Roteiros homiléticos

12 de abril – 2º DOMINGO DA PÁSCOA

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

A experiência de fé na comunidade é a melhor experiência

I INTRODUÇÃO GERAL

Jesus já ressuscitou. Às vezes é mais fácil acreditar na ressurreição de Jesus do que permitir que o Ressuscitado viva em nós e através de nós. Muitas vezes não entendemos que a fé é comunitária. Queremos seguir por caminhos isolados, evitando encontros e conversas. Esquecemo-nos de que fazemos parte do Corpo de Cristo e de que isso indica total interdependência de todos os membros. Existimos na comunidade para o outro e o crescimento na fé acontece de forma comunitária. Todos são importantes e todos caminham juntos para o mesmo alvo e vocação: Jesus Cristo.

 II COMENTÁRIOS AOS TEXTOS BÍBLICOS

  1. I leitura: At 4,32-35

Vida comunitária é sinônimo de partilha. É na comunidade que nos descobrimos para os outros. Nela percebemos que somente existimos relacionalmente. Na comunidade, irmãos e irmãs se comprometem a viver dedicadamente um para o outro. A primeira leitura nos traz um retrato da comunidade-modelo. Ao aderir à fé em Jesus, o discípulo vive na dimensão da partilha – “a multidão dos que acreditavam era um só coração e uma só alma” (v. 32) – e, por conta disso, ninguém passará necessidade: “De fato, entre eles não havia nenhum necessitado” (v. 34).

Nesse novo estilo de vida não há necessidade de acúmulo. A noção que fundamenta essa percepção pode ser a seguinte: todas as vezes que acumulamos, deixamos um espaço vazio nos outros. Toda forma de acúmulo é inequívoco sinal de que algo falta para alguém sobreviver dignamente. Pode-se ler esse texto como clara crítica à nossa sociedade de consumo, que prioriza o individual em detrimento do comunitário. Nela, somos o que compramos e somente temos algum valor enquanto consumimos continuamente. De fato, estamos diante de um efeito perverso da prática da solidariedade. Afinal, como partilhar se nunca sobra nada? Como partilhar se todos os meus desejos ainda não foram satisfeitos e a probabilidade de um dia serem é muito remota? Fora do consumo, nesse sentido, não há salvação.

Atos 4,32-35 constitui uma fotografia da primeira comunidade que sempre deveria nos acompanhar. Nela encontramos a realidade primeira, o cotidiano e a forma de os primeiros discípulos e discípulas viverem a vida do Ressuscitado em comunhão uns com os outros. Ao olhar para a fotografia de ontem, podemos também olhar para a nossa realidade e refletir sobre se estamos perto ou longe do modelo deixado nos Atos dos Apóstolos.

  1. II leitura: 1Jo 5,1-6

A segunda leitura nos indica o sinal por excelência que fala ao coração: o homem Jesus, em quem Deus se manifestou ao mundo. Em 1 João, a comunidade está inserida no mundo (na história) e não pode negá-lo. Ao contrário, mesmo no mundo, deve assumi-lo como um projeto missionário. Sem dúvida são projetos distintos, e, por isso, os conflitos emergirão cedo ou tarde. Mas é precisamente em meio aos conflitos da história que a comunidade dá o seu testemunho, vivendo à luz dos mandamentos.

Amar a Deus e praticar os mandamentos são as características dos discípulos. Somente é possível viver no mundo amando a Deus e praticando seus mandamentos. Diga-se, de passagem, que o texto bíblico não fala em memorizar os mandamentos, não se trata de recitação de belas palavras; mandamentos exigem a prática!

