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Publicado em maio-junho de 2016 - ano 57 - número 309

Paróquia e iniciação cristã catecumenal: A interdependência entre renovação paroquial e mistagogia catecumenal

Por João Fernandes Reinert

Tudo indica que o presente e o futuro do catecumenato dependem de um novo rosto estrutural paroquial. Um novo perfil paroquial é condição necessária para que o projeto de iniciação catecumenal seja levado a cabo.

Neste artigo, pretendemos dialogar e refletir sobre duas instituições fundamentais da Igreja: a paróquia e a iniciação cristã catecumenal. Ambas representam os maiores desafios pastorais da atualidade: a transmissão da fé às novas e futuras gerações e as estruturas eclesiais nas quais esta fé é transmitida e vivenciada.

A Igreja vem se empenhando nos últimos anos para responder a tais desafios. Redescobriu na mistagogia catecumenal o privilegiado caminho pastoral para iniciar na fé, e, no tocante à renovação das estruturas eclesiais, ganhou destaque a preocupação com a paróquia. Renovação paroquial e consolidação da iniciação cristã catecumenal são realidades que não podem ou não deveriam ser vistas como questões isoladas uma da outra. Repensar os caminhos da iniciação cristã obriga-nos a rever simultaneamente as estruturas eclesiais nas quais essa fé é vivida. Consolidação/implantação da prática catecumenal e novo rosto de paróquia não podem ser buscas e esforços paralelos, mas tarefas complementares de um único projeto evangelizador, pois eles dependem um do outro e se iluminam mutuamente. Há entre as duas instituições uma cumplicidade pastoral, uma responsabilidade mútua, uma interferência recíproca, em que a vitalidade de uma depende do fortalecimento da outra.

  1.  A redescoberta de um caminho privilegiado de iniciação à vida cristã e a busca de um novo rosto paroquial

Não constitui novidade a afirmação da crise da transmissão da fé em nossos dias. Estamos longe do tempo em que a fé era transmitida de geração em geração de forma natural, por meio dos pilares socioculturais. Diante dessa realidade, a Igreja tem se empenhado na busca de um novo paradigma de iniciação cristã. E é no catecumenato que melhor se pode visualizar o novo paradigma de iniciação cristã em andamento. Nascido nos primeiros séculos do cristianismo, o catecumenato foi uma das mais bem-sucedidas instituições de iniciação à vida cristã na história da Igreja e, hoje, resgatada pelo Concílio Vaticano II, é a grande aposta para responder, com as devidas adaptações, aos atuais desafios da iniciação à vida cristã. No diálogo com a modernidade, a Igreja dá-se conta do fim da cristandade, o que a faz repensar, entre muitas questões, os caminhos da transmissão da fé.

Por outro lado, se a iniciação cristã catecumenal é uma proposta pastoral mais do que atual, não podemos negar que, após quatro décadas de sua restauração, ela é, em não poucas realidades eclesiais, desconhecida ou não assumida. Como entender tal fenômeno, se sua pertinência é inquestionável? São muitas as causas desse impasse: agentes de pastoral, padres ou bispos que desconhecem a metodologia catecumenal; execução parcial de sua metodologia; catequese de adultos confundida com catecumenato; estruturas eclesiais que nem sempre facilitam a execução da iniciação cristã catecumenal. Nessa perspectiva, entre as exigências que a restauração do catecumenato traz consigo, está a necessidade de estruturas eclesiais adultas, sem o que qualquer esforço de implantação do novo paradigma de iniciação na fé cai por terra. Referimo-nos, particularmente, à instituição paroquial, cuja estrutura tradicional dificulta pôr em movimento a novidade pastoral da iniciação catecumenal. Não é de hoje a afirmação da crise paroquial, como também não são recentes as tentativas de renovação.

É possível um cristianismo sem paróquia? Qual o futuro desta instituição, ou qual a paróquia do futuro? Ainda há espaço para paróquias? Para além das opiniões a favor ou contra, o que não é justo é a acusação da falta de esforços e tentativas de renovação da instituição paroquial ao longo da história, particularmente nas últimas décadas, ainda que as dificuldades de uma efetiva renovação sejam proporcionais ou superiores aos resultados alcançados. Apesar da aguda crise paroquial, tal instituição não pode, sem mais, ser descartada. Não se pode, sem mais, descartar uma instituição de dois milênios. A paróquia ocupa, pois, apesar da crise, um lugar real e significativo na vida da Igreja. É nela que melhor transparece a dimensão católico-universal da Igreja, cujas portas não se fecham a nenhuma classe social, econômica, política ou racial.

