Roteiros homiléticos

10 de Janeiro – BATISMO DO SENHOR

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

Deus não faz diferença entre as pessoas

I. Introdução geral

No princípio Deus criou todas as coisas e, entre elas, criou os seres humanos. Diz o texto bíblico que Deus criou o homem e a mulher como sua imagem e semelhança. Quem é a imagem de Deus? Somente o homem? Somente a mulher? A resposta é um sonoro não. Tanto um quanto o outro ou, tornando mais simples, a totalidade de um com o outro, o encontro de um com o outro, é que manifesta a imagem de Deus. No entanto, se o projeto de Deus é a semelhança para o serviço mútuo, o projeto humano mais parece a diferenciação nas relações de poder, tendo em vista o domínio deles sobre elas. Assim, não nos vemos como iguais. Enxergamos, sim, as pessoas de forma hierarquizada, com alguns sempre acima e muitos outros sempre abaixo. No entanto, a lógica do projeto de Deus é a manifestação de relações justas entre iguais, enquanto a lógica humana se apresenta como construção de relações de poder entre desiguais. Qual lógica vamos escolher?

II. Comentários aos textos bíblicos

1. I leitura: Is 42,1-4.6-7

Estamos diante do primeiro poema do servo de Javé (49,1-9a; 50,4-11; 52,13-53,12). Trata-se de um servo que possui características e missão especiais. Muitas vezes não damos o devido destaque ao aspecto concreto das palavras nesse texto de Isaías. A missão do servo é realizar a justiça e promover o direito. Sua ação se desenvolve para além das fronteiras do povo de Israel e atinge todas as nações. Afinal, um projeto de vida e de sociedade construído a partir da justiça e do direito é muito e infinitamente superior ao projeto construído sobre os fundamentos da violência e da injustiça.

É interessante destacar que o projeto assumido pelo servo é também o projeto que está no coração e na vontade de Deus! Vale a pena observar algumas palavras que remetem à relação de Deus com o servo por meio das seguintes palavras: Meu servo, eu o sustento; meu escolhido, nele me agrado. O servo está umbilicalmente ligado a Deus e não pode ser pensado longe dele. O projeto do servo, portanto, também é o projeto de Deus. Vale dizer que o projeto do servo está no coração de Deus! Pois bem, é essencial compreender que a missão do servo se faz relacionalmente, ou seja, ele existe para os outros, está a serviço para implantar a justiça. Mas como? Abrindo os olhos dos cegos, tirando os presos da cadeia e levando para a luz os que vivem no escuro. Uma verdade incontestável: o servo cumpre a vontade de Deus quando se aproxima solidariamente das pessoas mais fragilizadas da sociedade. Nesse sentido, todas as vezes que formos em direção aos pequeninos da sociedade, estaremos caminhando em direção a Deus.

2. II leitura: At 10,34-38

“Deus não faz diferença entre as pessoas”: poderia ser o título da catequese para a vida. Mas Pedro chegou a essa conclusão a partir de uma experiência real na casa de Cornélio. Enquanto Pedro queria separar, Deus queria unir. Não existe, de fato, teologia da separação, diferenciando os que são daqueles que não são; os melhores dos piores; os fortes dos fracos; os ricos dos pobres. Para fundamentar sua experiência, Pedro coloca em cena o próprio Jesus, que peregrinava pelas estradas fazendo o bem e curando a todos. Pedro reconhece que o evangelho não pode ser reduzido a uma redoma de vidro que privilegia alguns poucos em detrimento de muitos.

A descoberta do apóstolo é que as boas-novas possuem caráter universal e, ao universalizar a mensagem de Jesus, todas as barreiras levantadas pelos preconceitos humanos devem ser derrubadas. O evangelho não é, portanto, instrumento de construção de barreiras que nos impedem de caminhar em direção aos outros. É, sim, um instrumento que nos leva a caminhar em direção ao outro através de pontes de libertação. Um evangelho que não derruba barreiras deve ser revisto. Todo evangelho, necessariamente, deveria levar-nos a superar os preconceitos que edificamos e pensamos que são eternos. A universalização do preconceito cria infernos em nosso cotidiano e inviabiliza a construção de uma sociedade na qual Jesus seja tudo em todos. Porque o amor de Jesus inclui a todos indistintamente.