  1. Evangelho: Jo 20,19-31

A repreensão dirigida a Tomé nos convida a distinguir entre a prova e o sinal. Mas a fé não admite nenhuma demonstração. Ela não pode fazer mais do que surgir livremente dos sinais que nos são propostos. Contemporaneamente, parece que tudo é reduzido a provas. Até mesmo canonizamos a prova em detrimento do sinal. Por que não dizer que a fé somente pode nascer do único lugar capaz de ler os sinais, isto é, do coração? Tomé sente a dúvida crescer quanto mais se afasta da comunidade. Somente no meio da comunidade é que podemos crescer no amor e na unidade. Apenas na comunidade é que podemos fazer a experiência de fé que nos leva ao coração do Ressuscitado. Tomé não tinha uma fé amadurecida. Ela se encontrava em processo de maturação. O texto do evangelho não chega a dizer se Tomé tocou em Jesus. Mas traz, em compensação, uma declaração pública de fé daquele que, a partir desse momento, passou a acreditar de todo o coração. No entanto, não podemos nos esquecer de que Jesus também dirige a cada um de nós uma palavra importante, que pode ser assim demonstrada: “Felizes os que creem sem ter visto”. Essa palavra nos retira da zona de conforto e nos leva a exercitar uma fé amadurecida e sincera. A experiência do Ressuscitado nos transforma em verdadeiros anunciadores da maior força que já existiu em toda a história humana, isto é, a única força capaz de vencer a morte!

Tomé quer acreditar, mas do jeito dele. Querendo acreditar, faz o caminho inverso. Parece um discípulo mesquinho que se afasta do testemunho da comunidade. Ele somente acreditava segundo seus padrões já estabelecidos. Ao desejar uma manifestação pessoal e especial de Jesus ressuscitado, talvez estivesse desejando controlá-lo e manipulá-lo. Talvez quisesse um ressuscitado à sua imagem e semelhança. Ele individualiza a experiência comunitária ao dizer por três vezes: “Se eu não ouvir [...] se eu não colocar [...] se não colocar”. Egoisticamente reduz a experiência coletiva do Ressuscitado à sua própria experiência.

Portas fechadas indicam medo e insegurança. Pois é exatamente nesse ambiente marcado pelo medo que Jesus aparece, se coloca bem no meio dos discípulos e os saúda com a paz. O Cordeiro que havia vencido a própria morte se apresenta com os sinais da vitória. Há comunhão e alegria no ar. Uma demonstração de todos aqueles que se encontram com Jesus. E a partir do encontro, a comunidade se fortalece para a missão. Não se fazem discípulos sem missão. Ser discípulo é assumir responsabilidades, e não privilégios. Jesus bem sabia disso e, por isso, diz enfaticamente: “Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês” (Jo 20,21). Fortalecidos pela presença do Espírito, eles poderão estabelecer novas formas de convivência por meio das quais o pecado que separava uns dos outros cederá lugar ao reino do perdão e do amor mútuo.

Jesus chega trazendo a paz ao coração daqueles que estavam perturbados. Jesus é o doador da paz. Se o tirarmos do centro de nossa vida, teremos o caos inevitável. E ele não somente traz a paz, mas também pede que essa mesma paz seja levada a outras pessoas. Quem vai garantir a missão da comunidade é o Espírito Santo. Jesus, entre os seus, é o próprio criador da comunidade. Se a comunidade tem medo, agora ela passa a se guiar pela presença de Jesus ressurreto. Já não há espaço no coração para o medo, pois ele está totalmente ocupado com a presença de Jesus. Um Espírito que gera força e relembra simbolicamente a ação de Javé quando criou o ser humano.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

– Somos desafiados, em nossa sociedade de consumo, a viver segundo o conceito de “suficiente”. Há a necessidade de fazermos uma autocrítica: a Igreja corre o sério risco de se descaracterizar, de perder sua identidade, tão peculiar e distinta das demais organizações da sociedade se adota mentalidades difusas, diferentes de sua índole própria e da especificidade cristã, como a mentalidade do acúmulo. E essa descaracterização faz que ela se massifique com base em uma mentalidade de informações superficiais que mais alienam do que produzem solidariedade. Não nos esqueçamos de que uma sociedade irrelevante, com um projeto irrelevante, também deseja uma Igreja com teologia e prática sem relevância.

– Todo discípulo é um missionário. O chamado de Jesus para a evangelização sempre foi plural. Nesse chamado todos somos incluídos. E, nesse caso, não há a necessidade de uma vocação sacerdotal para a realização da missão. Devemos, como discípulos e missionários de Jesus Cristo, florescer onde estamos plantados, seja em meio à família, na escola, no trabalho, entre os amigos etc.

Luiz Alexandre Solano Rossi

Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Unicamp e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da PUCPR. Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó; Como ler o livro de Jeremias; Como ler o livro de Abdias; Como ler o livro de Joel; Como ler o livro de Zacarias; Como ler o livro das Lamentações; A arte de viver e ser feliz; Deus se revela em gestos de solidariedade. E-mail: [email protected]