  1. Renovação paroquial e consolidação da prática catecumenal: uma relação dialética

O esgotamento do modelo tradicional (tridentino) de paróquia coincide com o fim de um modelo de iniciação cristã doutrinal e conceitual, ainda que, em muitos ambientes, se insista em mantê-lo. Nesse particular, curioso ou evidente é o fato de o nascimento paroquial, no século IV, ser simultâneo à decadência catecumenal da Igreja primitiva. Dito de maneira diferente: o fim do catecumenato e o início do “catecumenato social” (cristandade) são contemporâneos ao surgimento da instituição paroquial, quando se deu também a expansão massiva do cristianismo com a liberdade religiosa e a oficialização do cristianismo. A iniciação cristã e o próprio cristianismo tornaram-se, então, uma realidade social, e a comunidade de fé já não era o fator decisivo para a iniciação cristã. Isso nos autoriza a questionar se tal modelo de paróquia é adequado para a transmissão-iniciação na fé e para sua vivência.

Tudo indica que o presente e o futuro do catecumenato dependem de um novo rosto estrutural paroquial. Um novo perfil paroquial é condição necessária para que o projeto de iniciação catecumenal seja levado a cabo. Onde estão, contudo, tais comunidades dinâmicas e renovadas? Não se pode cair no círculo vicioso. A inexistência de comunidades ideais não pode paralisar o esforço do projeto catecumenal, nem o contrário: ou seja, “porque não há comunidades, não há catecumenato, e porque não há catecumenato, não chegamos a comunidades” (BOROBIO, 2007, p. 549). Chegamos, assim, à fundamentação da dinâmica dialética entre catecumenato e paróquia. A “solução” não está nem em procurar comunidades paroquiais ideais para a implantação catecumenal nem em implantar a iniciação catecumenal para daí esperar a conversão pastoral-estrutural da paróquia, mas em perceber a dialética do processo ao buscar, conjuntamente, novos perfis de iniciação cristã e renovada estrutura paroquial.

Trata-se de um círculo dialético em que o fortalecimento de um incide no outro e este, ao mesmo tempo, requer a vitalidade do primeiro. A iniciação à vida cristã catecumenal será efetiva à medida que houver uma reconfiguração eclesial adequada; do mesmo modo, uma iniciação catecumenal de qualidade, na riqueza de seus elementos pedagógicos, litúrgicos e pastorais, lançará luzes para repensar o institucional paroquial. O catecumenato implantado será promotor de mudanças estruturais na paróquia, assim como o catecumenato não é algo já dado ou consolidado, mas um projeto a ser conquistado.

Feitas estas observações, cabe sondar como se dá concretamente a relação entre consolidação da prática catecumenal e renovação paroquial. É o que faremos agora, com base nos quatro tempos do itinerário da iniciação cristã catecumenal, a saber: pré-catecumenato, catecumenato, eleição/purificação e mistagogia.

  1. Interpelações mútuas entre pré-catecumenato e a missionariedade paroquial: do primeiro anúncio a uma estrutura paroquial missionária

O pré-catecumenato é o primeiro grau do itinerário da iniciação à vida cristã catecumenal, que em nenhuma hipótese deve ser omitido (RICA 9). Entre os objetivos centrais desta etapa, está o despertar da fé e do desejo de aderir e seguir a Cristo e à Igreja. “É o tempo da evangelização em que, com firmeza e confiança, se anuncia o Deus vivo e Jesus Cristo” (RICA 9). Por ser o tempo da primeira evangelização (RICA 7), o objetivo maior é ajudar o iniciante em seu primeiro sim, no intuito de fazer a passagem dos germes da fé ao desejo de seguir mais intensamente o Deus de Jesus Cristo.

