Roteiros homiléticos

11 de outubro – 28º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Celso Loraschi

Viver com sabedoria

Introdução geral

As leituras deste segundo domingo do mês das missões nos levam a refletir sobre os verdadeiros valores que devem orientar a nossa vida. A primeira leitura apresenta o testemunho (atribuído a Salomão) de uma pessoa que suplicou ao Senhor o dom da sabedoria, considerada o maior de todos os tesouros e a mãe de todos os bens. O Evangelho de Marcos apresenta um homem rico que não consegue ser sábio. Ele procura Jesus para perguntar-lhe o que deve fazer para herdar a vida eterna. A orientação que Jesus lhe dá o deixa entristecido, pois implicaria a renúncia ao acúmulo dos bens a fim de partilhar com os pobres. O homem sai pesaroso, e Jesus, olhando ao seu redor, radicaliza: “É mais fácil um camelo entrar pelo fundo da agulha do que um rico entrar no reino de Deus”. Essa afirmação causou espanto até mesmo aos discípulos e questiona profundamente também os cristãos de hoje. É exemplo do que a carta aos Hebreus proclama: “A palavra de Deus é mais penetrante do que uma espada de dois gumes...”.

Comentário dos textos bíblicos

  1. I leitura (Sb 7,7-11): O dom da sabedoria

O livro da Sabedoria é resultado da reflexão dos judeus que se encontram em Alexandria, no Egito, ao redor do ano 50 antes de Cristo. O tema da sabedoria faz contraponto à ideologia dos governantes do Egito, com suas atitudes de dominação e de perseguição aos judeus. O caminho da sabedoria não segue a proposta idolátrica dos ímpios, que concebem a vida como oportunidade para toda espécie de prazer, desfrutando gananciosamente os bens presentes e perseguindo os justos. Em sua autossuficiência, descartam por completo a existência de Deus e não acreditam na vida após a morte. Os justos, porém, têm a Deus por pai e confessam que ele criou o ser humano para a imortalidade (cap. 2). A vida, portanto, não se resume no gozo do momento presente. Seu sentido verdadeiro somente as pessoas sábias conhecem.

Para dar maior importância e credibilidade à proposta da sabedoria, o escrito é atribuído a Salomão, que, na tradição judaica, é considerado o rei sábio por excelência (mesmo que historicamente ele não tenha sido tão sábio e tão justo como se apregoava). Esse Salomão idealizado pelos autores do livro tem consciência de ser uma pessoa comum como todas as demais, que nasceu e cresceu como todos os humanos e sabe que sua vida na terra é transitória. Sua grande preocupação é viver e governar segundo a justiça. Isso será possível pela aquisição da sabedoria que vem de Deus. Por isso, ele a suplica com persistência, e Deus a concede generosamente.

A sabedoria é contemplada como o maior bem que uma pessoa possa adquirir, acima de todo poder e riqueza, “pois todo o ouro, ao lado dela, é como um punhado de areia”. Deve ser amada “mais que a saúde e a beleza”. Essas coisas passageiras somente adquirem seu valor verdadeiro quando iluminadas pelo brilho da luz sem ocaso, que é o da sabedoria, “a mãe de todas as coisas”. Por ela distingue-se o verdadeiro absoluto em quem devemos depositar toda a confiança.

Quando o livro foi escrito, o povo de Israel tinha conhecimento de que a sabedoria fazia parte dos dons do Espírito de Deus, conforme anunciara o profeta Isaías, referindo-se à descendência de Davi: “Sobre ele repousará o espírito do Senhor, espírito de sabedoria e de inteligência, espírito de conselho e de fortaleza, espírito de conhecimento e de temor do Senhor” (Is 11,2). A sabedoria, junto com os demais dons do Espírito Santo, possibilita-nos orientar a nossa vida segundo os desígnios de Deus. É dom de Deus e, por isso, deve ser pedida com confiança. Jesus constatou que a sabedoria divina é revelada de modo especial entre os pobres e pequeninos e é ocultada aos grandes e “inteligentes” deste mundo (Mt 11,25-26).