3. Evangelho: Lc 3,15-16.21-22

Na segunda leitura, Atos 10,34-38, lemos como Deus ungiu a Jesus com o Espírito Santo e com poder. Na leitura do evangelho deparamos com duas grandes figuras: João Batista e Jesus. Entre os dois está o povo que procura pelo Messias. A atitude do Batista é permeada de humildade. Sente-se apenas como bússola que indica a melhor direção. A sua humildade é exemplar: ele sabe que não está em condições nem mesmo de desamarrar a correia das sandálias de Jesus. João é consciente de sua indignidade para prestar a Jesus ainda que fosse o mais humilde dos serviços de escravo, pois eram os escravos que desatavam as correias das sandálias de seus senhores. O Batista não está preocupado com posições e poder.

Mesmo que a pregação de João Batista tenha aumentado no povo a esperança da próxima vinda do Messias e de que ele mesmo fosse o Messias, no coração do Batista resplandecia a beleza do Cristo. Tudo em João apontava para Jesus. Ele não chamava para si a luz dos holofotes. Sabedor de sua missão, retirava-se para que as luzes atingissem em cheio aquele que deveria reinar eternamente. O poder de Jesus se manifesta no agir de João, que batiza apenas com água; Jesus batiza com o Espírito Santo e com fogo. Não que a água não seja importante. Percebe-se, na verdade, que a ação de Jesus vai bem mais longe.

Tanto nos vv. 15-16 quanto em 21-22, destaca-se a presença do Espírito Santo. Nos primeiros versos, indica-se que Jesus batizará com o Espírito Santo e com fogo; e nos últimos versos, que o Espírito Santo desce sobre Jesus no batismo, não somente o tomando por completo, mas também ratificando sua identidade: realmente ele é Filho de Deus, pois gerado por Deus. Aquele que está repleto do Espírito pode batizar com o Espírito.

A equação parece simples: ninguém pode dar o que não tem. Jesus é a vida e concede vida; Jesus tem o Espírito e batiza com o Espírito. Em Jesus se encontra a plenitude da vida e a vida somente pode ser completa em nós ao assumirmos a vida de Jesus. O que Jesus é se manifesta em suas relações e palavras. Tudo o que ele é se reproduz naqueles que a ele aderem. E, sem dúvida, a mesma lógica ele espera que haja em nós: que ela se repita e se multiplique em nossos relacionamentos, palavras e ações.

Se no início o Espírito pairava sobre as águas, produzindo ordem em meio ao caos, agora a presença do Espírito em Jesus cria ordem em todos aqueles/as que a ele aderem. Em meio ao caos que em muitos momentos se apresenta na vida, é necessária a presença do único princípio capaz de anular a força ameaçadora do caos e da destruição. Trata-se do princípio da criação a partir de cada vida! A partir desse momento, a missão do Filho é a mesma missão do Pai.

III. Pistas para reflexão

- Uma das questões mais difíceis para o ser humano é aquela relacionada com o poder, que na verdade é considerado o mais terrível vírus a infectá-lo. Ninguém está livre dele! Trata-se de uma tentação constante e contínua. Dificilmente nos vemos como servos. A preocupação de muitos é com as posições que podem ocupar e com o poder que terão em cada uma dessas posições. Não valeria a pena recuperarmos o exemplo de João Batista?

- Quais preconceitos trazemos dentro dos nossos corações? Sim, sabemos que Deus não faz diferença entre as pessoas e temos convicção disso. Mas o que dizer de nós? Via de regra, quase ninguém se reconhece como preconceituoso. Mas basta uma cena do cotidiano para verificarmos que o preconceito que trazemos dentro de nós é muito mais forte do que jamais havíamos pensado. Não é verdade que temos a tendência de dividirmos as pessoas entre melhores e piores, fortes e fracos, ricos e pobres, inteligentes e ignorantes, e decidirmos sempre pelos que são em detrimento daqueles que não são?

Luiz Alexandre Solano Rossi

Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), pós-doutor em História Antiga pela Unicamp e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no Programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da PUC-PR. Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó e Deus se revela em gestos de solidariedade. E-mail: [email protected]