Pré-catecumenato e anúncio querigmático estão intrinsecamente interligados. A primeira etapa da iniciação é, por excelência, o tempo do primeiro anúncio e da “primeira evangelização”, quando “se anuncia aberta e resolutamente o Deus vivo e Jesus Cristo” (RICA 9). Proposta, portanto, mais do que atual, quando já não se pode dar por pressuposto o primeiro anúncio, anteriormente garantido pelo contexto cultural. O diferencial da metodologia catecumenal está em não desconsiderar a necessidade do primeiro anúncio (Querigma), o que era prescindível em tempos de cristandade. Aos já batizados, a primeira evangelização e o anúncio querigmático assumem as características de reaproximação, reencantamento, redescoberta de Jesus Cristo e da comunidade eclesial.

O pré-catecumenato remete à dimensão missionária da paróquia, em cujo diálogo, ambos, missionariedade paroquial e pré-catecumenato, se iluminarão reciprocamente. Como dar à paróquia um rosto mais missionário e menos institucional? E, ao mesmo tempo, como fazer da iniciação cristã catecumenal uma prática missionária real, que, mais do que conferir sacramentos, gere discípulos missionários?

3.1 O pré-catecumenato e a otimização do primeiro anúncio na paróquia

Dos quatro tempos do catecumenato é, sem dúvida, o primeiro o que mais interpela a paróquia, na atual mudança cultural. O primeiro anúncio não é função tão somente do pré-catecumenato. Se a linguagem metafórica ajuda a intuir melhor a inter-relação entre pré-catecumenato e missionariedade paroquial, então, pode-se afirmar que o catecumenato, em sua etapa pré-catecumenal, é como um trem que puxa consigo muitos vagões, num movimento articulado e orgânico que caminha na mesma direção pastoral. Tão problemático quanto a não existência do catecumenato na atualidade é, nos lugares em que ele existe, considerar a transmissão da fé tão somente sob sua responsabilidade.

A pergunta fundamental, no processo de renovação paroquial à luz da pedagogia catecumenal, é sobre as chances e sobre a potencialidade que a paróquia dispõe para anunciar e reanunciar o mistério de Jesus Cristo. Otimizar as iniciativas já existentes de primeiro anúncio, de potencialidades missionárias e querigmáticas, é o ponto de partida de uma renovada caminhada paroquial à luz do processo catecumenal. A palavra-chave, assim, parece ser um “novo contato” por meio do qual podem nascer verdadeiros processos de iniciação cristã. A quais momentos e oportunidades nos referimos? Primeiramente àqueles querigmáticos já existentes, ainda que esporádicos; via de regra, momentos-chave na vida de alguém, seja nos pedidos de sacramentos, na celebração do batismo, da confissão, de bodas, exéquias e outros. De modo mais exato, os vários momentos, incluindo aqueles de “prestação de serviço” de que a paróquia dispõe, podem tornar-se momentos fortes de um anúncio e encontro mais contundente da proposta do Evangelho. Tentativas de aproximação das pessoas com frequência paroquial periódica não podem ser negligenciadas. Para muitos, a missa dominical ou a celebração da Palavra são a única oportunidade de que a paróquia dispõe para o novo anúncio ou para renovada reiniciação cristã e alimento na fé. Disso resulta que a liturgia, símbolos, homilia se apresentam na atualidade como potencialidades querigmáticas.

3.2 A (re)descoberta de novos espaços de anúncio

Potencializar os caminhos já existentes para o primeiro e o segundo anúncios é necessário, mas não o suficiente, pois é fundamental investir no anúncio em novos areópagos, criar novos meios de anúncio que despertem e promovam o encantamento/reencantamento com a pessoa de Jesus Cristo. Otimizar as oportunidades já existentes diz respeito ao nível mais intraparoquial, cuja urgência é clara, haja vista o número de pessoas que “frequentam” a paróquia por ocasiões pontuais ou os vários “níveis” de pertença eclesial de que a paróquia é composta. Mas, com a mesma motivação querigmática, a paróquia é convocada a buscar caminhos para um movimento centrífugo, um anúncio extraparoquial, o que exigirá a descoberta e a criação de espaços alternativos, móveis e flexíveis, de presença da Igreja. Se, com razão, se fala de “rede de comunidades”, não deve ser estranho o termo “redes de anúncio do Evangelho”, isto é, o esforço ininterrupto para fazer-se presente em instâncias diversas da sociedade. Torna-se imperiosa uma presença pública nas artérias da sociedade, no mundo da saúde, da educação, da solidariedade social, das comunicações midiáticas, das famílias, dos jovens etc. Se, em tempos de divórcio entre fé e cultura, “cristãos não nascem, mas se tornam”, também é verdade que eles não se tornam automaticamente, mas à medida que a Igreja souber, com criatividade e zelo pastoral, aproximar-se dos mais diversos ambientes onde vivem os filhos e filhas de Deus. A lamentável realidade da “crise da chegada” ou do “sacramento do adeus” denuncia o vasto campo de atuação em que a pastoral paroquial é chamada a atuar, sem desconsiderar a dificuldade de chegar novamente a essas pessoas. Consequentemente, projetos pastorais que não se concentrem tão somente em torno dos ritos sacramentais, mas também ao redor da vida cotidiana, dos problemas reais e dos vários ambientes, são decisivos para o futuro da instituição paroquial.

