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Publicado em setembro – outubro de 2017 - ano 58 - número 317

Anunciar o evangelho e doar a própria vida (1Ts 2,8) – Introdução à primeira carta aos Tessalonicenses

Por Maria Antônia Marques

Introdução

Na primeira carta aos Tessalonicenses, há expressões afetuosas, como a ternura de uma mãe “acariciando os filhos” (1Ts 2,7) ou: “Tratamos cada um de vocês como um pai trata seus filhos” (1Ts 2,11b). Impedidos de estar com a comunidade, os missionários afirmam: “Quanto a nós, irmãos, por algum tempo estivemos de vista separados de vocês, mas não de coração, e redobramos nossos esforços pelo ardente desejo de vê-los novamente” (1Ts 2,17).

Como mãe, pai e irmão, Paulo e seus colaboradores expressam forte laço familiar com a comunidade, sobretudo na primeira parte da carta (1Ts 1-3). Na segunda parte (1Ts 4-5), há orientações, palavras de encorajamento e exortações (1Ts 4-5): “Irmãos, nós lhes pedimos e encorajamos no Senhor Jesus: vocês aprenderam de nós como devem viver para agradar a Deus. Vocês já vivem assim, mas devem continuar progredindo” (1Ts 4,1); “Nós, que somos do dia, fiquemos sóbrios, revestindo a armadura da fé e do amor, e o capacete da esperança da salvação” (1Ts 5,8).

Contexto

É uma carta repleta de amor, alegria, preo­cupação e exortação! Considerando o contexto no qual a carta surgiu, compreende-se o imenso desejo dos missionários de estar com seus fiéis para “acariciar” e “encorajar”. Expulsos de Filipos, na Macedônia, por causa da perseguição da autoridade romana (1Ts 2,2), Paulo e Silas (Silvano) dirigiram-se à cidade de Tessalônica, capital da província, onde fundaram a comunidade. Aí também eles foram perseguidos, tendo de partir para Bereia, onde novamente foram ameaçados.

A perseguição só parou quando deixaram a Macedônia e chegaram a Atenas, província da Acaia, outra jurisdição romana. Em Atenas, Paulo enviou seu fiel colaborador Timóteo para verificar a situação da comunidade de Tessalônica. De volta, Timóteo encontrou Paulo em Corinto, dando-lhe a boa notícia da perseverança da comunidade e falando-lhe também sobre a tribulação e os problemas do cotidiano: “É que vocês se tornaram imitadores nossos e do Senhor, acolhendo a Palavra com a alegria do Espírito Santo, apesar de tantas tribulações” (1Ts 1,6).

As tribulações eram inevitáveis! Ao anunciar o evangelho de Jesus crucificado como Messias e salvador, Paulo e seus seguidores ameaçavam a sociedade escravagista, controlada pela força do império romano com a figura poderosa do imperador, messias e salvador: “O nosso evangelho não chegou a vocês apenas com palavras, mas também com poder, com o Espírito Santo, e com toda a convicção” (1Ts 1,5). No mundo escravista, o evangelho teve o poder de formar a comunidade na liberdade, na igualdade e na fraternidade. O evangelho de Jesus crucificado estava na contramão da proposta do império romano. Daí a perseguição!

A perseguição atingiu duramente Paulo, seus colaboradores e a comunidade, cujas vidas já eram bastante sofridas: a maioria dos membros da comunidade cristã de Tessalônica, como a de Corinto, era constituída por escravos. Trabalhadores braçais sem direito a cidadania, sofriam muito mais com a exploração, a violência e a humilhação: “Passamos fome e sede, estamos malvestidos, somos maltratados, não temos morada certa, e nos cansamos trabalhando com as próprias mãos” (1Cor 4,11-12; cf. 1Ts 2,9). Uma vida ameaçada! Por isso, é muito compreensível que a comunidade de Tessalônica esperasse ansiosamente pela vinda do Senhor Jesus, o dia da salvação: “Quanto a datas e momentos, irmãos, não é necessário escrever-lhes. Pois vocês sabem muito bem que o Dia do Senhor virá como ladrão à noite” (1Ts 5,1).