  1. Evangelho (Mc 10,17-30): Qual o jeito sábio de viver?

Jesus, com seus discípulos, encontra-se em caminhada para Jerusalém. Essa viagem tem, sobretudo, uma finalidade pedagógica. O episódio do homem rico vem proporcionar oportunidade especial para Jesus esclarecer qual relação seus seguidores devem ter com os bens materiais. O homem rico é representativo de todos os que se consideravam justos por cumprir a lei de Deus, conforme as orientações do sistema religioso oficial. A mentalidade dominante via na riqueza o sinal concreto de bênção divina (teologia da retribuição). Aquele homem estava convencido disso e dirige-se a Jesus cheio de confiança em seus próprios méritos. Ele corre e ajoelha-se diante de Jesus. Demonstra estar ansioso por encontrar-se com o “bom mestre” para ser confirmado em sua mentalidade e atitudes. Jesus, porém, desarma-o já de início (talvez por perceber uma intenção de bajulação): “Ninguém é bom senão só Deus”.

O homem manifesta preocupação com a conquista da vida eterna. Considera-se uma pessoa justa, um judeu perfeito e, portanto, em seu íntimo espera que Jesus lhe diga que está no rumo certo. De fato, no primeiro momento, Jesus o interpela sobre o caminho indicado pelos mandamentos. Cita, porém, somente aqueles que se referem à relação com o próximo, acrescentando “não defraudes ninguém”. É uma indicação de que os muitos bens que o homem possuía eram resultado da defraudação dos bens devidos aos outros. Cai por terra a concepção teológica de que o acúmulo seria sinal de bênção divina. Estaria o homem disposto a entrar na dinâmica da teologia do reino de Deus?

Jesus lhe demonstra muito amor, mostrando-lhe como poderia ser verdadeiramente livre, sábio e justo: “Vai, vende o que tens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me”. Como se vê, enquanto o homem está preocupado com a vida eterna para si mesmo, Jesus preocupa-se com os seres humanos que neste mundo não possuem o necessário para viver. A vida eterna está garantida a quem segue Jesus na prática do amor para com as pessoas necessitadas. É no serviço abnegado ao próximo que encontramos a plena realização já neste mundo. Assim contribuímos para a construção de uma sociedade nova – o reino de Deus –, que se fundamenta nas relações de justiça e fraternidade. Para isso, precisamos vencer o grande empecilho que é o apego aos bens materiais. Aquele homem rico não conseguiu dar o passo de aceitar o convite de Jesus, tornar-se seu discípulo e ter um tesouro no céu. Decepcionado com o desfecho do diálogo com Jesus, foi-se embora entristecido, “pois era possuidor de muitos bens”. Apesar de ser cumpridor das leis religiosas oficiais, demonstrou que seu deus era o dinheiro.

Jesus continua a aprofundar a reflexão com seus discípulos: “Como é difícil a quem tem riquezas entrar no reino de Deus... É mais fácil um camelo entrar pelo fundo da agulha...”. O contraste evidente entre o camelo e o buraco de agulha mostra a impossibilidade de um rico renunciar às seguranças e ao poder que a riqueza lhe dá para promover a justiça social. O espanto dos discípulos revela que também eles ainda estão imersos na mesma lógica do homem rico: “Então, quem pode ser salvo?” A resposta que Jesus lhes dá ressalta que a graça de Deus pode proporcionar a conversão também aos ricos, “pois para Deus tudo é possível”.

Aos discípulos que deixam tudo para segui-lo, Jesus lhes garante que usufruirão os benefícios do reino de Deus, isto é, da sociedade justa e fraterna. Nela não haverá discriminação nem miséria, e sim acolhida, afeto, partilha, vida em abundância para todos e, “no mundo futuro, a vida eterna”. É proposta construída pelos que se fazem últimos e servos de todos e que contradiz (por isso atrai perseguição) a dos primeiros (ricos e poderosos). Todos estão convidados por Jesus a desvencilhar-se da escravidão do dinheiro para se tornarem agentes do novo mundo. Esse é o jeito sábio de viver.

