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Publicado em julho – agosto de 2018 - ano 59 - número 322

A fase da juventude

Por Cleusa Sakamoto

Ideias preliminares

A juventude é uma fase do ciclo vital humano caracterizada por elevada vitalidade, associada a muitos planos pessoais e desejos. É, portanto, permeada de experimentações múltiplas e busca de definições, motivadas por uma vontade urgente de encontrar respostas a perguntas que emergem da experiência de viver e ser jovem.

Jovens de nossa realidade social globalizada e tecnológica são indivíduos situados na extensa faixa etária entre 12 e 32 anos, a qual começa na puberdade, marco biológico que deixa a infância no passado, e se estende até o primeiro período da fase adulta, quando se consolidam os valores pessoais e os princípios éticos e muitas escolhas existenciais são definidas, como profissão, ocupação profissional e laços afetivos.

Graças às mudanças na expectativa de vida dos seres humanos e em seus hábitos e costumes, a juventude atual tem um período de duração maior em comparação com o século passado, quando se restringia a uma fase de dez anos. No Brasil, com a expectativa média de 70 anos de vida, a juventude passou a representar cerca de uma terça parte da existência dos brasileiros. Esses parâmetros numéricos sobre a expectativa de vida e a duração da fase de juventude representam grande contraste no cenário da história humana, visto que nosso ancestral, o homem de Neandertal, extinto há cerca de 40 mil anos, vivia em sua maioria pouco mais de 30 anos, ou seja, quase que o equivalente à duração da fase da infância e juventude juntas hoje.

Em seu Relatório mundial de envelhecimento e saúde (2015), a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que uma pessoa nascida no Brasil atualmente poderá viver 20 anos mais do que outra nascida há 50 anos. Isso quer dizer que hoje vivemos mais que no passado e viveremos mais ainda daqui para a frente. O progressivo maior tempo de vida resultará então, num futuro próximo, na diminuição da extensão da fase da juventude em relação ao conjunto da existência, o que provavelmente influenciará a construção de novas funções sociais atribuídas ao jovem no ciclo vital humano. No século passado, quando juventude era o mesmo que adolescência, o jovem era aquele que exercia um papel de renovação da ordem social em virtude de sua postura questionadora no campo das ideias.

Em nossos dias, o jovem ainda exerce importante função social, mas sua influência sobre o plano das relações sociais é de outra ordem, porque a postura de agente crítico e mobilizador de amplas mudanças cedeu lugar ao papel de reprodutor de comportamentos cotidianos e de protagonista nas decisões de consumo da família. Sendo assim, ainda influi na dinâmica comportamental da sociedade, mas seu papel está, cada vez mais, relacionado aos hábitos individualizados, produzidos em massa,  e, cada vez menos, relacionado a novas formas de pensar, à condição de porta-voz de demandas existenciais, na busca de melhorias da coletividade.

  1. Os jovens e a adolescência

No século passado, a juventude estava circunscrita à etapa conhecida como “adolescência”, que se caracterizava como um período etário de menor duração que o atual e representava uma fase preparatória para o início de um tempo de maior autonomia pessoal e responsabilidade social, marcado pela entrada na vida adulta.

“Adolescência” é um vocábulo de origem latina que pode ser dissociado em ad, que quer dizer “para”, e olescere, que significa “crescer”. Isto é, ela pode ser definida como a fase do “crescer para” ser adulto, um estágio intermediário entre a puberdade e a vida adulta. Assim sendo, a adolescência é, conceitualmente, um período prévio à fase adulta e conhecida como etapa de “moratória”, ou seja, de espera e preparação para o ingresso na vida adulta, entendida como estágio em que há participação produtiva do indivíduo no contexto social.

O estado transitório da adolescência também significa um estado crítico ou de mudanças do ponto de vista emocional que apresenta experiências de luto por perdas vividas na infância (perda da dependência infantil, perda do corpo de criança, perda da ampla proteção dos pais etc.) e suscita questionamentos ideológicos no campo das trocas sociais (ABERASTURY, KNOBEL, 1981; OSORIO, 1992).

