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Publicado em janeiro-fevereiro de 2011 - ano 52 - número 276

A realidade da saúde na América Latina e no Caribe

Por Equipe de Pastoral da Saúde – Celam/Departamento de Justiça e Solidariedade

Introdução

Este texto faz parte do documento Discípulos missionários no mundo da saúde: guia para a pastoral da saúde na América Latina e no Caribe, do Celam – Conselho Episcopal Latino-Americano e do Caribe, tendo sido elaborado pelo Departamento de Justiça e Solidariedade por meio da Equipe de Reflexão da Pastoral da Saúde (Bogotá, 2010). Esse documento foi aprovado pela diretoria do Celam no início de 2010, em 11 de fevereiro, data em que, no mundo católico, se celebra o dia mundial do enfermo. Vale ressaltar que o documento incorpora aspectos importantes do Documento de Aparecida e apresenta à Igreja linhas de ação no mundo da saúde no continente latino-americano e no Caribe. Apresentamos dois capítulos do documento, que discorrem sobre: 1) o que se entende por saúde; 2) dados importantes da situação da saúde em nosso continente latino-americano.

 

1. Um conceito dinâmico de saúde

A saúde é afirmação da vida e, como tal, se relaciona com a subjetividade, a espiritualidade, a convivência, a cultura do reconhecimento do diferente, da alegria e da festa. É também a convivência respeitosa com a natureza, a vivência da relação com a terra como mãe da vida e como casa e meio ambiente de todos os seres.

A saúde é um direito fundamental que os Estados devem garantir e ao qual toda pessoa deve ter acesso sem privilégios nem exclusões.

A saúde é um processo harmonioso de bem-estar (“bem-ser”) físico, psíquico, social e espiritual, e não apenas a ausência de doença, processo que capacita o ser humano a cumprir a missão que Deus lhe destinou, de acordo com a etapa e a condição de vida em que se encontre (cf. Aparecida 418).

A saúde é uma experiência “biográfica”: abrange as diferentes dimensões da pessoa humana e tem estreita relação com a vivência que a pessoa tem de sua própria corporeidade, de seu lugar no mundo e dos valores sobre os quais constrói sua existência. Em síntese, poderíamos dizer que saúde é harmonia entre corpo e espírito, harmonia entre pessoa e ambiente, harmonia entre personalidade e responsabilidade.

A saúde é uma condição essencial para o desenvolvimento pessoal e comunitário que apresenta várias exigências, entre as quais indicamos:

articular a saúde com a alimentação, a educação, o trabalho, a remuneração, a promoção da mulher, da criança, da ecologia, do meio ambiente etc.;

assumir as ações de promoção e de defesa da vida e da saúde, não apenas em função das necessidades imediatas das pessoas, das coletividades e das relações interpessoais, mas também em função da construção de políticas públicas e de projetos de desenvolvimento nacional, local e paroquial, num quadro de igualdade, de solidariedade, justiça, democracia, qualidade de vida e participação cidadã.

Essa concepção dinâmica e socioecológica da saúde permite entender não só as causas físicas, mentais e espirituais da doença como também as causas sociais e, dessa perspectiva, oferecer elementos para um diálogo e para um acordo entre a sociedade e a Igreja a fim de melhorar a situação de saúde dos países da América Latina e do Caribe. Além disso, permite que a pastoral da saúde tenha um quadro referencial para o desenvolvimento de suas ações e de seus planos de trabalho.

 

2. A realidade da saúde na América Latina e no Caribe

A Igreja exprimiu sua preocupação e sua angústia diante do “crescente empobrecimento a que estão submetidos milhões de irmãos nossos, alcançando mesmo extremos intoleráveis de miséria, o mais devastador e humilhante flagelo vivido pela América Latina e pelo Caribe” (Santo Domingo 179).

 

2.1. Aspecto econômico

Em 2007, a população aproximada da América Latina e do Caribe somava um total de 565 milhões de habitantes, entre os quais quase 209 milhões continuam vivendo abaixo da linha de pobreza e, mais do que isso, milhões sofrendo de pobreza extrema. A separação entre pobres e ricos se torna cada vez maior. Essa situação tem causas estruturais, mas se viu incrementada em função das políticas de ajuste neoliberal, aplicadas em quase todos os nossos países, a fim de propiciar a inserção internacional da América Latina e do Caribe num mundo cada vez mais globalizado e interdependente, em que as grandes potências decidem os destinos do planeta.

