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Publicado em maio-junho de 2013 - ano 54 - número 290

O padre e a saúde emocional

Por Ênio Brito Pinto *

A religião tem papel significativo na promoção da saúde emocional de seus fiéis. Os padres e agentes de pastoral podem colaborar no incremento da própria saúde e da saúde dos que o procuram, ajudando na superação das ansiedades em relação ao vazio, à finitude humana, à solidão, à sensação de culpa.

À medida que o ser humano avança em seus conhecimentos fica cada vez mais à mostra a enorme complexidade que somos, obrigando a novos diálogos e posicionamentos. Uma das áreas nas quais essa necessidade de novos diálogos mais se sobressai é a área da saúde humana. São tantos os conhecimentos, são tantas as especializações geradas nessa área que hoje é praticamente impossível pensarmos em um atendimento de saúde que não seja multiprofissional. Melhor que isso: os conhecimentos que temos hoje na área da saúde humana são tão complexos que obrigam os profissionais a saírem do hospital ou de suas clínicas, ocupando-se cada vez mais com questões ligadas ao ramo mais precioso da área da saúde, a prevenção. Nesse ponto, penso que há um diálogo ancestral que precisa ser retomado, o diálogo entre religião e saúde, de modo que, dentro de suas possibilidades e nos limites de seu campo, os religiosos sejam também agentes cuidadores da saúde humana.

Não defendo que os padres se tornem agentes de saúde ou profissionais da saúde, pois bem sei as tantas funções e as tantas dificuldades que já têm no exercício de seu labor. Mas levanto a questão de que o padre pode ter para com seus fiéis cuidados que promovam também o incremento do cuidado de cada um com a própria saúde e a saúde de seus próximos. Além dos padres, me dirijo também às religiosas, aos religiosos e a leigos e agentes de pastoral que lidam com essas questões no dia a dia.

Embora a participação dos religiosos possa se dar nas mais diversas áreas que dizem respeito à prevenção em saúde, é na área da saúde emocional que eles mais podem se fazer presentes, haja vista que muitos dos pedidos de aconselhamento ou de orientação trazem conteúdos psicopatológicos que justificam, além da orientação pastoral, a orientação sobre saúde emocional e até o encaminhamento para um psicólogo e/ou um psiquiatra que possa complementar o acolhimento a essa pessoa com os procedimentos psicoterapêuticos e/ou psicofarmacológicos que se verificarem necessários e possíveis. Neste artigo, quero refletir um pouco sobre a possibilidade de as pessoas de vida consagrada atuarem como facilitadores do incremento da saúde emocional. Para esse fim, não me aterei à questão das psicoses, deixando-a, por causa de sua enorme e peculiar complexidade, para outro possível artigo.

1. As ansiedades

Quando faço essa proposta de atuação para as pessoas de vida consagrada, não estou trazendo algo que seja exatamente novo: já Paul Tillich, em um de seus memoráveis livros (1967), aborda essa difícil fronteira entre o trabalho pastoral e o trabalho de busca da recuperação da saúde emocional. Tillich trata da ansiedade humana e a divide entre a ansiedade existencial, a inalheável ameaça de não ser, e a ansiedade não existencial, patológica, “resultado de ocorrências contingentes na vida humana” (p. 47). No primeiro caso, Tillich (1967, p. 29) distingue três tipos de ansiedade existencial, “de acordo com as três direções nas quais o não-ser ameaça o ser”:

o não-ser ameaça a autoafirmação ôntica do homem, de modo relativo, em termos de destino, de modo absoluto, em termos de morte. Ameaça a autoafirmação espiritual do homem, de modo relativo, em termos de vacuidade, de modo absoluto, em termos de insignificação. Ameaça a autoafirmação moral do homem, de modo relativo, em termos de culpa, de modo absoluto, em termos de condenação (p. 30).

Essas três ameaças podem ser resumidas em três ansiedades: “a do destino e da morte (em resumo, a ansiedade da morte), a do vazio e perda de significação (em resumo, a ansiedade da vacuidade), a de culpa e condenação (em resumo, a ansiedade da condenação)” (p. 30). O autor completa: “os três tipos de ansiedade (e de coragem) são imanentes uma na outra, porém normalmente sob a doutrinação de uma delas” (p. 30).