Interagir com esses ambientes, reinventar a presença nesses lugares, é catecumenato em potencial ou, mais especificamente, pré-catecumenato em potencialidade. Esperar que se apresentem candidatos à iniciação cristã contradiz o espírito do pré-catecumenato, que tem como princípio gerar filhos na fé, o que, por sua vez, depende de uma estrutura eclesial querigmática, missionária.

3.3 O acompanhamento pessoal do pré-catecumenato e a acolhida paroquial

No pré-catecumenato constata-se uma mudança de compreensão da acolhida. A dinâmica da acolhida permanente dá a tônica a toda esta primeira etapa, com destaque para os encontros informais, que são laboratório de partilha, escuta, discernimento, testemunho, hospitalidade. Primordialmente, quer ser tempo de abertura, de conhecimento mútuo, de escuta das predisposições e motivações mais profundas da pessoa, de suas experiências religiosas, da pergunta pelo sentido da vida.

A acolhida catecumenal pode ser bem assimilada no acompanhamento personalizado. São vários os momentos em que transparece a atenção direcionada a cada indivíduo, com base em sua particularidade. Na etapa do pré-catecumenato, é o introdutor, por meio de seu ministério, que vem ao encontro dessa necessidade. “O candidato que solicita sua admissão entre os catecúmenos deve ser acompanhado por um introdutor, homem ou mulher, que o conhece, ajuda e é testemunha de seus costumes, fé e desejo” (RICA 42). São os introdutores que acompanham os candidatos, que os apresentam à comunidade e deles dão testemunho (cf. RICA 43; 104).

A atenção personalizada ou a acolhida personalizada está igualmente contemplada na processualidade da iniciação, isto é: os tempos do catecumenato levam em consideração a liberdade, o ritmo e o tempo de cada pessoa. Para além da possível distância entre teoria e efetiva prática pré-catecumenal, por motivos já mencionados, não se pode subestimar a pertinência da proposta acolhedora, que, de modo imediato, nos faz questionar a burocracia e o peso da estrutura paroquial, com pesadas cargas de horários, expedientes, agendas. A pedagogia pré-catecumenal pode lançar luzes na busca de novas estruturas paroquiais de acolhida e de ações mais personalizadas. Diante de uma cultura que gera o anonimato e a solidão, o material pastoral de que dispõe o pré-catecumenato são a acolhida generosa, o estar junto, a escuta gratuita; é a partir desse material que são fornecidos os primeiros fundamentos da fé cristã. O simpatizante deve ser acolhido pelo introdutor a qualquer momento durante o ano, o que revela uma estrutura de acolhida contínua e permanente.

É lamentável o fato de o ministério do introdutor ser ainda pouco conhecido e valorizado, talvez, por ser reflexo de uma herança eclesial que apresenta dificuldades no trabalho personalizado, no corpo a corpo, e cuja estrutura de massa acostumou a trabalhar com multidões. Em certos lugares, o pré-catecumenato não é realizado; atropela-se essa fase e inicia-se já a etapa catecumenal; em outros lugares, é o próprio catequista que faz as vezes de introdutor. Propomos não somente investimento neste ministério de iniciação à vida cristã, mas também pensá-lo, com as devidas adaptações, para além do catecumenato, em vista de ações pastorais personalizadas e progressivas. A título de exemplo, podemos entrever o quanto a pastoral da acolhida pode ser incrementada com base na dinâmica pré-catecumenal ou o quanto as funções atribuídas ao introdutor podem beneficiar e inspirar o acompanhamento pastoral (por exemplo, noivos, pais e padrinhos, primeiros anos de matrimônio, da chegada do filho, famílias que chegam ou partem, novos moradores). Nessa perspectiva, acolhida já é, em si mesma, primeiro anúncio, e em todas estas ações estão os germes do pré-catecumenato.