Essas políticas de ajuste estrutural tiveram sua principal justificação nos desequilíbrios macroeconômicos de ordem fiscal e externa acentuados nas décadas de 80 e 90. “Os anos 80 se caracterizaram pelo flagelo da inflação, aumentado pelo déficit fiscal, pelo peso da dívida externa e pela desordem monetária, pela destruição das economias estatais em função da perda de recursos fiscais, pela inflação e pela corrupção, pela queda dos investimentos tanto nacionais como estrangeiros…, afetando de modo muito desfavorável a economia de nossos países. Essa situação persiste e tende a agravar-se” (Santo Domingo 198).

Hoje, cerca de 200 milhões de pessoas carecem de acesso regular e oportuno aos serviços de saúde devido a localização geográfica, barreiras econômicas ou ausência de centros assistenciais próximos; 53 milhões não têm sistema de água potável; 127 milhões carecem de sistemas de saneamento básico; 100 milhões não têm acesso a sistemas de coleta de lixo. Milhões de pessoas que sofrem os estragos dessa crise e dos ajustes econômicos não têm o amparo da atenção do Estado; por outro lado, a solidariedade da sociedade é ainda insuficiente para enfrentar a magnitude desses problemas socioeconômicos.

Nestes anos de ajuste do modelo neoliberal, descuidou-se enormemente do gasto social, em particular nas áreas da educação, da saúde e da segurança social, na medida em que se deu preferência ao pagamento da dívida externa. Isso levou as populações da América Latina e do Caribe a uma situação de maior pobreza e desalento, com uma repercussão negativa no desenvolvimento das comunidades.

Um desafio que ora se apresenta a nós é o de orientar o desenvolvimento econômico numa perspectiva que incorpore a preocupação pela pessoa humana e pelo meio ambiente, bem como o aprofundamento da democracia não só como método de governo, mas também como forma substancial de vida (cf. Santo Domingo 194-197).

 

2.2. Aspecto demográfico

Está ocorrendo uma inversão da pirâmide demográfica, como consequência da redução da taxa de natalidade e da mortalidade infantil e do aumento da expectativa de vida, com o envelhecimento da população. Estamos constatando grandes movimentos migratórios entre os países e deslocamentos internos forçados da população, em razão da violência e da busca de melhores condições de vida, que geraram um urbanismo traumático com graves consequências para a saúde da população.

É necessário ponderar e denunciar o conceito de explosão demográfica formulado pelo Primeiro Mundo como causa única da pobreza, não considerando esta última um fruto da injustiça, da corrupção e da má distribuição de recursos. É um fato que os indicadores de fertilidade e natalidade baixaram na América Latina e no Caribe, mas os indicadores de qualidade de vida não melhoraram; ao contrário, observa-se um aumento da pobreza, geradora de cada vez mais doenças e de morte.

 

2.3. Aspecto social

A Igreja menciona, nos documentos de Puebla, Santo Domingo e Aparecida, os rostos sofredores de Cristo na América Latina e no Caribe. Lê-se em Aparecida:

Entre eles estão as comunidades indígenas e afro-americanas que, em muitas ocasiões, não são tratadas com dignidade e igualdade de condições; muitas mulheres, que são excluídas em razão de seu gênero, raça ou situação socioeconômica; jovens que recebem uma educação de baixa qualidade e não têm oportunidades de progredir em seus estudos nem de entrar no mercado de trabalho para desenvolver-se e constituir uma família; muitos pobres, desempregados, migrantes, deslocados, camponeses sem terra, que procuram sobreviver na economia informal; meninos e meninas submetidos à prostituição, ligada muitas vezes ao turismo sexual; e as próprias meninas submetidas ao aborto. Milhões de pessoas e famílias vivem na miséria, chegando até a passar fome. Preocupam-nos também aqueles que dependem das drogas, as pessoas com capacidades diferentes e as vítimas de doenças graves preveníveis e com tratamentos insuficientes, como a malária, a doença de Chagas, a leishmaniose, a tuberculose, assim como os portadores do HIV/Aids, que além disso sofrem de solidão e se veem excluídos da convivência familiar e social. Não nos esquecemos tampouco dos sequestrados e dos que são vítimas da violência, do terrorismo, de conflitos armados e da insegurança cidadã. Também os anciãos, que, além de se sentir excluídos do sistema produtivo, se veem muitas vezes rejeitados por sua família como pessoas incômodas e inúteis. Lamentamos, por fim, a situação desumana em que vive a grande maioria dos presos, que também precisam de nossa presença solidária e de nossa ajuda fraterna. Uma globalização sem solidariedade afeta negativamente os setores mais pobres (Aparecida 65).