A vida ameaçada também faz parte da rea­lidade que experimentamos em nossa sociedade. Basta recordar algumas notícias nos meios de comunicação: “6 homens têm a mesma riqueza que 100 milhões de brasileiros juntos”; “Desemprego no Brasil atinge mais de 12 milhões”; “Dos 5 milhões de estabelecimentos rurais, a metade possui menos de 10 hectares, numa área de aproximadamente 7,9 milhões de hectares. Já os 37 maiores latifúndios possuem juntos 8,3 milhões de hectares”; “Hoje, no Brasil, temos 60 milhões de pobres e outros tantos milhões abaixo da linha de indigência”; “Onda de violência gera morte dentro e fora de presídios”; “A operação Lava Jato: fraude e corrupção na administração política”; “Desastre ambiental da Samarco”, entre tantas outras.

Má distribuição de renda, concentração da terra, desemprego, corrupção, violência, desastre ambiental, pobreza, fome, doença e morte ameaçam a vida cotidiana das pessoas. Como no tempo de Paulo, os poderosos de hoje, com sua ganância e ambição, sacrificam a vida humana e a mãe natureza: “Pois bem, sabemos que a criação inteira geme e sofre até agora com dores de parto” (Rm 8,22).

Com afeto e preocupação, Paulo e seus colaboradores escreveram a primeira carta aos Tessalonicenses, para encorajar e orientar a comunidade que estava ameaçada: “Sem cessar, lembramos a obra da fé, o esforço do amor e a constância da esperança que vocês têm no Senhor nosso Jesus Cristo, diante de Deus nosso Pai” (1Ts 1,3). É necessário fortalecer a perseverança da comunidade com a fé ativa, o amor fraterno e a esperança teimosa, como motor na caminhada, rumo à realização do projeto de Jesus crucificado e ressuscitado: para que nele nossos povos tenham vida. Junto com Paulo e seus companheiros, vamos colocar nossos pés na cidade de Tessalônica.

Um olhar para a cidade de Tessalônica

Na segunda viagem missionária (49-52 d.C.), Paulo atravessou a província da Ásia (atual Turquia) e chegou à cidade de Filipos, na província da Macedônia (na Europa, atual­mente Grécia meridional), por volta do ano 50 d.C. Esse foi o início de sua missão na Europa! Depois de passar alguns meses pregando o evangelho, Paulo e seu colaborador Silas (Silvano) foram perseguidos: “mesmo depois de sofrermos e termos sido insultados em Filipos” (1Ts 2,2a).

Expulsos de Filipos, seguiram para o oeste, pela via Egnácia, a grande estrada romana que ligava Roma às províncias do Oriente, fazendo conexão com importantes estradas, como a via Ápia (vinda de Roma). Depois de uma jornada de cerca de 150 quilômetros, Paulo e Silas chegaram à cidade de Tessalônica (atualmente Salônica, Grécia), capital da província da Macedônia. Uma das cidades mais movimentadas e prósperas do império romano no século I.

Tessalônica foi fundada em 315 a.C. por Cassandro, general de Alexandre Magno, que deu ao local o nome de sua mulher, Tessalônica, irmã de Alexandre. Por ter uma área rural fértil, um bom porto e, especialmente, localização estratégica, a cidade de Tessalônica sempre foi cobiçada pelos romanos. Na batalha de Pidna, em 168 a.C., os romanos finalmente conquistaram a cidade e a transformaram na capital da Macedônia. Mais tarde, por ocasião da batalha de Filipe, em 42 a.C., Tessalônica obteve do imperador Augusto as regalias de cidade livre, tendo administração e tribunais próprios.

Sabe-se que esse privilégio dado a Tessalônica não era devido ao tamanho da cidade. Comparada a outras capitais provinciais, como Éfeso asiática, Antioquia síria ou Alexandria egípcia, Tessalônica era uma das menores. Contudo, tornou-se a sede natural do poder romano por sua localização: na via Egnácia, a cidade tinha acesso à estrada vinda da província da Acaia (Atenas e Corinto), à via Ápia (Roma, o mar Adriático) e às principais estradas para o Oriente. Estava situada junto a uma pequena baía (porto natural), no norte da Grécia, no mar Egeu (o golfo Termaico). Enfim, uma localização geo­gráfica privilegiada, com conexão para todos os pontos do império!

