil pelas mãos do aparato policial, supostamente encarregado de zelar pela segurança da população.

 

1.4. Os bolsões de miséria

O crescimento desordenado dos aglomerados urbanos, aliado à necessidade de mão de sobra especializada, dá origem a um acúmulo de força de trabalho que atua como gerador de arrocho salarial. A reivindicação por melhores salários choca-se com a existência de filas intermináveis de trabalhadores à procura de emprego. Em muitos casos, as alternativas para um salário baixo são o desemprego e a miséria. Se a isso associarmos a constante defasagem entre o aumento dos salários e o aumento do custo de vida, teremos um quadro marcado pelo espectro da miséria mais vergonhosa. Temos aí um terreno fértil onde prospera o subemprego, com as mais deslavadas formas de exploração do trabalho humano. A consequência de tudo isso é a crescente formação de vastos bolsões de miséria, onde a mortalidade infantil atinge níveis elevados em razão da fome generalizada e da subnutrição.

 

1.5. A favela e os “jardins”

Caracteriza hoje a paisagem da cidade um contraste chocante. De um lado, a ostentação da riqueza, de outro, uma pobreza que fere profundamente a dignidade humana. Há uma política da habitação que esgota seus recursos na construção de casas e apartamentos inacessíveis à população de baixa renda. O primeiro movimento em direção à favela ocorre a partir da indisponibilidade de acesso à casa própria e aos aluguéis extorsivos. Os migrantes que aportam à cidade abrigam-se em lúgubres barracos ou, na pior das hipóteses, debaixo dos viadutos, porque não lhes resta outra alternativa. O segundo movimento em direção à favela surge a partir da impossibilidade de continuar pagando aluguel, pela crescente desproporção entre o aumento dos salários e o aumento dos aluguéis.

A favela é uma face da cidade. A outra face são os “jardins”, que testemunham de forma cruel o espectro de uma cidade que não partilha. Não se trata de jogar pedras nas ilhas de bem-estar, uma vez que é necessidade imperiosa tornar a riqueza acessível a toda a população. Mas é visível a existência de uma surda hostilidade entre a favela e os “jardins”. Estes veem nas favelas perigosos antros de criminalidade. Aquela amarga o rancor de uma vida que lhe é negada. A riqueza, o bem-estar e até o esbanjamento constituem-se numa afronta à dignidade dos empobrecidos e espoliados. A reconciliação entre esses dois mundos só é possível a partir da recomposição da justiça.

 

2. Uma diversidade enriquecedora

Quem olha hoje para a cidade, percebe-a como uma realidade profundamente ambígua. Ingênua seria a postura de quem pretendesse separar o bem e o mal, como se fossem partes justapostas de uma realidade unificada. O reconhecimento da ambiguidade nos leva à conclusão de uma relação dialética entre o bem e o mal, sendo que toda realidade os contém de forma incindível. É dentro dessa perspectiva que é possível reconhecer, na imagem da cidade, a presença de uma diversidade que é fator de enriquecimento cultural, político, econômico, religioso. A história de cada povo está prenhe de valores que definem sua identidade. E cada valor é expressão de uma experiência vivida.

Numa visão de diálogo, toda essa riqueza abre possibilidades fantásticas de comunhão. Aparentemente, a uniformidade elimina conflitos e tensões, possibilitando formas satisfatórias de integração. Ocorre que o semelhante, em sentido estrito, é fator de empobrecimento, porque torna a convivência humana extremamente repetitiva. As experiências de comunidades homogêneas tendem a fracassar porque lhes falta a complementaridade que leva ao questionamento, permitindo superar a tendência natural à acomodação e à mediocridade. É no confronto e nas tensões construtivas que se edificam as verdadeiras civilizações. As legiões de migrantes, internos e estrangeiros, na diversidade das histórias, das raças, das culturas, das religiões, asseguram à cidade uma perspectiva universalista, na medida em que ela estiver aberta a um diálogo sem preconceitos. A unidade na diversidade é sempre o ideal maior e melhor que se possa atingir.

 

3. Uma desigualdade brutal

Mas a imagem da cidade também revela hoje feições trágicas. O potencial enriquecedor que lhe advém da pluralidade que a constitui não encontra uma expressão significativa. E o fator maior de bloqueio é uma surda e cruel luta de classes que entrava até possibilidades mínimas de aproximação e recíproco condicionamento. As injustas relações econômicas e sociais que se estabelecem dão origem a uma desigualdade brutal. A partir dessa situação, revela-se problemática a tentativa de organizar a cidade. A busca da unidade, essencial para toda convivência humana, só é possível a partir da superação da desigualdade.