São motivo de preocupação a falta de uma atenção integral e a situação de abandono em que vivem os anciãos, os doentes mentais, os doentes em fase terminal e as pessoas com capacidades diferentes. Aparecida faz um chamado especial com respeito a cinco situações: pessoas que vivem na rua, migrantes, enfermos, adictos dependentes de drogas, pessoas encarceradas. Outras realidades, como o excessivo custo e a falta de controle nos preços e na qualidade dos medicamentos, o tráfico de órgãos, a esterilização das fontes da vida, o elevadíssimo número de abortos, a proliferação de projetos e de leis que descriminalizam sua prática, o tráfico de pessoas, em especial de crianças e de mulheres…, exigem uma resposta (cf. Aparecida 407-430).

Do mesmo modo, preocupam-nos os avanços da tecnologia médico-científica, dos quais se beneficia apenas um setor privilegiado da população e que em muitas ocasiões intervêm na vida humana sem nenhum valor ético ou bioético.

Por outro lado, os países da América Latina e do Caribe tiveram de enfrentar de forma simultânea os problemas de saúde que têm sua origem na pobreza, no subdesenvolvimento e nas doenças características dos países desenvolvidos, como as doenças crônicas (diabetes, hipertensão, tabagismo, câncer) e as doenças degenerativas (Alzheimer e Parkinson), bem como as geradas por causas externas (violência familiar e urbana, acidentes de trânsito e trabalhistas…).

A decomposição social e a situação de violência e de insegurança incrementaram de forma alarmante os homicídios, os suicídios e as mortes violentas, em particular em alguns países. A isso se somam os problemas de saúde mental, como a depressão e a ansiedade, que são favorecidas pela deterioração do meio ambiente, pelas condições de vida e pelo incremento da violência, entre outros.

É importante indicar novos enfoques dos fatores que causam enfermidade e morte. Sabemos que, no tocante à longevidade, os hábitos de vida têm uma incidência de 53%; o meio ambiente e sua influência sobre as pessoas, 20%; a genética, 17%; e o sistema de saúde, que foi a principal preocupação, apenas 10%.

Segundo os dados da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), ocorrem na região das Américas aproximadamente 700 mil mortes anuais por causas evitáveis com os conhecimentos e recursos existentes. Entre elas, as infecções diarreicas são responsáveis por uma alta proporção nas crianças.

Avalia-se que 40 milhões de latino-americanos vivam em regiões de risco moderado e alto de transmissão da malária e que mais de um milhão de pessoas, em sua maioria crianças menores de 5 anos, morram a cada ano infectadas pela malária. Nos últimos anos, aumentaram os casos de dengue, 430 mil em 2005, o que reflete um descuido grave por parte da população e das autoridades de saúde.

Da mesma maneira, a tuberculose afeta mais de 350 mil pessoas, matando todos os anos 50 mil. Essa situação se vê agravada pela coinfecção da tuberculose e do HIV/Aids e pela resistência da tuberculose a tratamentos conjugados, o que dificulta as tentativas de controlar a doença em toda a região. As chamadas doenças tropicais estão diretamente vinculadas com a pobreza, a desnutrição, a falta de educação e o desemprego.

Em quase todos os países da América Latina e do Caribe, observa-se um processo de transição epidemiológica em que as doenças crônico-degenerativas substituem as doenças de transmissão infectocontagiosa como principais causas de morbimortalidade, exceto no Haiti, em que as doenças transmissíveis continuam sendo a principal causa de mortalidade, com uma taxa total estimada de 351,2 mortes por cem mil habitantes, seguidas por doenças do aparelho circulatório, com uma taxa de mortalidade de 227,9 por cem mil habitantes.

Tanto as doenças do aparelho circulatório quanto o câncer, as doenças respiratórias crônicas e os diabetes se transformam nas principais causas de morte, ao lado das causas externas como os acidentes, os homicídios e outras formas de violência.

O vibrião da cólera disseminou-se nestes últimos decênios, pondo em evidência o atraso e a inadequação da infraestrutura da saúde e dos serviços de água potável e de saneamento básico que atingem a população, sobretudo a mais pobre. Os casos de malária ultrapassam um milhão por ano; a tuberculose pulmonar e a leishmaniose, assim como a dengue e as doenças sexualmente transmissíveis, continuam a fazer vítimas.

Realizaram-se com êxito campanhas para erradicar a poliomielite, o tétano, a difteria e a coqueluche nos menores de 5 anos; no entanto, ainda persistem focos de epidemias de sarampo e de tétano neonatal. Lamentavelmente, constata-se uma diminuição grave na cobertura de vacinação na população infantil, com os decorrentes focos de doenças contagiosas preveníveis.