Tudo isso favoreceu que Tessalônica se tornasse importante centro comercial, político e cultural, contribuindo para a exploração e comercialização das riquezas agrícolas e minerais da Macedônia, como também para a chegada de vários povos, atraídos pelas oportunidades de comércio, trabalho, prazer etc. Era grande a circulação de pessoas e mercadoria! A capital da Macedônia gozava de prosperidade, poder e diversidade sem precedentes.

No tempo de Paulo, Tessalônica possuía uma população ao redor de 40 mil habitantes, pessoas provenientes de todas as partes do Mediterrâneo. As informações históricas atestam, entre a população grega da cidade, a presença de vários povos: egípcios, trácios (povo indo-europeu), ítalos (da antiga Itália), sírios, judeus, entre outros. O destaque entre eles eram os comerciantes italianos, que viajavam atrás das oportunidades comerciais no império romano.

A diversidade da população da cidade se refletia também na religião. Além dos cultos locais às divindades do Olimpo grego (Zeus, Apolo, Ares, Afrodite, Dioniso etc.), a presença de cultos a divindades “estrangeiras” é bem atestada em Tessalônica: cultos romanos com suas divindades (Júpiter, Febo, Martes, Vênus etc.), culto obrigatório ao imperador (salvador e messias), divindades egípcias (Serápis, Osíris, Anúbis), asiáticas (Átis e Cibele), e o judaísmo, reconhecido como religião lícita. Também não faltavam novas religiões de mistérios, vindas do Oriente. Seus pregadores circulavam pelas ruas da cidade vendendo o “êxtase espiritual”. Era um grande mercado religioso!

Diversidade, poder e prosperidade sem precedentes! Tessalônica era uma verdadeira cidade cosmopolita: muitas mercadorias e muitas pessoas circulavam por via terrestre e marítima. Entre elas, ricos comerciantes, fazendeiros, militares aposentados, atraídos a Tessalônica pelo fato de ser uma capital livre. Riqueza, grandeza, beleza e glória, sem falar de farra e prazer num típico centro urbano.

Dito isso, é preciso acrescentar também ganância, exploração, manipulação política, corrupção, violência, imoralidade, desigualdade, miséria, fome e morte em Tessalônica, típica sociedade escravagista. A riqueza era conquistada a partir do trabalho escravo e do comércio. Talvez cerca de dois terços da população fossem de escravos, vivendo à margem da sociedade. Os escravos, considerados propriedade, como qualquer outra coisa, sofriam injustiça e crueldade.

Os estudos descrevem os ambientes em que viviam os pobres da periferia da cidade: ruas estreitas e malcheirosas e casas mal construídas. Miséria, fome e doença tomavam conta dos pobres escravos. A vida era curta! Talvez a duração da vida de um escravo fosse de pouco mais de 20 anos. Havia grande incidência de suicídios.

A grande massa de “imigrantes pobres e escravos” do Oriente Médio e das margens do Mediterrâneo chegara a Tessalônica para ganhar a vida ou sobreviver na cidade cosmopolita. Eram pobres desenraizados! Sofriam com insegurança, exploração e violência na vida da periferia. E, nela, o próprio Paulo acabou trabalhando e pregando a boa-nova de Jesus crucificado.

Conhecendo a comunidade cristã de Tessalônica

Estando em Tessalônica, Paulo era grato aos filipenses pelo auxílio recebido: “E quando eu estava em Tessalônica, vocês mais de uma vez me enviaram ajuda para minhas necessidades” (Fl 4,16). Por que a comunidade cristã de Filipos auxiliou as atividades missionárias de Paulo em Tessalônica? O que a comunidade de Tessalônica teria feito? Parece haver, nesse fato, problema na comunidade? Que tipo de comunidade havia em Tessalônica?

Como princípio geral, Paulo preferiu trabalhar pelo próprio sustento, inclusive em Tessalônica: “Pois vocês ainda se lembram, irmãos, de nosso trabalho e fadiga. Noite e dia trabalhando para não sermos de peso para nenhum de vocês, nós assim lhes proclamamos o evangelho de Deus” (1Ts 2,9).