  1. O segundo momento do processo catecumenal e o “catecumenato permanente”: a formação permanente a serviço da renovação paroquial

Na continuidade do diálogo entre iniciação cristã catecumenal e instituição paroquial, entraremos, a seguir, no jogo dialético entre a segunda etapa do itinerário catecumenal, denominada catecumenato, e a formação permanente, por nós intitulada “catecumenato permanente”, isto é, a contínua formação dos já iniciados na fé. Se a paróquia precisa ser lugar da iniciação à vida cristã, necessita igualmente assumir o compromisso com o contínuo aprofundamento da fé dos já iniciados. Caso contrário, corre-se o risco de, conforme um ditado bastante brasileiro, “morrer na praia”. Formação inicial e formação permanente (iniciação cristã catecumenal e “catecumenato permanente”) são, portanto, momentos distintos de um único processo na construção de comunidades eclesiais adultas e de cristãos adultos.

Se a primeira etapa denominada pré-catecumenato prima pela pré-evangelização, pelos “rudimentos da vida espiritual”, pela acolhida, pelos encontros espontâneos, o segundo momento da caminhada enfatiza, além de outros aspectos, sólida formação. Uma paróquia que não investe no “catecumenato permanente”, na formação continuada de seus agentes e de todos os batizados não somente não conseguirá levar a sério a iniciação cristã catecumenal, como também comprometerá a maturidade humana e cristã da paróquia.

A deficiência na formação dos agentes de pastoral compromete a missão da Igreja e, particularmente, a iniciação cristã. Compromete substancialmente o futuro missionário da paróquia, pois vale lembrar que os iniciantes de hoje serão os missionários de amanhã, e nada mais desgastante à missão do que agentes (iniciados) não preparados.

Se no item anterior batíamos na tecla da necessidade do primeiro anúncio para fora dos restritos muros dos templos da paróquia, para fazer-se presente no vasto campo da sociedade, agora é preciso perguntar-se pela qualificação dos agentes. Se o leigo é convocado, pela graça do batismo, a atuar na realidade secular, “no vasto campo da política, da realidade social e da economia, como também da cultura, das ciências, das artes, da vida internacional, dos meios de comunicação e de outras realidades abertas à evangelização” (DAp 283), verifica-se então que a formação permanente não é privilégio, mas necessidade, pois o diálogo com esses novos areópagos exige devido preparo e qualificação.

Sob a iluminação da proposta do catecumenato, há que se ressalvar que tal formação precisa revestir-se de um novo paradigma. O tradicional paradigma nocional, de transposição de conhecimentos, já não pode mais ser denominado formativo, pois não se trata apenas de repassar conteúdos, mas de uma assimilação intelectual e celebrativa dos elementos da fé, isto é, de uma formação mistagógica.

4.1 Formar-se para formar: o desafio da formação inicial e permanente dos catequistas, dos agentes de pastoral e do clero

A restauração da iniciação catecumenal traz sérias exigências, entre as quais, e certamente a mais urgente, a da mudança de mentalidade de todos os agentes nela envolvidos. É dos catequistas o compromisso maior de entrar na nova lógica da iniciação cristã, no acompanhamento catecumenal dos adultos.

O desafio, contudo, é o como desta formação, e aqui nos referimos a um renovado processo formativo à luz do processo formativo catecumenal e em coerência com ele. Optamos pelo termo formação inicial dos catequistas. A expressão pode soar estranha. Por que formação inicial, quando se supõe que os catequistas já tenham sido iniciados? O resgate do catecumenato é recente, o que significa que muitos dos atuais catequistas não conhecem e não foram formados no novo paradigma de iniciação cristã catecumenal. Apesar de toda boa vontade e doação à Igreja, nossos catequistas não foram formados na mentalidade catecumenal.