A desnutrição é um problema de saúde que afeta ao menos 10% da população da região: 52 milhões de pessoas em 2003 (não há notificações oficiais mais recentes) e cerca de 7 milhões de menores de 5 anos. Em alguns países, a situação é ainda mais delicada, levando em conta que as taxas de desnutrição chegam a alcançar os 28%. Embora a mortalidade infantil global tenha diminuído, a taxa de morbimortalidade perinatal ainda é motivo de preocupação.

 

2.4. HIV/Aids, um grande desafio para a saúde pública

Uma análise da morbidade nas Américas em 2006 indica que as principais causas de morte que têm maior efeito sobre os anos de vida perdidos nos homens são o diabetes, o HIV/Aids e os homicídios. Segundo estimativas da OMS e do Onusida, no final de 2005 havia aproximadamente 3,2 milhões de pessoas com HIV/Aids nas Américas, das quais 1,9 milhão estava na América Latina e no Caribe. Só em 2005 foram diagnosticados 220 mil novos casos, entre os quais 30.690 menores de 15 anos de idade. Avalia-se que esses números estejam muito abaixo da realidade, pois se observam um baixo registro e uma demora no processo de notificação da doença. Em 2005, 30% de adultos com HIV/Aids nas Américas eram mulheres, 25% na América do Norte, 31% na América Latina e 51% no Caribe.

Os casos notificados estão aumentando, em especial entre as mulheres. Avalia-se que 104 mil pessoas morram anualmente por infecções do HIV/Aids nas Américas, o que significa que morrem por dia 211 pessoas na América Latina. Lê-se em Aparecida:

Consideramos grande prioridade fomentar uma pastoral com pessoas que vivem com o HIV/Aids, em seu amplo contexto e em suas significações pastorais – uma pastoral que promova o acompanhamento compreensivo, misericordioso, bem como a defesa dos direitos das pessoas infectadas; que implemente a informação, que promova a educação e a prevenção, com critérios éticos, principalmente entre as novas gerações, a fim de despertar a consciência de todos no sentido de conter essa pandemia. Por outro lado, pedimos que os governos favoreçam o acesso gratuito e universal aos medicamentos para a Aids, bem como as doses oportunas (Aparecida 421).

 

2.5. Aspecto ecológico

As ameaças ao meio ambiente são hoje numerosas: o desmatamento, a contaminação da água e do ar, a erosão do solo, a desertificação, as chuvas ácidas, os danos à camada de ozônio e o aquecimento global.[1] “A paz mundial está ameaçada não só pela corrida armamentista, pelos conflitos regionais e pelas injustiças existentes em povos e nações, mas também pela falta de respeito à natureza, pela exploração desordenada de seus recursos e pela progressiva deterioração da qualidade de vida” (Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1990).

Os desastres naturais continuam afetando vários países da América Latina e do Caribe, sendo denominador comum a ausência de uma cultura da prevenção dos impactos e da ação sistematizada para a atenção às populações afetadas por eles. “A natureza foi e continua sendo agredida. A terra foi depredada. As águas estão sendo tratadas como se fossem uma mercadoria negociável, além de ter sido transformadas num bem disputado pelas grandes potências. Um exemplo muito importante dessa situação é a Amazônia” (Aparecida 84, 470-475).

A humanidade tem consciência, cada vez mais, de que não pode continuar abusando dos bens da terra como no passado; é necessário criar um sistema de gestão dos recursos mais bem coordenado em escala internacional que adote iniciativas éticas e eficazes a curto e a longo prazo. “A melhor forma de respeitar a natureza é promover uma ecologia humana aberta à transcendência” (Aparecida 126). “É preciso tomar consciência dos efeitos devastadores de uma industrialização descontrolada e de uma urbanização que vai assumindo proporções alarmantes. O esgotamento dos recursos naturais e a contaminação do ambiente constituirão um problema dramático. 77% da população (473 milhões) vive na cidade e a tendência atual é progressiva” (Puebla 496).

O compromisso do fiel com o meio ambiente nasce diretamente de sua fé em Deus Criador. A terra não é uma reserva que deva ser explorada de maneira ilimitada; a pessoa pode servir-se dela, mas lhe deve respeito, cuidado e admiração, uma vez que é colaboradora e artífice, não dona absoluta de si mesma nem das coisas. “Por esse motivo, é indispensável que a humanidade renove e reforce essa aliança entre ser humano e meio ambiente, que deve ser reflexo do amor criador de Deus, do qual procedemos e para o qual caminhamos” (Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 2010).

 

2.6. Os serviços de saúde

Constatamos a deterioração, a ineficiência e a desigualdade na prestação dos serviços de saúde em todos os níveis como consequência de limitações na atribuição de recursos econômicos, humanos e materiais ou do manejo inadequado desses recursos. A própria falta de continuidade na implementação de estratégias de médio prazo para conseguir objetivos produz resultados impróprios.