A adolescência é um fenômeno psicossocial que não é universal, já que nem todas as culturas humanas estabelecem a existência desse período vital. Apresenta-se em cenários culturais que identificam e valorizam o período transitório entre ser criança e ser adulto. Quando ela é presente, há a expectativa de que em seu cerne se instale a consolidação de busca de uma identidade, na medida em que o adolescente depara com decisões que deve tomar sobre o futuro de sua vida (ERIKSON, 1987).

Segundo os psicanalistas argentinos Arminda Aberastury e Maurício Knobel, na obra Adolescência normal, publicada no Brasil em 1981, nesse período de desenvolvimento psicológico tem lugar a “síndrome da adolescência normal”, um estado psíquico alterado, diverso do habitual, constituído por um conjunto de sintomas que expressam uma condição de transtorno emocional, o qual, porém, é esperado e, portanto, adequado à experiência de adolescer. Os autores descrevem dez sintomas típicos dessa síndrome, são eles: 1) busca da identidade; 2) tendência grupal; 3) necessidade de intelectualizar e fantasiar; 4) crises religiosas (do ateísmo ao misticismo fervoroso); 5) deslocamento temporal e ênfase no pensamento não lógico; 6) evolução sexual; 7) atitude social marcadamente participativa ou omissa; 8) contradições presentes nas ações pessoais; 9) progressivo afastamento dos pais; 10) instabilidade no humor e estados de ânimo.

Do ponto de vista do desenvolvimento da inteligência, a adolescência é também um período que introduz mudanças evolutivas diferenciadas, com a ampliação de capacidades. Os adolescentes apresentam maior autonomia ante o cenário da existência, uma vez que, segundo Piaget (citado por PAPALIA; OLDS, 2000), após a puberdade se iniciam os processos cognitivos responsáveis pelo entendimento de conceitos puramente abstratos e de raciocínio dedutivo.

A capacidade intelectual de pensar abstratamente – uma aquisição característica desse período do desenvolvimento humano – confere ao indivíduo uma expansão importantíssima do pensamento, porque lhe possibilita conhecer o mundo por meio de teorias e conceitos, dispensando a experiência concreta como condição para o entendimento da lógica das ações e interações.

A capacidade de reflexão, de utilizar o pensamento abstrato para operar o entendimento de fatos por meio de hipóteses, faculta ao jovem uma ampliação de seus poderes intelectuais, o que dá lugar à compreensão de conceitos como justiça, democracia, equidade, solidariedade, morte, futuro, esperança etc. Essas ideias abstratas traduzem uma dimensão da realidade que exige entendimento complexo e dá suporte à compreensão de preceitos da convivência social e da edificação de valores humanos.

  1. Os jovens e o século XXI

Nos dias atuais, costumamos utilizar recortes na definição de jovem, baseados no cotidiano tecnológico característico do mundo humano presente. Identificados como geração Y e geração Z, respectivamente, os jovens de idade entre 21 e 35 anos e entre 12 e 20 anos, os quais apresentam modos de ser e fazer da era cibernética, isto é, comportamentos ágeis e instáveis, sentimentos de insatisfação e humor irritável com tendência ao individualismo.

Os jovens das gerações Y e Z, denominados nativos digitais, são indivíduos nascidos na sociedade tecnológica da realidade globalizada, que utiliza uma comunicação em rede conectada em tempo real; isto é, constituem um grupo geracional que denota o reflexo de uma sociedade modificada pela cibercultura. São, portanto, pessoas que demonstram uma atitude inquieta e insaciável, sempre em busca de mais e mais novidades, e muitas vezes dispensam um olhar introspectivo que examine os próprios propósitos existenciais e a consciência da individualidade (que não é o mesmo que individualismo).