Já expusemos a problemática da execução do catecumenato em determinados ambientes com mentalidade de catequese tradicional, nos quais ele, apesar de receber o nome de iniciação cristã catecumenal, consiste somente em repasse de conteúdos. Mais do que falta de vontade dos catequistas, vale a pena enfatizar isto: a problemática parece estar na lacuna da formação catecumenal. Engana-se, contudo, quem pensa que basta o conhecimento teórico do Ritual de Iniciação Cristã de Adultos (RICA). Um dos desafios que o catecumenato enfrenta é formar catequistas, não somente para a, mas na proposta catecumenal. O catequista que durante vários anos exerceu o ministério nos moldes da catequese tradicional terá muitas dificuldades para entrar na nova proposta de iniciação cristã. Urge que o catequista experimente o processo catecumenal, percorrendo ele mesmo, na condição de catequista, a experiência catecumenal, saboreando os ritos e símbolos e trazendo para sua formação pessoal a interação conteúdo-liturgia, fé-vida. Com outras palavras, se os tradicionais “cursinhos” preparatórios aos sacramentos estão com os dias contados, a tradicional formação de catequistas também está convocada a assumir novo itinerário que integre conteúdo, mística, palavra, celebração, rito, experimento.

É no ministério sacerdotal que mais se evidencia a necessidade da formação permanente, entendida como processo de contínua conversão, de aprofundamento e atualização nas áreas do saber humano, teológico e bíblico, para dialogar de modo maduro com os diversos níveis de interlocutores e com as novas linguagens da sociedade plural.

Vale lembrar que a mudança de época atinge também o clero, provocando, muitas vezes, crise de identidade sacerdotal, o que pode facilmente conduzir aos tão comuns quadros de carreirismo institucional, entre outras deturpações no exercício do ministério. O tornar-se adulto na fé, tão enfatizado ao longo do artigo, e o tornar-se adulto no ministério caminham juntos.

Outro aspecto nem sempre frisado com a devida necessidade diz respeito à formação dos seminaristas. Nas novas gerações dos presbíteros, verifica-se acentuada tendência ao clericalismo, quando não ao fundamentalismo, haja vista a preocupação com o rubricismo ou a ostentação de vestes.

Sem avançar para águas mais profundas em nossa reflexão, importa perceber que, dado que a estrutura formativa da iniciação à vida cristã está passando pelo processo de reestruturação sintetizado no catecumenato, também o modelo formativo dos candidatos ao sacerdócio parece urgir uma revisão. Lamentavelmente, muitos seminaristas assimilam já desde cedo que, no futuro ministério sacerdotal, serão responsáveis-proprietários de uma paróquia.

4.2 Da ministerialidade do catecumenato a uma paróquia toda ministerial

Abordada a relação entre iniciação cristã e formação permanente, pretendemos, agora, à luz da ministerialidade do catecumenato, refletir sobre os ministérios na paróquia.

Para levar a cabo o objetivo a que se propõe, o catecumenato dispõe de uma estrutura de ministérios e serviços, com base em um projeto articulado de acompanhamento pessoal e coletivo ao longo de todo o processo da iniciação à vida cristã. Entram em cena, no itinerário catecumenal, uma diversidade de ministérios, serviços e carismas, necessários à maturação da fé daqueles que estão no processo de tornar-se cristãos. Para a dinâmica catecumenal, nenhum serviço ou ministério é irrelevante ou se encontra em segundo plano. Para Borobio, o catecumenato leva a uma “potencialização dos ministérios da Igreja”, pois neles se encontram várias dimensões de sua missão (BOROBIO, 2007, p. 78).

Se, por um lado, é inquestionável a riqueza da variedade de serviços, carismas, ministérios catecumenais, necessários à tarefa da iniciação à vida cristã, por outro, a questão torna-se problemática quando confrontamos o quadro acima com a real situação ministerial paroquial em que o catecumenato é realizado. Para problematizar ainda mais a questão, algumas perguntas são necessárias: a comunidade paroquial, hoje, é madura o suficiente, ministerial e missionariamente, para acompanhar o candidato à vida cristã, como idealiza a metodologia catecumenal? O RICA supõe densa consciência ministerial e participativa da comunidade, o “ministério coletivo”, conforme já recordado, isto é, a participação de toda a comunidade de fé nos ritos, no parecer e na aprovação do iniciante, entre outras formas de atuação. Trata-se de uma realidade ou de uma meta a ser alcançada?