Tillich (1967) afirma que a ansiedade inclina o ser humano para a coragem “porque a outra alternativa é o desespero. A coragem resiste ao desespero tomando a ansiedade dentro de si” (p. 49). Quando trata da ansiedade não-existencial, Tillich situa numa espécie de meio termo entre o desespero e a coragem a pessoa comum (“embora potencialmente neurótica”) e o neurótico, o qual se afirma “numa escala limitada”, “pois o eu que é afirmado é um eu reduzido”, quer dizer, para Paul Tillich, “neurose é o meio de evitar o não-ser evitando o ser” (p. 49).

Dessa forma, a ansiedade de morte, quando não incorporada, “impele a uma segurança que é comparável à segurança de uma prisão (…) Medo deslocado é uma consequência da forma patológica de ansiedade do destino e da morte” (Tillich, 1967, p. 49). Situação semelhante pode ser encontrada na ansiedade de condenação patológica:

a ansiedade de se tornar culpado, o horror de se sentir condenado, são tão fortes que fazem quase impossíveis decisões responsáveis e qualquer espécie de ação moral (…) A autodefesa moralística do neurótico faz com que ele veja culpa onde não existe culpa ou onde se é culpado só de forma muito indireta (Tillich, 1967, p. 56).

Também a ansiedade de vacuidade pode ter sua forma patológica, especialmente na criação de certezas “em sistemas de significação que são sustentados pela tradição e autoridade”. Dessa forma, a pessoa neurótica “duvida do que está praticamente acima de dúvida e tem certeza onde a dúvida é adequada. Acima de tudo, ele não admite a pergunta da significação, em seu sentido universal e radical” (Tillich, 1967, p. 56).

A partir dessa conceituação da ansiedade humana, Tillich (1967) busca tratar da fronteira multiprofissional na lida com essas questões. Assim, para ele, a ansiedade patológica deve merecer cuidados do profissional da área da saúde e a ansiedade existencial merece ajuda sacerdotal, embora nenhuma dessas funções deva ser restrita a cada área, da mesma maneira que “as funções não devem ser confundidas e os representantes não devem tentar um substituir o outro” (p. 57). Ainda assim e dentro de seus limites, “o ministro pode ser um terapeuta e o psicoterapeuta um sacerdote, e cada ser humano pode ser ambos em relação ao próximo. O alvo de ambos (terapeuta e ministro) é ajudar os homens a alcançarem a autoafirmação plena, a atingirem a coragem de ser” (p. 57).

2. As ansiedades patológicas no mundo pós-moderno

Isso posto, cabem algumas questões: hoje, passados sessenta anos desde que Tillich lançou o livro e as ideias em questão (o trabalho original foi publicado em 1952), haverá diferenças na vivência dessas ansiedades? Como o ser humano atual tende a lidar, em nosso mundo cada vez mais líquido, com as ansiedades não incorporadas pela coragem de que fala Tillich, a ansiedade patológica da morte, a ansiedade patológica da vacuidade, a ansiedade patológica da condenação? Farei algumas reflexões sobre isso.

A ansiedade patológica da morte

A morte, o “não-ser”, a única certeza humana, tende a ser considerada em nossos tempos pós-modernos através de uma paradoxal negação, a qual pode ser vista especialmente sob dois prismas: uma excessiva e imediatista ênfase no presente e uma banalização da morte e do morrer. A ênfase imediatista no presente se faz à custa do passado e do futuro, da tradição e dos horizontes comuns. O que vale é o imediato, se possível vivido de maneira febril, ainda que vazio. É o rápido e o imediato como fuga da condição histórica que caracteriza cada ser vivente e que exige de cada ser a coragem diante da finitude. Ao fugir de sua condição de ser histórico, cada ser humano pós-moderno vive como se a vida começasse com ele e pudesse se perpetuar eternamente nele, negando o morrer o quanto pode. Nega também a morte através de sua banalização, tão facilmente alcançada em um mundo com tanta gente, onde cada um acaba não sendo mais do que um número.

