Roteiros homiléticos

11 de novembro – 32º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Maria de Lourdes Corrêa Lima

DAR NÃO SÓ O SUPÉRFLUO, MAS MESMO DO NECESSÁRIO

INTRODUÇÃO GERAL O tema predominante na liturgia deste domingo é dado pela correspondência entre o episódio da viúva pobre no templo (Evangelho) e o da viúva de Sarepta (1ª leitura). A partir daí, pode-se compreender a crítica que Jesus faz aos escribas e a dimensão do sacrifício de Cristo tematizado na carta aos Hebreus. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS I leitura (1Rs 17,10-16) O texto de 1Rs 17,10-16 faz parte do início das narrativas acerca do profeta Elias (cf. 1Rs 17-19; 21; 2Rs 1-2). O contexto da cena é a grande seca enviada pelo Senhor (v. 1). O rei Acab promovia o culto ao deus cananeu Baal, ao qual era atribuída a chuva e a fertilidade dos campos. Com a seca, o Senhor mostrava a inoperância do deus cananeu e a potência de sua palavra, que fechava os céus. Elias recebe a ordem de habitar em território fenício, na região de Sarepta (v. 9), a cerca de 15 km ao sul da cidade de Sidônia. Tratava-se de um território pertencente ao sogro do rei. Apesar de não ser do domínio de Israel, as realizações de Elias naquela região demonstravam o grande poder do Senhor, que ultrapassava as fronteiras israelitas. Elias é um profeta chamado individualmente por Deus, não ligado à corte ou a um grupo de profetas e, por isso, quando não se encontra em sua própria morada, depende da hospitalidade e da caridade de outrem. Deus o adverte de que uma viúva lhe virá em auxílio (v. 9). É exatamente alguém naturalmente desprotegido na sociedade israelita e, nas circunstâncias da grande seca, particularmente em situação de necessidade, o instrumento de Deus para vir em socorro de seu profeta. Deus se serve dos frágeis, mas generosos, para melhor manifestar a sua força. É a viúva quem dará sustento ao grande Elias. Ela possui, em sua indigência, muito pouco. Mas esse pouco será o princípio a partir do qual ela tirará sustento para si, para seu filho e para o profeta, e por um longo tempo (v. 15). Julgando segundo razões bem plausíveis, a mulher expõe sua quase impossibilidade de atender ao pedido do profeta por um pouco de pão. Elias, porém, mantém-se firme em sua solicitação e dela exige o pouco que ainda lhe resta. Mas apoia essa exigência na confiança de que o Senhor cuidará da situação (“Não temas, não te preocupes!”, v. 13) e garantirá a sobrevivência dos três durante o tempo da seca (v. 14). Crendo na Palavra de Deus, transmitida pelo profeta, a viúva obedece e vê sua generosidade recompensada pela manutenção dos víveres mais necessários à vida e que, no momento de seu encontro com Elias, estavam prestes a acabar (v. 15). Deus garante o alimento; Ele é quem dá o sustento necessário à vida. E o dá para ser partilhado. Evangelho (Mc 12,38-44) O texto do Evangelho são as últimas palavras de Jesus antes do discurso escatológico, último de sua vida pública (cf. Mc 13), e antes da paixão. É como uma última indicação das disposições que deve ter seu discípulo. O texto da liturgia possui duas partes: nos v. 38-40, Jesus admoesta os discípulos quanto ao comportamento dos escribas; os v. 41-44 trazem a cena da viúva pobre que deposita seu donativo no templo. Aproximando os dois temas, o evangelista quis colocar em contraste os escribas e a pobre viúva, colocando essa última como modelo. Na primeira parte (v. 38-40), Jesus começa com uma advertência: “Guardai-vos dos escribas... cuidado com os escribas” – chamando a atenção para a necessidade de se estar atento e não se deixar influenciar pelo comportamento dos mesmos. Em seguida, aponta duas atitudes dignas de crítica. Primeiramente, a procura de reconhecimento e elogios, através do uso de túnicas usadas para sair, vistosas e eventualmente ricas (o termo grego stolé indica por vezes a veste do rei ou do sacerdote: cf. 2Cr 18,9; Est 6,8; Ex 28,2); do gosto de serem saudados por primeiro, o que demonstrava sua importância; da satisfação em ocupar os primeiros postos na sinagoga, reservados a personalidades importantes (ou ao menos seus próprios lugares, já que os escribas não se sentavam junto com o povo, nas sinagogas, mas em lugares especialmente reservados), e os lugares ao lado de quem oferecia um banquete (cf. Lc 14,18ss). Em segundo lugar, o desejo de possuir bens, mesmo daqueles que eram objeto de proteção especial de Deus (viúvas e órfãos: cf. Ex 22,21-22). “Devorar as casas” significa apropriar-se ilicitamente, talvez através dos altos preços exigidos por consultas jurídicas. Tal atitude é agravada por ser levada a efeito por