O recebimento do auxílio dos filipenses para o trabalho missionário em Tessalônica e o fato de trabalhar noite e dia, como o próprio Paulo afirma: “Para não sermos peso para nenhum de vocês”, são elementos que lançam uma luz indireta sobre o cotidiano da comunidade cristã de Tessalônica:

  1. a) A princípio, Paulo trabalhava de dia para ganhar o pão e, de noite, pregava o evangelho. Com o aumento da atividade pastoral, teria pouco a pouco deixado de trabalhar e ganhado menos. Necessitava de auxílio para seu sustento. Mas a comunidade tinha poucos recursos, porque a maioria de seus membros era pobre!
  2. b) O próprio Paulo trabalhou e exortou a comunidade a trabalhar com as próprias mãos (1Ts 4,11). Na sociedade greco-romana, o trabalho manual normalmente era função de escravos. É muito provável que a comunidade, em grande parte, fosse formada por escravos, sem direito a cidadania.

Tudo leva a crer, portanto, que os membros da comunidade de Tessalônica eram pessoas empobrecidas e sofridas que viviam na periferia, em “extrema pobreza” (2Cor 8,2). Trabalhavam “noite e dia” com as próprias mãos, alguns como carregadores no porto. Ansiavam por liberdade, segurança e vida digna: ter comida, roupa e moradia decente (cf. 1Cor 4,11-13). Certamente, sonhavam poder possuir direito a cidadania e participar das decisões em assembleia. Esse era o mundo dos pobres trabalhadores das grandes cidades do império!

Exatamente nesse mundo, Paulo entrou, trabalhou com as próprias mãos e lançou as sementes do evangelho, nascendo aí uma pequena comunidade cristã. Esta foi a sua estratégia pastoral: entrar no mundo dos trabalhadores pobres.

Havia, nas cidades do império romano, associações voluntárias ou confrarias de pessoas em torno da mesma atividade profissional, da devoção à mesma divindade ou da mesma localidade. Elas organizavam convívio, reuniões, festas, cultos e, sobretudo, as refeições comunitárias. Uma forma de proporcionar senso de identidade, solidariedade, dignidade, segurança, promovendo a ajuda mútua e a fraternidade.

Não há dúvida de que Paulo, como artesão de tenda, trabalhou, participou ou atuou na organização da associação dos trabalhadores pobres na periferia da cidade de Tessalônica. A oficina na qual Paulo trabalhava tornou-se a base estável de contatos entre os trabalhadores, seus familiares e amigos. Era um espaço favorável para a semente do evangelho (1Ts 1,4-6). A semente brotou, cresceu, e nasceu a comunidade cristã, proporcionando honra, dignidade, fraternidade e esperança para o pequeno grupo de pobres tão sofridos, humilhados e machucados.

Na primeira carta aos Tessalonicenses, Paulo agradece a Deus a fé, o amor e a esperança presentes na comunidade recém-nascida. Até faz um grande elogio: “Tanto que vocês se tornaram modelo para todos os fiéis de Macedônia e Acaia” (1Ts 1,7). Nas entrelinhas da carta, também é possível ver as dificuldades e os problemas da comunidade cristã de Tessalônica:

