Roteiros homiléticos

13 de janeiro – BATISMO DO SENHOR

Por Pe. José Luiz Gonzaga do Prado

INAUGURAÇÃO DE UM NOVO TEMPO

I. INTRODUÇÃO GERAL O batismo de Jesus é o ponto inicial do evangelho e dos evangelhos. A palavra grega evangelho significa “boa notícia”. Daí veio o título dado aos quatro livros que nos apresentam as diferentes faces de Jesus. É o ponto inicial dos evangelhos, porque foi por aí que começou o Evangelho segundo Marcos, o primeiro dos quatro, dando a entender que a pregação do Batista era o “começo da boa notícia do Messias Jesus”. É o ponto inicial do evangelho, porque a “boa notícia do Messias Jesus” ou “do reinado de Deus” tem início ou começa a se divulgar a partir do momento em que Jesus se faz discípulo do Batista. Se, no contexto do império romano, evangelho era a “boa” notícia da chegada do imperador ou do reinado de Roma a determinado lugar, agora significa a boa notícia da chegada de Jesus e do reinado de Deus. Hoje sofremos com o reinado do dinheiro e da competição. Ai dos vencidos, dos “incompetentes”. Até a natureza vai sendo arrasada pela cobiça. O reinado de Deus é boa notícia porque é diferente, é outra coisa, aponta em outra direção. É o reinado da vida, da alegria de servir e dar a vida em favor de todos; é o reinado da mesa universal de irmãos, a qual celebramos na eucaristia. II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS 1. I leitura (Is 42,1-4.6-7) No episódio do batismo de Jesus, a descida do Espírito Santo e a voz do céu lembram esse poema do livro de Isaías. Isso quer dizer que Jesus veio realizar plenamente o que ouvimos na 1ª leitura. É o primeiro de quatro poemas que se encontram na segunda parte do livro de Isaías e cantam um servo do Senhor que, com sua maneira de agir, une o povo de Deus e se torna luz para todas as nações. Ele é humilhado, massacrado, mas vence pela resistência. Ao final, no quarto poema, seus opressores reconhecem que ele estava certo e eles, errados. (Esses poemas ou cânticos podem ser encontrados em Is 42,1-7; Is 49,1-6; 50,4-9; 52,13–53,12.) O texto de hoje é o poema que anuncia a vocação do Servo do Senhor. Ele é o escolhido, o querido, alegria do coração de Deus. O Senhor faz descer sobre ele o seu espírito para que ele leve o direito a todas as nações, a partir da sua terra, o país de Judá, até as ilhas ou continentes mais distantes. Sua maneira de agir é coerente com sua mensagem; para ele, o método é o conteúdo. “Não grita, não levanta a voz, lá fora, na rua, ninguém escuta o que ele está dizendo.” Não oprime o mais fraco, “não quebra o ramo já machucado nem apaga o pavio já fraco de chama. Fielmente promoverá o que é de direito, sem amolecer e sem oprimir”. O Senhor o encarregou de promover a união, a aliança do seu povo, e ser luz para as nações (v. 6). Os outros poemas vão dizer que ele é fiel a Deus, todo dia e o dia todo atento à sua palavra. Que encara a violência sem fazer violência, é coerente e tem a certeza de que, nas piores situações, Deus está do seu lado. Ele sofre, sofre terrivelmente, mas resiste, não se deixa abater, não perde a coragem nem desiste de sua missão. Por fim, os opressores, os mesmos que o fizeram sofrer e o consideravam o lixo da sociedade, reconhecem que ele estava certo e eles, errados. Esse é o projeto de Deus. O quarto poema ainda diz que, pelo caminho da coerência e da resistência, o Servo Sofredor, perseguido por ser justo, há de fazer que as multidões se tornem justas. Ninguém como Jesus preenche essas palavras. 2. II leitura (At 10,34-38) A leitura resume as primeiras pregações dos apóstolos. A trajetória missionária de Jesus começa quando, companheiro dos pobres e dos pecadores, ele se faz batizar por João. O batismo de João não é só o início dos livros dos evangelhos, mas também marca o começo da chamada “vida pública” de Jesus, o evangelho, a boa notícia do reinado de Deus. O livro dos Atos dos Apóstolos faz de Pedro o primeiro a levar a boa notícia de Jesus como Messias aos que não eram do povo judeu. Pedro está na casa de Cornélio, um oficial do exército romano na Judeia. Beneficiado por uma intervenção especial de Deus, que, por meio de uma visão, o orientou a procurar Pedro, Cornélio tinha mandado pedir que o apóstolo viesse à sua casa. Ele e seus dependentes estão prontos para ouvir a mensagem do evangelho. Pedro fala: o começo de tudo foi o batismo de João. A partir daí, ungido por Deus com o Espírito Santo, Jesus passou a fazer o bem a todos os sofredores (todos os sofrimentos eram então atribuídos ao diabo, o inimigo do reinado de Deus). Deus estava com ele. O início do evangelho, a verdadeira boa notícia, foi o batismo de João. 3. Evangelho (Lc 3,15-16. 