pessoas que “ostentam longas orações”. Jesus critica, assim, os escribas por sua pretensão de ter, na comunidade, uma posição de destaque em virtude do conhecimento da Lei. O que deveria ser um serviço à comunidade torna-se motivo de autopromoção e de dominação. Sua crítica termina com uma condenação, que equivale a um juízo divino escatológico (assim o expressa o termo grego kríma, sentença, julgamento). Os escribas receberão um julgamento mais severo, porque eram conhecedores da vontade de Deus e porque serviam-se de pessoas frágeis para seus propósitos escusos. A segunda parte do Evangelho de hoje (v. 41-44) se passa na sala do tesouro do templo, no átrio das mulheres, onde havia três cofres destinados a receber as ofertas dos fiéis. Os doadores diziam em voz alta o valor que depositavam e o entregavam a um sacerdote. Desse modo, Jesus podia conhecer o que era oferecido. O evangelista apresenta duas contraposições: muitos ricos – uma só viúva; ofereciam muito – ofereceu duas moedinhas. Essa contraposição faz ressaltar a pobreza da viúva e a sua posição desfavorável. Ela oferece duas “lepta” ou um “quadrante”, respectivamente, as menores dentre as moedas gregas e romanas. O ensinamento de Jesus aos seus discípulos é solene: “Em verdade vos digo” – ele dará uma sentença verídica sobre o fato. A oferta da pobre viúva supera a dos ricos, porque é seu tudo. Os ricos nada têm de prejuízo com o que dão, pois dão do seu supérfluo. A viúva dá tudo o que tem. Ela poderia ter dado só uma moeda, mas deu as duas que tinha e, por isso, seu sacrifício é maior e mais autêntico, mais generoso. Quem dá o que lhe sobra não vê tocada sua própria existência, que continua segura. Doando tudo o que tinha para viver, a viúva professou concretamente seu amor e total adoração a Deus, a entrega a Ele de sua vida e, simultaneamente, a confiança na sua providência. Não basta dar a Deus o supérfluo; Deus não quer de nós alguma coisa, mas, sim, Ele nos quer. Jesus não fez à pobre viúva do templo uma promessa de sustento, como o fez o profeta Elias em Sarepta. A viúva do templo tem sua recompensa a partir de seu próprio ato. Se ela assim se dá a Deus... Que não dará Deus a ela? De outro lado, se ela assim se doa a Deus, este deve ser também o modelo de sua doação aos outros. Nossa solidariedade com todos não se pode expressar só em dar o nosso supérfluo, mas também o que nos é necessário, não só materialmente, mas também nosso tempo, nossa atenção, nossa compreensão, nossa paciência... Enfim, nós mesmos. A viúva é, assim, colocada como exemplo, embora na sociedade de então não ocupasse nenhum destaque (por ser mulher, e sem marido, sem proteção; e por ser pobre). Ela é exemplo que resume em si, de certa forma, a atitude do ser humano diante de Deus. II leitura (Hb 9,24-28) O texto da carta aos Hebreus de hoje faz parte do trecho 8,1–9,28, que traça a contraposição entre o modo de garantir o acesso a Deus nos sacerdotes do Antigo Testamento e em Jesus. Jesus realiza um novo sacrifício, que supera infinitamente os do Antigo Testamento. Porque não foi feito num templo humano, em Jerusalém, mas chegou ao céu e abriu a face de Deus em nosso favor (v. 24). E porque não precisa ser realizado muitas vezes, mas uma só (v. 25-26). Por que não precisa ser repetido? Primeiramente, porque cumpriu em si todas as exigências da oferta, da adoração a Deus. Não pode haver nada de maior. Seu mistério pascal supõe o mistério da encarnação da Segunda Pessoa Divina; por ser o sacrifício de Deus encarnado, esse sacrifício é absolutamente único. Em segundo lugar, porque tal doação a Deus é capaz de realizar plena e incomparavelmente a comunhão do ser humano com Deus. Ele realizou a salvação de modo pleno, cabal (v. 28). Aqui se abre a dimensão cristológica do discipulado exposto no Evangelho. Se a viúva é modelo do discípulo por dar-se totalmente a Deus (e, daí derivando, também seu amor ao próximo), a carta aos Hebreus, lida nesse contexto, mostra que Jesus é o modelo do discípulo, também porque ofereceu a Deus todo o seu ser, sem nada reter, incluindo sua vida e sua morte. Ele deu realmente tudo o que tinha (cf. Mc 12,44). DICAS PARA REFLEXÃO – Estou atento ao fato de que Deus pode manifestar-se não só no que é mais vistoso, mas também nos mais frágeis, nos indigentes, nos sem-nome? – Como é meu serviço na comunidade eclesial? É realmente um serviço a Deus e a meus irmãos, ou a mim mesmo? – Sei estar diante de Deus em atitude de adoração, para oferecer-lhe toda a minha vida, todo o meu ser? Sei que essa oferta tem como modelo último o próprio Senhor, que deu a sua vida por nós?

Maria de Lourdes Corrêa Lima