Se compreendermos o destino como os acontecimentos do mundo que não estão sob nosso controle (ter nascido onde nascemos, no ano em que nascemos, as catástrofes naturais, muitas das oportunidades que temos na vida etc.), a maneira como a pessoa média de nosso tempo lida com o destino é semelhante a esse jeito de lidar com a morte e também tem seus dois lados mais comuns: por um lado, a tentativa de negar o destino através da onipotência narcísica, a qual afirma que se você agir dentro de certos parâmetros os seus desejos serão inevitavelmente realizados; por outro lado, a negação do trágico e da inevitável perda decorrente de cada escolha, além da negação das inevitáveis escolhas entre o ruim e o pior, que eventualmente temos que fazer. Alguns resultados dessa maneira de lidar com a ansiedade patológica da morte são o medo da solidão, o pânico, as fobias tantas que vemos descritas na literatura psicopatológica atual.

A ansiedade patológica da vacuidade

O dicionário Houaiss nos ensina que vacuidade, no sentido que tratamos aqui, quer dizer “vazio moral ou intelectual, vaziez de espírito, sensação de ausência de valor, de sentido em si ou fora de si”. Muito possivelmente essa descrição traduz a queixa (ou o fundo da queixa) da maioria das pessoas que procuram ajuda do sacerdote ou do psicoterapeuta. Essa sensação caracteriza, a depender de como é vivida, a depressão ou o estado depressivo, quando não o tédio existencial, também um sintoma importante. Que alternativas a cultura pós-moderna oferece às pessoas para lidar com sua autoafirmação, a legítima necessidade de afirmação autônoma de si como ser pertinente a este momento e a este lugar? Não, o que a cultura nos oferece não é o vivificante contato com nossa pequeneza que nos é proporcionado pela contemplação do céu estrelado, do mar agitado ou da serra azulada; tampouco é a possibilidade dos contatos amorosos e propiciadores de proximidade e intimidade. As alternativas que a cultura pós-moderna oferece para que as pessoas lidem com sua necessidade de autoafirmação são a ostentação e a certeza. Por um lado, parecer ser é o mais importante; por outro lado, não perguntar, obedecer cegamente, entregar-se sem questionamentos à verdade do outro, especialmente quando esse outro é a religião, o mercado ou o especialista. Ao fim, com esse caminho propiciado hoje pela cultura, a vida rasa nega o difícil e potencialmente criativo contato com a prescindibilidade inerente à vida de cada um de nós.

A ansiedade patológica da condenação

Por fim e igualmente importante, a trabalhosa lida com a culpa. Volto ao Houaiss para deixar claro como estou aqui compreendendo a culpa: “consciência mais ou menos penosa de ter descumprido uma norma social e/ou um compromisso (afetivo, moral, institucional) assumido livremente”. Lembro que esse descumprimento pode ser também com relação aos compromissos que assumimos conosco em nosso próprio benefício. Em nossos tempos, as pessoas lutam, às vezes lutam muito, para não se sentirem culpadas, como se a culpa fosse sinal de fraqueza ou de fracasso, quando é justamente o contrário. A culpa tem uma função para o ser humano: apontar possibilidades de correção, de reparação e/ou de aprimoramento. A pessoa média de nossa cultura tende a lidar com a culpa também basicamente de duas maneiras, ambas prejudiciais: por um lado, nega com muita frequência a culpa, busca a chamada “psicologia positiva” e afirma que aquilo de que se culpa vai acabar futuramente se mostrando como benéfico, algo positivo; por outro lado, transforma a culpa em condenação, ou em repetitivo sentimento de culpa que paralisa as possibilidades de crescimento e de atualização. Quando muito e embora tenha muita dificuldade de pedir, quer o perdão, desde que não tenha que fazer qualquer reparação ou mudança; com a mesma facilidade condena dura e concretamente os outros, impossibilitando também a aprendizagem, a mudança e a reparação. Além disso, a pessoa média de nossa cultura tende a ter muita dificuldade para perceber que às vezes seus erros são maneiras criativas de se propor inovações e mudanças.

Eventualmente toda pessoa passa por situações dessa maneira, e não é isso o que caracterizaria um sofrimento patológico. Para que possamos pensar nessas vivências como patológicas, é preciso atentar para algumas peculiaridades: falta flexibilidade, ou seja, há repetição e persistência dessas vivências, com dificuldade para responder adequadamente ao que exige cada situação, em várias áreas da vida (pessoal, profissional, relacional, familiar etc.); essas repetições provocam continuamente sofrimento e prejuízo na convivência da pessoa consigo mesma e com os outros, especialmente os outros mais importantes; a liberdade da pessoa está tolhida, entendendo aqui liberdade como a capacidade de fazer escolhas com o maior grau possível de conscientização e de responsabilização; com tudo isso, as relações humanas, nascedouro e alimento da condição humana, ficam empobrecidas.