Não se está propondo aqui o ideal de uma igualdade sem mais, aspiração sem fundamento, uma vez que não são as mesmas as exigências de todas as pessoas. Todas as propostas visando uma igualdade radical, na posse e usufruto dos bens, não passam de exasperadas manifestações de demagogia. A desigualdade de que se fala aqui diz respeito à exclusão das condições necessárias com vistas a uma vida digna, em todas as suas dimensões. Falar em unidade quando grupos ponderáveis têm sua dignidade espezinhada, como se fosse possível construir a convivência humana acima ou fora das relações históricas, é o sonho idiota dos ingênuos românticos ou o propósito insensato dos ricos corroídos pelo complexo de culpa. Na construção da cidade, a desigualdade que empobrece tem mais peso que a diversidade que enriquece. Esse dado é fundamental na perspectiva que nos ocupa aqui. Qual inspiração nos poderia trazer a experiência de Pentecostes frente à imagem atual da cidade?

 

II. PENTECOSTES EA NOVA CIDADE

Na sequência da reflexão, será objeto de nossa análise um levantamento de perspectivas, relacionadas com a experiência de Pentecostes, visando buscar inspiração para uma pastoral urbana. Teremos a oportunidade de ver como o capítulo segundo de Atos dos Apóstolos, independentemente do que possa descrever de autenticamente histórico, em termos fatuais, abre caminho para uma reflexão ampla, e capaz de inspirar a caminhada pastoral da Igreja.

 

1. A restauração da unidade

O livro dos Atos, relatando os primeiros passos da pregação apostólica, defronta-se com o problema da unidade perdida. O povo de Israel, sufocado por uma estrutura interna político-religiosa, que havia atingido formas exasperadas de legalismo e privilégio, e subjugado pelo poder imperial de Roma, encontrava-se à beira de um colapso, de consequências catastróficas. A expectativa do Messias, mesmo politizada em sentido nacionalista, já não dava mostras de ser capaz de catalisar as forças populares com vistas à libertação. A pregação de João Batista, inspirada na ira de Deus, aponta caminhos não condizentes com a imagem do Messias esperado. Se fica evidenciada a busca de uma unidade, seus contornos voltam-se para o interior: frente à ira de Deus, que vem como julgamento, faz-se necessária uma profunda conversão. Se o poder constituído, em especial o de Herodes, sente-se ameaçado, é apenas na perspectiva de uma nova ordem moral. João Batista inaugura um batismo de arrependimento para a remissão dos pecados (Mc 1,4). A frustração da expectativa nacionalista encontra em sua pregação uma alternativa de libertação, em perspectiva diametralmente oposta.

O ministério de Jesus de Nazaré, por outro lado, assumindo uma postura política mais sutil, frustra as esperanças de grupos dirigentes. Superando o espírito nacionalista, a pregação de Jesus volta-se para dentro: não apenas para o interior dos corações, mas igualmente para a estrutura política interna. Sua postura crítica vai atingir justamente o poder político religioso, exercido de forma despótica e em dimensão de privilégio, pelos Sumos Sacerdotes, pelos Escribas e pelos Fariseus. Na base disso, há uma opção clara e inequívoca por quantos o poder político relega à margem da sociedade: pobres em geral, doentes, prostitutas, mulheres e crianças. Se, a partir dessa pregação, os espoliados passam a alimentar uma nova esperança, é evidente que a unidade pretendida, enquanto retorno a um passado glorioso, perde completamente seu espaço. Daqui para frente será preciso buscar uma unidade assentada em novas bases: no compromisso com a restauração da justiça, através da solidariedade com as vítimas das relações históricas.

A experiência de Pentecostes produz efeitos imediatos que apontam na direção de uma nova unidade. Se Babel provocou a dispersão, Pentecostes vem para reunir os filhos dispersos. Mas o ponto de referência não é a restauração da soberania de Israel, e sim a nova humanidade que nasce da ressurreição de Jesus: “Saiba, portanto, com toda certeza, toda casa de Israel: Deus o constituiu Senhor e Cristo, este Jesus a quem vós crucificastes” (At 2,36). O autor de Atos observa que no dia de Pentecostes era evidente a dispersão de Israel: “Achavam-se então em Jerusalém judeus piedosos, vindos de todas as nações que há debaixo do céu” (2,5). Um primeiro sinal de que a unidade está a caminho é a compressão da mesma Mensagem na diversidade de línguas. O projeto de Deus começa a tornar-se realidade na vida nova dos que estão inseridos em Cristo: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para a remissão dos vossos pecados” (At 2,38).

 

2. Unidade na diversidade

Na experiência de Pentecostes, há uma perspectiva de unidade que transcende os estreitos limites de Israel. Explicitando a dimensão ecumênica do Novo Povo de Deus, que surge na pregação apostólica sob a ação do Espírito Santo, o autor de Atos enfatiza que a unidade acontece dentro de enorme diversidade: “Tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes, nós os ouvimos apregoarem nossas próprias línguas as maravilhas de Deus!” (2,11). Com esta observação, o autor põe em realce uma das dimensões mais significativas do Deus bíblico: Ele não tem preconceitos, transcende as fronteiras dos povos e promete a salvação a todos, reivindicando uma soberania universal. A tentação de se aproximar de Deus, transformando-o em privilégio, sempre foi uma ameaça para a autenticidade da fé de Israel. Mas o dado gratificante é que o Deus que privilegia esse povo, escolhendo-o dentre todas as nações, quer que ele permaneça aberto, para ser instrumento de salvação universal.