Importa a pergunta: o que a ministerialidade catecumenal diz ao processo de renovação paroquial, e esta àquela? Algumas afirmações, quase antecipadas tentativas de resposta a essas questões, serão norteadoras da reflexão que segue: 1) a rede de ministérios do catecumenato e a consciência ministerial expressa na ativa participação da comunidade nos ritos e celebrações catecumenais constituem muito mais uma realidade a ser construída do que algo já existente na configuração paroquial. Portanto, aquilo que o RICA concebe como modelo de comunidade ministerial conscientiza, questiona, provoca e motiva a renovação ministerial paroquial; 2) neste processo dialético, ainda que a nova consciência ministerial não seja algo já dado, e sim realidade eclesial a ser conquistada, a comunidade, à medida que participa, mesmo que timidamente, da vida e do acompanhamento dos catecúmenos, desperta para a consciência missionária e ministerial; 3) ao perceber que a paróquia é ou está se tornando uma rede de ministérios, o catecúmeno estará mais disposto a assumir um serviço eclesial. O modelo de Igreja que ele encontra é o que ele vai assimilar em sua vivência cristã; 4) a qualidade da iniciação à vida cristã é condição para o futuro ministerial da paróquia. Assim, negativamente, quando as pessoas não são devidamente iniciadas na vida cristã ou quando são portadores de uma fé imatura, dificilmente assumem seu batismo ou exercem ministérios e serviços eclesiais.

Muito poderíamos refletir sobre a urgente conversão estrutural dos ministérios pastorais na Igreja. Em síntese, permanece sempre o desafio, tendo ciência dos avanços, de buscar a concretização de uma configuração ministerial que tem sido denominada “comunidade-ministérios” ou “comunidade-carismas e ministérios”. Não se trata apenas de mudança de nomenclatura, mas das relações estabelecidas a partir dela. No paradigma comunidade-ministério, o acento está na comunidade e na rede de ministérios, carismas e serviços de que ela é portadora. O centro não são os ministérios ordenados nem os não ordenados, mas o tecido comunitário, em que todos os ministérios e serviços têm sentido de ser.

  1. As etapas da iluminação/purificação e mistagogia e a conversão mistagógica paroquial

Resta ainda apontar alguns elementos da paróquia à luz dos dois últimos tempos da caminhada catecumenal, a saber, iluminação/purificação e mistagogia. A riqueza catecumenal consiste em garantir forte densidade orante, mistagógica e experiencial da fé durante todo o processo formativo. Do início ao fim, o antes, o durante e o depois da recepção dos sacramentos visam imprimir o caráter mistagógico e orante da iniciação à vida cristã. Os últimos momentos do itinerário catecumenal, iluminação/purificação e mistagogia, remetem a essa dimensão mais orante e experiencial da fé, sem dicotomia ou exclusivismo. Trata-se de acento, de ênfase cronológica, e não de exclusivismo.

Iluminação/purificação, tempo para maior interiorização e conversão no processo catecumenal, recorda à paróquia o imperativo da conversão pastoral e estrutural. Conversão pastoral em que ou para quê? À expressão conversão pastoral podem atribuir-se inúmeros significados, todos legítimos e necessários. O caminho percorrido até o momento, na busca de novo perfil de paróquia, de certa forma contemplou várias dimensões relativas à expressão. Conversão para uma paróquia toda ministerial, conversão ao novo estilo formativo, para o impulso à missionariedade, à colegialidade, a nova mentalidade pastoral que, mais do que sacramentalizar ou ensinar, proporcione processos pastorais que levem à descoberta e ao aprofundamento da fé etc. Como síntese de todas as conversões a que a paróquia é convocada, trazemos agora o termo “mistagogia”, em debate no último tempo do itinerário catecumenal. Dito de maneira diferente, enfatizaremos, aqui, como que a síntese de todos os aspectos já mencionados, a conversão pastoral à mistagogia. Percebe-se, portanto, que, com a expressão conversão pastoral à mistagogia, envolvemos as duas últimas etapas catecumenais: conversão (iluminação/purificação) e mistagogia.