A natural vitalidade e a ansiedade para encontrar respostas, somadas à velocidade de trocas no âmbito das relações sociais, esculpem na juventude de nossos dias uma tendência à aceitação ou rejeição imediata de ideias no cotidiano, reverberando o modelo de vida consumista. De modo fugaz, uma ideia que hoje ganha repercussão social amanhã já é esquecida, e o processo de existir vai se esvaziando de sentido, fato que pode explicar a ocorrência frequente de muitos jovens com problemas afetivos e adoecidos psiquicamente, acometidos de depressão, síndrome de ansiedade, síndrome do pânico e outras psicopatologias contemporâneas.

Ao buscar fora de si mesmo aquilo que dá sentido ao próprio viver, o jovem se tornou refém de uma condição de alienação que o afasta das respostas genuínas sobre o que significa, para si, existir e viver. Ludibriados pela sociedade de consumo, que os procura persuadir de que adquirir bens de consumo lhes garante um lugar na sociedade e lhes confere maior importância sobre os demais, muitas vezes os jovens não reconhecem a existência de uma pergunta fundamental, cuja resposta não se encontra em prateleiras para ser comprada: o que almejam conquistar para si que possui valor existencial na trajetória de sua vida?

Responder a essa pergunta não depende de uma intelectualidade diferenciada nem de irrestrita bagagem de informações; antes, exige que se reconheça o que importa de fato para cada um, diante do “milagre” que é a vida.

A impulsividade do jovem – também é interessante mencionar – pode potencializar o seu desamparo diante do desafio de fazer reflexões e escolhas, pois pensar a própria existência requer intimidade, e intimidade verdadeira é incompatível com processos instantâneos, superficiais. Há que se alongar na busca de respostas a questões que envolvem o ser e o viver, do ponto de vista das próprias bases existenciais; muitas vezes, é necessário esperar que as ideias sejam formuladas e reformuladas no âmago da interioridade, para dar forma ao que é necessário entender e ao que se deseja escolher.

Decisões sobre para que e como viver, que se encontram atreladas ao desejo de ser feliz, envolvem sondar as mais profundas aspirações humanas e não se limitam à análise da vida cotidiana. Para ser feliz, é necessário saber de si!

O jovem do século XXI que almeja ser feliz – o que não equivale a ter posse de prodigiosas invenções de consumo que o fascinam – deve fazer uma pausa para perceber a sua realidade e tentar distinguir a real utilidade de tudo que possui à sua disposição. Deve se perguntar se está no comando de sua vida ou se está sendo conduzido por modismos e falsas filosofias acerca do que consistem o existir humano e o bem viver. Então, poderá resgatar o fio da meada de seus objetivos pessoais diante da maior aventura humana: a existência.

A juventude é um período dadivoso para todo aquele que deseja algo para si perante seu existir. Nesse período, cabem todos os sonhos e milhares de experimentações, incluindo enganos tolos, e são perdoados erros dolorosos, às vezes cometidos por uma ingênua vivência juvenil. A juventude deve ter a esperança como uma espécie de anjo guardião, na medida em que ela representa a fé no futuro, o qual não tem limites concretos.

Reflexões finais

A pirâmide da estratificação etária da população mundial está se invertendo. No século XX, as crianças eram o maior contingente populacional do planeta e os idosos, o menor. Atualmente há uma acentuada diminuição de nascimentos, o que, ao lado da crescente longevidade, introduziu o fenômeno de mudança na idade geral da população em todo o mundo.

Em 35 anos, haverá uma inversão na estruturação etária vigente no Brasil, que se tornará uma nação idosa (PENA, 2016), à semelhança do que já ocorre há tempos em muitos países europeus. Nesse eixo evolutivo de mudanças, os jovens também serão um grupo minoritário que deverá herdar uma preocupação fundamental com o cuidado com o planeta e a sobrevivência da espécie humana.