Constata-se ainda uma deterioração na mística, na vocação e na ética dos trabalhadores da saúde, ocasionada pela deficiência na formação integral, pelas más condições de trabalho e pela sobrecarga trabalhista – situação presente também em algumas instituições católicas.

A esses problemas se somam algumas políticas de saúde que priorizam a rentabilidade e o lucro em detrimento dos serviços assistenciais, do acesso a eles, assim como das condições laborais dos trabalhadores. Preocupa-nos a tendência do Estado de privatizar os serviços, entrando num desacordo ainda maior com os mais pobres.

Nestes últimos anos, Ministérios da Saúde, a Opas e as organizações não governamentais (ONGs) reconheceram a importância de trabalhar na promoção da saúde e na educação para a saúde, que entendemos como o processo pelo qual se facilitam às pessoas e aos povos os meios para que possam conhecer e prevenir as doenças e cuidar de sua própria saúde.

Existe uma tendência a reduzir os problemas de saúde mais complicados ao comportamento pessoal, em particular no que se refere aos hábitos que implicam riscos, como o beber, o fumar, a alimentação inadequada e o sedentarismo, além das novas adições ao jogo, a utilização abusiva de meios eletrônicos e da internet etc. Isso conta muito, mas são necessários programas e estratégias mais amplos e profundos:

– Destacamos a importância de uma educação básica no que se refere aos hábitos de higiene, de saneamento ambiental, de nutrição adequada, de exercício e de um emprego correto do tempo livre.

Também é importante dotar a população urbana e rural dos serviços básicos de saúde – como a água potável, de qualidade adequada e em quantidade suficiente, acompanhada pelos serviços sanitários: banheiros, coleta de lixo, sistema de esgoto etc.

– Igualmente importante é oferecer aos grupos mais pobres todas as informações sobre a saúde e a educação, incluindo seus direitos, para que se beneficiem dos conhecimentos básicos.

Essas e outras modalidades de apoio econômico em nível comunitário permitirão um desenvolvimento humano digno e sustentável, justo e equitativo.

 

3. Sinais de esperança

A reflexão e o enfoque integral que vêm sendo dados à saúde como qualidade de vida, bem-estar integral e direito fundamental de toda pessoa evidenciam as condições essenciais para o desenvolvimento pessoal e comunitário:

– O surgimento de numerosas organizações populares que trabalham no cuidado, na defesa e na promoção da vida em áreas rurais e urbanas, com programas de educação e capacitação nutricional e alimentícia; a organização de centros de saúde, caixas de primeiros socorros populares e farmácias.

– A presença cada vez mais significativa de mulheres que assumem compromissos em favor das comunidades: comitês de saúde, promotoras de saúde, acompanhamento aos doentes e anciãos e a criação e reforço de redes de solidariedade.

– A medicina popular e alternativa que vai sendo desenvolvida com todo o seu valor e que leva em conta o contexto global da saúde e da doença. Os conhecimentos e o uso da sabedoria popular que permitem fortalecer a identidade cultural dos povos com responsabilidades e formação adequada no que se refere à cultura e à sabedoria indígenas (cf. Aparecida 83).

– No âmbito da Igreja, há um despertar de iniciativas e trabalhos organizados para promover a humanização dos serviços de saúde, das estruturas e das instituições hospitalares e educativas, fomentando a formação, a capacitação e a atualização dos profissionais da saúde em nível humano, ético e bioético.

– Também nos deixa plenos de esperança o surgimento de grupos de pastoral da saúde, de associações de enfermos, de organizações populares de saúde comunitária que formulam propostas no âmbito das políticas públicas de saúde como condição indispensável para melhorar as condições de vida dos cidadãos.

– A presença evangelizadora da Igreja por meio de numerosos leigos comprometidos, profissionais de saúde, sacerdotes, religiosos/as, que promovem, animam e apoiam essas iniciativas (cf. Aparecida 419).

– Numerosas Conferências Episcopais valorizam a pastoral da saúde e estão comprometidas em organizá-la e estruturá-la no âmbito de uma pastoral orgânica.

 



[1] Segundo a OMS, em 2004, das 102 principais doenças, 85 eram em parte causadas pela exposição a riscos ambientais, já que os fatores ambientais contribuíram com cerca de 25% dos anos de vida perdidos em função da incapacidade e 25% das mortes estavam relacionadas com isso.

Equipe de Pastoral da Saúde – Celam/Departamento de Justiça e Solidariedade