  1. a) Perseguição contra a comunidade: no seu evangelho, Paulo apresentava Jesus crucificado e ressuscitado como Senhor, título reservado ao imperador e ao dono de escravos, pregando um mundo de liberdade, igualdade e fraternidade. A pregação correspondia aos anseios dos pobres escravos, mas, ao mesmo tempo, ameaçava a própria sociedade escravista. Os poderosos tentaram destruir as sementes lançadas na comunidade (1Ts 1,6).
  2. b) Costumes e cultura: as cidades com privilégios imperiais, como Tessalônica, por exemplo, eram marcadas por farras e prazeres. Imoralidade e vida sexual com liberdade sem limite. Era difícil viver na “santidade” cristã, abandonando os costumes fortemente enraizados na vida diária (1Ts 4,1-8).
  3. c) Diferentes religiões e divindades: na cidade cosmopolita, a religião ganhava amplo espaço. Era muito comum haver rituais com prática sexual. Por exemplo, a prática é atestada no culto às divindades Dioniso, Afrodite, Osíris e Íris. Para os cristãos de Tessalônica provenientes de outros cultos, era até incompreensível abandonar os ritos com liberdade sexual para servir ao “Deus vivo e verdadeiro” (cf. 1Ts 1,9).
  4. d) Trabalho braçal: no dia a dia, os pobres da periferia sofriam com o trabalho braçal pesado. Para eles, era difícil aceitar a proposta de considerar o trabalho manual como “honra” (1Ts 4,11).
  5. e) Vinda do Senhor: a comunidade pensava que a vinda gloriosa do Senhor Jesus se realizaria logo e começou a apresentar preocupações e problemas (1Ts 4,13-5,11): os fiéis já falecidos não vão participar desse grande evento? Como a vinda do Senhor era iminente, só se poderia rezar e olhar para o alto? Poderiam até parar de trabalhar?
  6. f) Vida comunitária: no mundo helenista, o espírito de busca desenfreada de riqueza, poder, prazer e honra dominava a sociedade. Competição, desigualdade e violência faziam parte da vida diária do povo. Dentro desse ambiente, é difícil viver “em paz uns com os outros”, contribuindo para o bem comum da comunidade, e repartir os bens com os menos favorecidos (cf. 1Ts 5,12-22).

Diante dessas inquietações manifestadas na comunidade recém-nascida, perseguida e ameaçada, Paulo temia que a comunidade abandonasse a semente do evangelho: fé, amor e esperança. Então, ele escreveu imediatamente esta carta, a primeira carta aos Tessalonicenses.

Lendo a primeira carta aos Tessalonicenses

Ler a primeira carta aos Tessalonicenses nos faz vibrar com a alegria de Paulo e seus colaboradores. A comunidade, apesar da perseguição e do sofrimento, continua fiel ao evangelho de Jesus crucificado e ressuscitado! No primeiro versículo, de forma breve, há um cabeçalho contendo remetentes, destinatários e uma breve saudação, seguida de extensa ação de graças (1Ts 1,2-10). Paulo e seus colaboradores agradecem a fé, o amor e a esperança vivenciados pela comunidade e anunciam os temas de sua carta, destacando como principal o dia da vinda do Senhor.

Na primeira parte, os missionários relembram o modo como eles exerceram a sua atividade missionária em Tessalônica (1Ts 2,1-12). Em 1Ts 2,13-16, há outra ação de graças pela perseverança dos tessalonicenses. Paulo lamenta o fato de não poder ir à Tessalônica, fala do envio de seu fiel colaborador, Timóteo, que lhe traz boas notícias ao voltar da Macedônia (1Ts 2,17-3,10), e conclui com uma oração de bênção (1Ts 3,11-13).

Na segunda parte da carta (1Ts 4,1-5,11), há dois pedidos: o primeiro – “nós lhes pedimos e encorajamos” a viver uma vida de santidade – apresenta várias exortações sobre a vida cristã, e o segundo é um convite a viver em atitude de ação de graças, seguido de algumas recomendações sobre a vida fraterna (1Ts 5,12-22). Essa carta procura respostas para algumas questões da comunidade: sobre o amor fraterno (1Ts 4,9-12), como será a vinda de Cristo para os fiéis já falecidos (1Ts 4,13-18) e a respeito dos tempos e momentos (1Ts 5,1).

A primeira carta aos Tessalonicenses foi escrita com o coração; mesmo assim, existem alguns problemas literários. Por exemplo, em 1Ts 2,14-16, há afirmações antijudaicas e expressões não paulinas; outra questão é a organização do texto: 1Ts 4,1-5,11 vem depois de uma longa ação de graças (1,2-3,13), e ainda se pode observar evidências de dois inícios (1,2-10; 2,13-16) e de duas conclusões (3,11-13; 5,23-28).