Ao lado dos adultos mais velhos, que serão em maior número, os jovens, nessa projeção de futuro, provavelmente enfrentarão desafios sobre as melhores decisões coletivas a serem tomadas. O planeta, se preservado, com suas amplas dimensões territoriais, abrigará um menor número de pessoas, que compartilharão uma sociedade global marcada por uma constelação social, cultural, política e econômica efetivamente internacionalizada e por novas bases estruturais, ainda difíceis de imaginar.

Jovens serão sempre a renovação da espécie humana, com suas ideias, ações e seus ideais em vista da descoberta das possibilidades criativas que lhes são próprias!

Hoje, no futuro ou em qualquer tempo, a juventude é a aurora das capacidades de entendimento e de intervenção sobre o mundo, pessoal e social. Por esse motivo, a juventude é um período de experiências individuais peculiares e de consequências pessoais e grupais significativas. As nações deveriam ter programas de proteção e apoio ao desenvolvimento humano no período da juventude, tendo em vista a vulnerabilidade – ao lado da genialidade – que encerra esse período da vida. De certa forma, a juventude é a reserva de valores humanos investidos no organismo social, a qual renderá dividendos futuros para toda a sociedade.

Trabalhar com jovens é grande responsabilidade e um privilégio, pois todos os dias há a oportunidade de haurir a energia de esperança característica do seu olhar voltado para o futuro, já que este, por definição e teoricamente, sempre é próspero.

A responsabilidade para com o jovem é oferecer-lhe um modelo coerente de ser e viver. É respeitar sua criatividade, embora seja prudente conscientizá-lo de sua demasiada impetuosidade, quando presente. Cuidar de jovens é retribuir-lhes o intenso afeto que externam e demonstrar-lhes a preocupação sobre as consequências negativas oriundas de experiências relevantes destituídas de compromisso pessoal.

Conviver com a juventude é contemplar o potencial humano de realização, mas também perceber limites – por exemplo, não ter respostas satisfatórias de imediato para boa parte de indagações importantes. Os mais velhos podem mostrar ao jovem esta realidade em que poder e restrições são cúmplices e viver é uma experiência incomparável.

Jovens gostam de adultos, ao contrário do que costumam dizer alguns pais. Do que não gostam é de pessoas inflexíveis demais, porque estas não podem dançar, pensar e conversar com eles!

O dia em que cada jovem puder reconhecer seus limites e talentos e os adultos que com ele convivem fizerem o mesmo, haverá um encontro magnífico entre a espontaneidade e a capacidade compartilhada de aprimoramento.

A juventude significa uma estação de passagem de experiência individual durante a existência humana que cria raízes fortes para o viver de cada um. Pode transformar-se em frondosa árvore, cujos frutos alimentam também outras vidas e, no futuro, podem retratar laços genuínos e fraternos.

Bibliografia

ABERASTURY, A.; KNOBEL, M. Adolescência normal: um enfoque psicanalítico. Tradução de Suzana Maria Garagoray Ballve. Porto Alegre: Artmed, 1981.

ERIKSON, E. H. Identidade, juventude e crise. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde – Resumo, 2015. Disponível em: <http://sbgg.org.br/wp-content/uploads/2015/10/OMS-ENVELHECIMENTO-2015-port.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2016.

OSORIO, L. C. Adolescência hoje. Porto Alegre: Artmed, 1992.

PAPALIA, D. E.; OLDS, S. W. Desenvolvimento humano. Tradução de Daniel Bueno. Porto Alegre: Artmed, 2000.

PENA, R. F. A. Pirâmide etária da população brasileira. Mundo Educação, Aparecida de Goiânia. Disponível em: <http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/geografia/piramide-etaria-populacao-brasileira.htm>. Acesso em: 14 set. 2016.

Cleusa Sakamoto

Cleusa Sakamoto é psicóloga formada pela Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela USP. Professora universitária, leciona atualmente na Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação – Fapcom – e é autora de inúmeros artigos e capítulos de livros. E-mail: [email protected]