3. Possíveis caminhos para a mitigação da ansiedade patológica

Ainda que, por causa do pouco espaço que tenho aqui, essas manifestações atuais da ansiedade patológica tenham sido colocadas de maneira muito genérica e pouco aprofundada, a partir delas podemos pensar em alguns caminhos básicos, algumas atitudes que podem ser úteis para cada pessoa em busca de uma vida mais plena e para servirem de possível referência para o padre como agente facilitador da saúde emocional em seu contato com os fiéis. Mais uma vez, a proposta é maior do que o possível neste pequeno artigo, de modo que me permitirei destacar muito sucintamente três atitudes básicas que, se implementadas, facilitam a abertura da possibilidade da superação ou da mitigação da ansiedade patológica: a consciência da finitude como caminho para a busca da presentificação e da plenitude de vida; a autonomia, ou a consciência dos valores próprios na busca de horizonte e sentido; a busca da difícil congruência como forma de autoaceitação e de crescimento.

A presentificação, matriz do cuidado e da plenitude

Do ponto de vista psicológico, a melhor maneira que temos para lidar com a ansiedade da morte é a presentificação, quer dizer, a partir da inevitável consciência da finitude e da inevitabilidade da confrontação com o destino (não somos simples espectadores ante nosso destino, mas atuantes em nossas experiências), a atitude mais saudável para a pessoa humana é ampliar sua consciência e sua vivência do presente, pois é apenas no presente que podemos existir, nos cuidar (e cuidar de nossas comunidades e do ambiente) e fazer nossas coisas. Grande parte do sofrimento neurótico humano vem da dificuldade em aceitar os limites do “aqui-e-agora”, o potencialmente criativo ponto de encontro do passado, do presente e do futuro. É no presente que temos consciência dos limites e das possibilidades, dos nossos recursos já disponíveis e daqueles recursos que ainda precisamos desenvolver, bem como das possibilidades que temos para bem utilizar os recursos internos e os recursos ambientais disponíveis. Com isso não estou falando de imediatismo e de seu inevitável vazio, antes, pelo contrário. Ficar o mais possível no presente significa dar-se conta de que é no presente que temos nossas recordações, que lembramos de nosso passado e com ele aprendemos e o honramos, da mesma maneira que é no presente que estudamos nossas possibilidades futuras, que fazemos nossos projetos para o futuro ou que acalentamos nossos sonhos, de modo que é no presente que podemos ter ações ou atitudes que nos coloquem mais adequada e pacientemente em busca dessas possibilidades, desses projetos e desses sonhos. Essa presentificação nos situa no lugar da ação possível, o lugar da coragem, ao mesmo tempo em que nos coloca mais claramente diante de nossos limites a cada momento. Isso tende a ampliar a qualidade de nossas escolhas e do senso de responsabilidade delas decorrente.

A autonomia, matriz de horizonte e sentido

Outro ponto que denota a saúde emocional de uma pessoa é sua capacidade de autonomia, a maneira de lidar com os valores e o sentido atribuído ao vivido e à vida. Autônoma é a pessoa que governa a si própria, que confia em seus próprios valores, ao contrário da pessoa heterônoma, que é aquela que se governa com base no raciocínio e no código de valores de outrem. Para Rogers (1977, p. 21), a pessoa autônoma

orienta-se por sua própria experiência e esta nem sempre coincide com as normas sociais (…) Compreende que às vezes sente a cooperação como significativa e valiosa para si, e que, em outras vezes, quer estar só (…) É sua vivência que proporciona a informação de valor ou feedback. Isto não quer dizer que não esteja aberta a todas as provas que possa obter de outras fontes. Mas quer dizer que estas são aceitas como são – provas exteriores – e não são tão significativas quanto as suas reações (…) prefere as experiências que, a longo prazo, são enriquecedoras; utiliza toda a riqueza de sua aprendizagem e funcionamento cognitivos, mas, ao mesmo tempo, confia na sabedoria de seu organismo.