A experiência ou mistagogia da fé é um direito não somente dos catecúmenos, mas de todas as pessoas, dos frequentadores assíduos, dos casuais, dos “clientes’’ ou dos afastados da paróquia. Contudo, bem sabemos que a dimensão experiencial da fé é, sem dúvida, a grande lacuna na paróquia, seja pelo excesso de atividades, refém de uma infinidade de tarefas, seja pela forte carga burocrática e institucional, sem proporcionar, na maioria das vezes, a experiência mistagógica. A afirmação já feita de que grande parte dos já batizados não é iniciada na fé pode ser retomada agora em perspectiva mistagógica: ou seja, considerável número de batizados carece de experiência de Deus, de uma religiosidade mais vivencial, cuja consequência é ou o cumprimento de preceito, ou a busca de serviço religioso, ou o afastamento definitivo da paróquia. Daí se entende com mais facilidade o porquê de muitos viverem, hoje, uma espiritualidade fora da instituição paroquial ou mesmo fora da religião.

Quando se alude à mistagogia no catecumenato, à experiência na paróquia ou nas pastorais e movimentos, independentemente do termo utilizado, trata-se, fundamentalmente, de condição para o futuro do cristianismo. Vale a pena enfatizar que todo o esforço da busca de renovação paroquial em andamento, à luz da pedagogia catecumenal, visa favorecer uma profunda experiência de Deus. Nova linguagem, símbolos, homilias, estrutura, pastorais, serviços e movimentos, enfim, qualquer realidade existente na paróquia não são fins em si mesmos, mas sua pertinência reside na capacidade de gerar experiência mistagógica. Com base na dialética proposta entre catecumenato e paróquia, com a mesma intensidade que se afirma o novo paradigma de iniciação à vida cristã voltado à experiência, a estrutura paroquial quer se reconfigurar, tendo como eixo norteador esta mesma experiência, a fim de se tornar casa da mistagogia, ou ainda, em tom mais enfático, em estado permanente de mistagogia. Trata-se do esforço ininterrupto para, em tudo o que a paróquia fizer, favorecer aos fiéis a mistagogia. Do contrário, o esforço de reorganização paroquial será paliativo, sem tocar as raízes do problema. Nessa perspectiva, vemos que o círculo dialético vai acontecendo. Do mesmo modo que mistagogia não é apenas o último tempo do processo da iniciação cristã, mas sua espinha dorsal, assim também todas as possíveis mudanças estruturais e pastorais na paróquia visam a uma maior experiência mistagógica de fé. Mistagogia não é algo que a paróquia oferece aos fiéis, mas é fundamentalmente aquilo no qual ela mesma é chamada a se converter, para, então, poder ser experimentada como locus da experiência de Deus. Só aí, então, ela será capaz de “oferecer a todos os nossos fiéis um encontro pessoal com Jesus Cristo, uma experiência religiosa profunda e intensa” (DAp 226).

 Conclusão

Sinteticamente, nosso trabalho esteve assim estruturado: à luz do pré-catecumenato, refletimos sobre as dimensões missionária e querigmática da paróquia; à luz do catecumenato, abordamos alguns elementos da formação e dos ministérios; à luz da iluminação/purificação e da mistagogia, apontamos para as dimensões orante, contemplativa, experiencial, mistagógica na instituição e nas pastorais paroquiais.

Afirmar que o catecumenato constitui uma pedagogia privilegiada para iniciar na fé não significa estar nele a solução para o desafio da transmissão da fé. A implantação/consolidação do catecumenato é algo em construção, assim como a renovação paroquial se encontra nesse mesmo processo. A paróquia não será uma nova estrutura eclesial de um dia para o outro. Da mesma forma que não é o decreto da restauração do catecumenato que o fará ser catecumenal, não será a declaração de uma nova paróquia que a fará ser nova. Trata-se de um processo lento, em que estão envolvidas diversas dimensões.

Bibliografia

BOROBIO, D. Catecumenato e iniciación cristiana: un desafío para la iglesia de hoy. Barcelona: Centre de Pastoral Litúrgica, 2007.

CNBB. Ritual de iniciação cristã de adultos. São Paulo: Paulus, 1980.

______. Comunidade de comunidades: uma nova paróquia. São Paulo: Paulinas, 2013. (Documentos da CNBB, 100).

João Fernandes Reinert

Graduado em Filosofia, doutor em Teologia pela PUC-Rio, professor do Instituto Teológico Franciscano (Petrópolis-RJ), pároco da Paróquia Santa Clara de Assis (Duque de Caxias-RJ).
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