A busca de uma unidade na diversidade, que sempre leva a um enriquecimento na experiência da fé, não oferece problemas enquanto Israel permanecer como ponto de referência obrigatório. Há sempre o risco de a novidade do Evento Cristo reduzir-se a uma continuidade, com uma hierarquia de importância na ordem da Salvação reservada a Israel. Segundo o próprio relato dos Atos, o grupo de Jerusalém, liderado por Pedro e Tiago, exige que os cristãos vindos do paganismo tenham seu ingresso na fé mediatizado pela aceitação da Lei de Moisés, simbolizada na circuncisão.

Contra tudo isso reagirá Paulo em nome da liberdade radical assegurada pela ressurreição de Jesus Cristo. A partir dessa fundamentação cristológica, qualquer forma de unidade eclesial deverá acontecer no incondicional respeito à diversidade. A diversidade, dentro dessa perspectiva, é componente essencial e irrenunciável da experiência da fé. Por conseguinte, todo esforço direcionado numa linha de uniformidade será sempre um atentado contra a grandeza do projeto de Deus. O autor de Atos, de forma bastante, sutil, deixa transparecer este dado: “Pois para vós é a promessa, assim como para vossos filhos e para todos aqueles que estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar” (2,39).

 

3. Unidade na desigualdade?

A compreensão teológica de fatos sociais, como o processo de urbanização e o fenômeno migratório, este de maneira especial, tem buscado inspiração também na experiência de Pentecostes. O aspecto que mais tem sido destacado é o de uma diversidade que converge para um denominador comum. No embasamento dessa postura, fica evidente uma avaliação substancialmente positiva dessas realidades. Ocorre que, no caso específico da urbanização, a diversidade, com seu potencial enriquecedor, não consegue uma composição satisfatória, porque sufocada por uma desigualdade brutal. Se o projeto de Deus não pode ser construído fora ou acima das relações históricas, sua efetivação deve forçosamente passar por uma recomposição das relações em dimensão de justiça. A referência à unidade das línguas dentro da mesma mensagem é um fator relevante que não pode ser ignorado. Para isso, a experiência de Pentecostes é sempre uma fonte preciosa de inspiração.

Mas há em elemento, que é fator determinante em qualquer empreendimento pastoral: a criação da fraternidade humana através de uma recomposição das relações históricas. A partir daí, apelar simplesmente para Pentecostes, nos levaria para o terreno da infidelidade, porque não é viável uma fraternidade verdadeira enquanto permanecerem desigualdades incompatíveis com a dignidade humana. E justamente esse dado fundamental que setores ponderáveis da Igreja insistem em ignorar. A restauração da justiça, como condição irrenunciável para a construção de uma convivência humana justa e fraterna, não é postulado retórico de exaltados populistas.

O texto dos Atos, na própria sequência da experiência de Pentecostes, oferece uma indicação importante. A conversão e o batismo para a remissão dos pecados criam exigências novas. A unidade que se busca não pode reduzir-se a piedosos sentimentos. O texto nos reporta uma primeira observação significativa: “Eles mostravam-se assíduos ao ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações” (2,42). Fica evidenciado aí que a resolução do problema da diversidade traz consequências da maior, importância. Há uma mesma e única Mensagem de transformação que chega a todos na diversidade dos contextos, das culturas, das expressões linguísticas. A partir daí, tudo converge para uma profunda comunhão de vida.

Na sequência, o texto dos Atos assinala uma consequência fundamental dentro da perspectiva que nos ocupa nesta reflexão. O esforço que leva a uma comunhão de vida defronta-se com um obstáculo: a desigualdade nas relações sociais. A quantos acreditam que seja possível construir a unidade na desigualdade, o texto dos Atos diz com eloquência: “Todos os que tinham abraçado a fé reuniram-se e punham tudo em comum: vendiam suas propriedades e bens, e dividiam-nos entre todos, segundo as necessidades de cada um” (2,44-45). Dentro de um trabalho rigoroso, como é o do autor de Atos, não é casual que esta observação seja colocada como conclusão do relato de Pentecostes.

A consequência disso é muito simples: Pentecostes torna-se fonte de inspiração para uma pastoral urbana porque abre espaço para a nova cidade. Há uma diversidade que é preciso levar em consideração, tornando-a fator de enriquecimento para as comunidades que surgem do anúncio da Boa-Nova. Nesse sentido, há todo um esforço a ser empreendido com vistas a um espaço significativo de expressão para tudo o que é autenticamente diverso. Só assim a história de cada povo pode oferecer o que tem de melhor para uma síntese construtiva superior. Mas há também uma desigualdade, que é expressão de injustas relações sociais. Sua superação é condição essencial para que a fraternidade não seja enganosa.

 

Pe. Hermilo E. Pretto