Do ponto de vista da saúde emocional, é imensa a importância do desenvolvimento dos próprios valores (vale dizer, da autonomia), pois nossos valores são o farol que ilumina nossos horizontes, ao mesmo tempo em que fundamentam nossa intencionalidade, o caminho pelo qual significamos o que nos sucede no correr da existência. O desenvolvimento dos próprios valores é tarefa a ser cumprida paulatinamente e concomitantemente com o desenvolvimento da personalidade, pois a autonomia é conquistada diariamente por toda a vida, é luta sem fim, que tem diferentes desafios e diferentes limites para as diferentes etapas do amadurecimento humano. Desse modo, a autonomia de um adolescente é necessariamente diferente da autonomia de um adulto, mas ambas representam um dos mais delicados desafios colocados ante o ser humano em sua existência.

Assim, o ponto essencial da autonomia é que a pessoa se torne apta a tomar decisões por si mesma, encontrando sentido no que vive e por ser vivo. Então, e só então, ela poderá tornar-se livre, entendendo aqui a liberdade como a define Rollo May (1987, passin), ou seja, a forma como a pessoa se confronta com seus limites, como dialoga com seu destino na vida cotidiana. May (1987, p. 128) lembra-nos, ainda, que a liberdade é inseparável da responsabilidade: “pois a liberdade ilimitada é como um rio sem margens; a água não é controlada e o fluxo se derrama em todas as direções, perdendo-se na areia”.

A congruência, matriz da construção crítica

Por fim, outro dos desafios que são colocados para o ser humano em busca da saúde emocional é a necessidade da congruência, a difícil afinação entre o experimentado, o conscientizado e o expresso. É a congruência que permite a sensação de que se é real, autêntico, coerente quanto aos sentimentos, aos atos e às palavras. A congruência abre para as pessoas a possibilidade de viverem relações de pessoa a pessoa, portanto, relações mais humanas. A pessoa saudável tem presentes os sentimentos que vivencia a cada momento, tem consciência desses sentimentos e é capaz de vivê-los, de se responsabilizar por eles, sendo também capaz de comunicá-los, se isso for adequado (cf. Carl Rogers, 1977, p. 61). Além disso, por causa de sua busca de congruência, não se julga, não busca a perfeição, aceita-se como é e busca ser cada vez mais o que é; sabe lidar criativamente com a culpa, compreendendo-a como indicação para reparações, mudanças e/ou aperfeiçoamentos. Isso amplia também a qualidade da inevitável participação comunitária, provocando, através da aceitação de si como ser intrinsecamente gregário, presença mais atenta e cuidadosa nos grupos de pertinência. A luta aqui é contra a apatia e os “deverias” e a favor do verdadeiro e da acolhida de si e do outro (com seus paradoxos), uma luta difícil em um mundo fortemente marcado pelas receitas, pela falta de uma postura crítica, pela uniformização, pelo “espírito de rebanho”, no mau sentido da expressão.

Finalizando

Para terminar, enfatizo a decisiva importância de que o ministro, no contato com os fiéis e consigo mesmo, se pergunte sobre quais valores norteiam realmente sua atividade a cada momento. Além disso, de nada adianta o ministro tomar as reflexões que desenvolvi aqui como caminhos somente para o outro. É preciso que ele comece por si, humano que também é. Especialmente, é importante perceber que os valores que nos guiam são valores, não verdades. Ainda que nos sustentem bem, são provisórios; ainda que pareçam imutáveis, são flexíveis. A vida bem vivida não tem lugar para certezas absolutas, só para a coragem, a coragem de ser.

 

Referências bibliográficas

HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. 1ª edição.

MAY, Rollo. Liberdade e Destino. Porto Alegre: Rocco, 1987.

ROGERS, Carl e STEVENS, Barry. De Pessoa para Pessoa: O problema de ser humano. São Paulo: Pioneira, 1977.

TILLICH, Paul. A Coragem de Ser. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.

Ênio Brito Pinto *

* Psicólogo graduado pela PUC-RJ e psicopedagogo pela Unip, além de mestre e doutor em Ciências da Religião pela PUC-SP. Autor do livro Os padres em psicoterapia, pela editora Ideias & Letras.