21-22) O evangelho nos diz que Jesus começou por baixo, fazendo-se discípulo de João. A versão do Evangelho segundo Lucas, que lemos ou ouvimos hoje, começa com uma alusão ao batismo de toda a gente. Jesus se fez batizar como tantos que iam a João, reconhecendo seus pecados e tornando-se seus discípulos. O entrar e sair da água significava o começo de uma vida nova. Na água eram sepultados os pecados do passado e o subir do rio significava o começo de nova vida como discípulo do Batista. Segundo Marcos e Mateus, também Jesus vem à procura do batismo de João; como diz uma oração do Ritual do Batismo, vem “solidário com os pobres e pecadores”. Até então, é apenas mais um que se faz batizar por João. Quando Jesus sobe do rio, porém, ocorrem outros acontecimentos significativos. Lucas, como é do seu feitio, mostra Jesus em oração. Todos estavam se apresentando ao batismo. Depois de batizado, Jesus se põe a orar, momento em que os céus se abrem. Zacarias era considerado o último profeta; depois dele teria se encerrado a profecia. Deus não falava mais, o céu estava fechado. O que se podia fazer, então, era apenas seguir o que diziam aqueles que conheciam a lei de Deus e a explicavam – os escribas ou mestres da lei de Deus. Tudo estava previsto, nada de novo podia ou devia acontecer. Agora o céu se abre novamente, o que significa que Deus volta a falar. Jesus é o missionário do Pai, aquele que vem trazer novas revelações de Deus. Ele é um novo profeta, uma fala nova de Deus; traz na sua pessoa a mensagem de Deus para hoje, um recado diferente, novo e atual. Chega de submissão cega aos que se apoderaram da palavra de Deus! Deus abre a boca novamente: de agora em diante, vai falar por meio de Jesus. Abrindo-se o céu, o Espírito, segundo Marcos, o Espírito de Deus, segundo Mateus, o Espírito Santo, segundo Lucas, desce sobre Jesus. É o Espírito que falou pelos profetas, que ungiu os profetas. Nesse mesmo Evangelho de Lucas, em sua homilia programática na sinagoga de Nazaré, Jesus vai aplicar a si o texto de Isaías: “O Espírito do Senhor está em mim, ele me ungiu para eu anunciar a boa-nova...”. Se Deus agora fala, Jesus é o seu profeta, animado pelo seu Espírito. Lucas diz que o Espírito Santo desceu “em forma corporal de pomba”. Na história de Noé, a pomba que volta à arca com um ramo de oliveira no bico é sinal de paz, de que o dilúvio terminou e novamente a vida é possível na terra. Na tradição judaica, porém, a pomba é também símbolo da shekiná, a morada, a presença de Deus. É, sem dúvida, o que ela aqui significa. Reforça a ideia do Espírito de Deus que desce sobre Jesus. Com a descida do Espírito, a voz vinda do céu: “Tu és o meu Filho amado, em ti está a minha alegria” acentua mais ainda a ligação do episódio com o texto do livro de Isaías lido na 1ª leitura. Ali se diz: “É o meu escolhido, alegria do meu coração, eu pus nele o meu espírito, ele vai levar o direito às nações”. Tudo aponta para Jesus como aquele Servo de Javé ou do Senhor de cuja vocação e missão falam os quatro poemas. O primeiro poema, 1ª leitura de hoje, já diz praticamente tudo; como já comentamos, fala da vocação, da missão e da maneira de agir do Servo. Sua missão é dupla: unir o povo de Deus e iluminar todas as nações, implantar o direito no país de modo que as ilhas distantes aguardem suas instruções. Tudo isso está sendo dito agora de Jesus no evangelho. III. PISTAS PARA REFLEXÃO – A missão de Jesus é agora nossa missão: levar ao mundo a boa notícia de Deus, não dos impérios deste mundo. A palavra portuguesa alvíssaras, que os dicionários relacionam a “notícia alegre”, vem do árabe, língua irmã do hebraico. A palavra correspondente a ela no hebraico foi traduzida por evangelho, boa-nova. – A nossa pregação é, como a de Jesus, uma notícia alegre, que traz entusiasmo, coragem, esperança? O que chamamos de evangelização não se parece mais com simples doutrinação ou domesticação? Não se aproxima às vezes de uma “ciência inútil”, da transmissão de um conhecimento folclórico ou arqueológico sem qualquer peso na vida cotidiana? Ou consiste em passar informações sobre um ritualismo vazio e sem sentido? Ou formas de legitimação da ordem social e econômica vigente? – A notícia de um salvador humilde e sofrido, será que empolga? Até que ponto e para quem Jesus pode ser uma boa notícia? A coerência de quem “não apaga o pavio já fraco de chama nem quebra o ramo já machucado” encontra espaço na nossa cabeça? Isso pode ser boa notícia? Hoje? – O nosso batismo, os nossos batismos, serão início de boas notícias iguais a essas?

Pe. José Luiz Gonzaga do Prado

* Mestre em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e em Sagrada Escritura pelo Pontifício Instituto Bíblico. Autor dos livros A Bíblia e suas contradições: Como resolvê-las e A missa: Da última ceia até hoje, ambos publicados pela Paulus. E-mail: [email protected].