Eis alguns pontos da carta sobre os quais devemos refletir:

  1. a) Em 1Ts 2,14-16, há uma comparação com a situação dos judeus cristãos da Judeia: ambos sofrem da parte de seus respectivos conterrâneos. O texto afirma que os judeus “mataram o Senhor Jesus e os profetas, e nos perseguiram. Não agradam a Deus e estão contra todas as pessoas” (1Ts 2,15). Podemos ver a presença de dois temas correntes em relação aos judeus: o primeiro é o da incredulidade de Israel e o segundo é o do antissemitismo das elites romanas, que condenavam os judeus por seu sectarismo: “Querem impedir-nos de pregar às nações para que se salvem” (2,16a). 1Ts 2,14-16 é um acréscimo posterior, e não da autoria de Paulo.
  2. b) 1 Tessalonicenses: uma ou duas cartas? Os estudiosos distinguem duas cartas: na Carta A (1Ts 2,13 a 4,2):, Paulo e seus colaboradores agradecem a perseverança dos tessalonicenses e, diante da impossibilidade de ir a Tessalônica, enviam Timóteo, que traz notícias da fidelidade da comunidade, encerrando essa parte com uma oração de bênção. A Carta B (1Ts 1,1 a 2,12 e 4,3 a 5,28) trata das perseguições e das exigências da vida cristã (1Ts 4,3-12 e 5,12-22); além disso, aborda os temas relativos ao Dia do Senhor (1Ts 4,13 a 5,11). Assim, é possível que originalmente houvesse duas cartas que foram reunidas, formando uma só.

Algumas mensagens importantes

  1. a) Paulo e seus colaboradores destacam alguns critérios para anunciar o evangelho de Jesus Cristo: não usar de bajulações, não ser autoritário e não buscar os próprios interesses, mas cuidar uns dos outros como membros de uma verdadeira família. O evangelho de Deus é um evangelho que promove vida em plenitude (1Ts 2,1-12).
  2. b) Mesmo na perseguição, Paulo e seus colaboradores são comprometidos com a vida da comunidade. São solidários, persistentes na oração e se fazem presentes de forma concreta, enviando Timóteo para encorajar e exortar as pessoas a perseverar no seguimento de Jesus. Podemos aprender desses primeiros missionários a importância de fortalecer a solidariedade e a fraternidade (1Ts 2,17-3,13).
  3. c) Vivendo numa sociedade que coisifica o corpo, Paulo e seus colaboradores chamam a nossa atenção para uma vivência que considere o corpo não como objeto de consumo, mas em sua dignidade de Templo de Deus (1Ts 4,1-12).
  4. d) É preciso que os “filhos da luz” sejam vigilantes e atuantes na construção do Reino aqui, pela vida pautada por uma fé ativa, pelo amor – o serviço ao outro – e pela esperança teimosa pela libertação, ou seja, por uma espera ativa (1Ts 5,1-11).
  5. e) A comunidade deve exercer o discernimento profético e o espírito crítico para praticar o bem e buscar a justiça – isso significa viver a santidade. Todos devem evitar o mal, ou seja, a impureza que prejudica a fraternidade e a comunhão da comunidade (1Ts 5,12-22).

Uma palavra final

A leitura da primeira carta aos Tessalonicenses continua sendo para nós um apelo para confiarmos nas pessoas que colaboram em nossa missão. É uma carta endereçada à comunidade cristã de Tessalônica e às pes­soas cristãs de todos os tempos. O estudo e a meditação da primeira carta aos Tessalonicenses animam e desafiam as comunidades cristãs de hoje a ser sinais do projeto do evangelho de “Jesus crucificado” assumido por Paulo, colaboradores e colaboradoras: construtores e construtoras de um reino de justiça, igualdade, fraternidade e, sobretudo, de solidariedade com as crucificadas e os crucificados de hoje. O desafio nos é lançado: “Que a graça de nosso Senhor Jesus Cristo esteja conosco!” (1Ts 5,28).

Bibliografia

(Referente aos três artigos sobre a primeira carta aos Tessalonicenses)

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Maria Antônia Marques

Assessora do Centro Bíblico Verbo e professora da Faculdade Dehoniana, em Taubaté, e do ITESP, em São Paulo. Juntamente com o Centro Bíblico Verbo, tem publicado todos os anos pela Paulus um subsídio para reflexão e círculos bíblicos para o mês da Bíblia. E-mail: [email protected]