  1. II leitura (Hb 4,12-13): A eficácia da Palavra de Deus

Após a morte, ressurreição e ascensão de Jesus, as comunidades cristãs alimentam sua vida de fé e de amor especialmente por meio da palavra de Deus. O breve texto da carta aos Hebreus faz parte de um contexto maior (3,1-13), em que os autores aprofundam o tema da fé como condição para entrar no repouso de Deus. Constata-se que as comunidades a quem a carta é dirigida encontram-se em situação de sofrimento, de dúvidas e de instabilidade quanto à perseverança na fé em Jesus Cristo. O acontecimento do êxodo é evocado como luz e força para a caminhada dos cristãos, na certeza de que alcançarão o repouso prometido por Deus. Para isso, deverão permanecer vigilantes, a fim de não cair nas mesmas tentações em que caiu o povo de Israel na caminhada pelo deserto, quando endureceu o coração e não ouviu a voz do Senhor.

As comunidades cristãs formam o novo povo de Deus em caminhada para a terra prometida. Como no antigo êxodo, o caminho guarda perigos de toda espécie. Conquistarão o repouso prometido os que perseverarem na fé em Jesus, o verdadeiro líder que guia o povo à terra da liberdade e da paz. Deus falou de muitos modos antigamente por meio dos profetas e agora, por meio de seu Filho, Jesus (Hb 1,1).

A prática da palavra de Deus se dá no seguimento de Jesus, que é Palavra viva porque produz vida em abundância. Ele afirmou que suas palavras são “espírito e vida” (Jo 6,63); não são letra morta. Jesus, a Palavra que se fez carne, trouxe vida ao mundo. Ela é eficaz porque Deus realiza o que diz, cumpre o que promete; é eficaz também porque quem a pratica produz muitos e bons frutos, da mesma maneira que fez Jesus. Ela é cortante como uma espada de dois gumes, isto é, não há realidade que ela não possa penetrar, não há segredos que não possam ser descobertos, não há transgressão que não possa ser denunciada, não há escuridão que não possa ser iluminada, enfim, não há situação que não possa ser transformada. Ela julga as disposições e as intenções do coração, pondo tudo a descoberto. Baseadas na palavra de Deus, as comunidades cristãs podiam confiar plenamente nas promessas divinas e caminhar com coragem e perseverança na fidelidade ao seu plano de amor e de salvação que se realizou plenamente em Jesus Cristo. Nós podemos também!

III. Pistas para reflexão

O discípulo missionário do Senhor vive com a sabedoria que vem de Deus. Por ela sabemos discernir e praticar os verdadeiros valores. Sabemos responder com generosidade à vocação que Deus nos dá. Por ela exercemos a profissão com honestidade. A pessoa sábia resiste a toda espécie de maldade e se torna portadora da graça de Deus no mundo. A pessoa sábia é a que se esforça para fazer o bem sempre e em todo lugar...

A sabedoria se adquire e se cultiva pela oração e pela meditação da palavra de Deus. Esta constitui o fundamento para a vida de fé e de perseverança no caminho do bem. A palavra de Deus é viva, eficaz, cortante como espada de dois gumes, torna-nos verdadeiros...

Somos peregrinos neste mundo, em caminhada para a terra prometida. Sem a palavra de Deus, desorientamo-nos e somos levados por tantas outras “palavras” que o mundo nos oferece, como o apelo ao acúmulo de bens materiais, ao consumismo, à preocupação com o prestígio social, à busca ansiosa do prazer. Precisamos aprender com Jesus a não entrar na mentalidade dominante e a desvencilhar-nos de todas as amarras que tornam nossos passos pesados. Seguir Jesus é aprender a caminhar na liberdade e leveza por meio da atitude de partilha e serviço mútuo.

Celso Loraschi

Mestre em Teologia Dogmática com Concentração em Estudos Bíblicos pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, São Paulo, professor de Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos na Faculdade Católica de Santa Catarina (Facasc) e assessor do Cebi, SC. E-mail: [email protected]