Roteiros homiléticos

13 de setembro – 24º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Celso Loraschi

Fé e seguimento

Introdução geral

As leituras deste segundo domingo do mês dedicado à Bíblia sugerem uma reflexão sobre a fé em Deus e a fidelidade ao seu plano de amor. Na primeira leitura, o profeta Isaías Segundo apresenta-se como o porta-voz do povo que sofre no exílio da Babilônia e faz a experiência do amor terno e eterno de Deus. Conserva o ouvido aberto aos apelos divinos e o coração dócil às suas palavras. Mesmo perseguido, caluniado e desprezado, guarda a certeza do socorro que vem de Deus. Por isso, permanece de pé diante das dificuldades e resiste com coragem às investidas dos seus opositores. Essa firmeza se alicerça na convicção de fé no Deus que se manifestou na história de Israel como libertador de toda a opressão. O evangelho de hoje indica em que consiste a fé em Jesus: não basta a confissão explícita de que ele é o Cristo. É preciso renunciar a si mesmo, renunciar a toda mentalidade triunfalista e segui-lo no caminho da cruz. Na segunda leitura, Tiago, em tom definitivo, esclarece: “A fé, se não tiver obras, está totalmente morta”. São palavras de Deus que iluminam os nossos passos e fortalecem o nosso ânimo no seguimento de Jesus em meio aos desafios da atualidade.

Comentário dos textos bíblicos

  1. I leitura (Is 50,5-9a): O socorro vem do Senhor

Esse texto de Dêutero-Isaías faz parte do terceiro cântico do servo sofredor. O servo é o povo exilado que, em meio à sua situação de dor e de abandono numa terra estranha, se sente amado e protegido por Deus. Não é só isso. Descobre que Deus lhe confia a missão de ser “luz para os povos”. Essa descoberta se dá porque o povo sofredor aguça os ouvidos ao plano divino, contrário ao plano dos opressores. É Deus quem abre os ouvidos para que sua palavra de esperança e alegria seja acolhida por aqueles que se tornam seus discípulos. E os discípulos não se fecham, nem se tornam rebeldes, nem recuam diante do que Deus lhes revela. Mesmo quando perseguidos, permanecem firmes; quando ameaçados de agressão física, oferecem as costas; quando lhes arrancam os fios da barba ou são cuspidos e injuriados, não desviam o rosto.

Essa resistência só é possível a quem deposita plena confiança em Deus. Identificam-se como seus “servos sofredores”, que não usam da mesma arma dos violentos e vingativos. A fé em Deus e a confiança incondicional no seu amor dão aos seus servos a capacidade de resistir até a morte se preciso for, sem jamais abdicar da atitude da não violência e do perdão. Não é passividade nem covardia! É a verdadeira coragem de quem tem lúcida consciência do que significa ser fiel à vontade divina. Por isso, esses servos de Deus, conforme Isaías expressa nesse cântico, não se sentem humilhados por agirem desse modo. Eles têm a certeza de que não serão confundidos, porque vivem e agem pela mesma causa defendida por Deus.

Os projetos de Deus se realizam na história humana por meio das pessoas fracas que nele depositam toda a confiança. Somente quem experimentou a fraqueza e o sofrimento sabe quanto necessita da ajuda divina. E Deus não decepciona. Ele se compraz com os pequeninos, anda no meio deles, mora neles e manifesta-se ao mundo por meio deles. Por meio de pessoas limitadas, Deus revela ao mundo o seu amor sem limites.

  1. Evangelho (Mc 8,27-35): O caminho da cruz

O evangelho deste domingo sinaliza o momento em que Jesus inicia uma “virada” no seu ministério público. Até aqui, ele realizou muitos sinais de libertação, normalmente seguido por uma multidão de pessoas. Os discípulos, porém, apesar de acompanharem Jesus de perto, ouvirem seus ensinamentos e testemunharem sua prática, não conseguem entender verdadeiramente quem ele é. Permanecem na cegueira, contaminados pelo “fermento dos fariseus e de Herodes”, arrastados pela ideologia do poder. Por isso, a partir de agora, Jesus vai mudar de estratégia, para ocupar-se, de maneira especial, da tarefa de educar seus discípulos e revelar-lhes sua verdadeira identidade e sua missão neste mundo. O Evangelho de Marcos traduz essa estratégia de Jesus em forma de uma viagem pedagógica, rumo a Jerusalém, conforme poderemos perceber com maior clareza nos textos dos próximos domingos.

Há uma variedade de opiniões no meio do povo a respeito de quem é Jesus. Porém, é especialmente dos seus discípulos que Jesus deseja saber: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro responde corretamente: “Tu és o Cristo”. Logo a seguir, no entanto, Pedro torna-se “satanás”, tentando impedir que Jesus cumpra sua missão por um caminho nada convencional. Em vez de vencer os inimigos, Jesus “será vencido” por eles. Pedro não consegue admitir que seu Messias-líder esteja assim tão à mercê dos que já se posicionaram contra o seu projeto, o caluniaram e o ameaçaram de morte: os anciãos, os chefes dos sacerdotes e os escribas. Sente-se então na obrigação de dissuadir Jesus dessa decisão absurda de ir a Jerusalém para ser perseguido e morto.

Pedro é o representante dos discípulos. Eles seguem Jesus com a ideia de que seja um Messias que virá finalmente realizar as expectativas de vingança contra seus inimigos e manifestar toda a sua força e glória. Que honra enorme devia sentir Pedro e os demais por seguirem um líder capaz de triunfar e estabelecer um reino poderoso. No entanto, a opção de Jesus de seguir o caminho da cruz como servo sofredor derruba as aspirações triunfalistas dos seus discípulos. Ele evita se apresentar como “Messias”, preferindo a expressão “Filho do homem”, pela qual manifesta o realismo de sua encarnação: assumiu plenamente a condição humana, com todas as consequências de quem cumpre fielmente a vontade de Deus. Essa fidelidade vai custar-lhe a vida.

Jesus aproveita a atitude satânica de Pedro para instruir a todos os discípulos e também a multidão. A Pedro ele ordena: “Vai para trás de mim”. Isto é, Pedro deve ser seguidor de Jesus, e não é Jesus que deve satisfazer as expectativas de Pedro. Assim é para todos os discípulos: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me!” Jesus não ilude. Segui-lo é estar disposto a “perder a vida” no serviço abnegado da justiça, da verdade e da fraternidade.

  1. II leitura (Tg 2,14-18): A fé sem obras é morta

Esse texto da carta de Tiago é bem conhecido e frequentemente lembrado em nossas comunidades cristãs. Certamente foi escrito para combater uma concepção equivocada que alguns cristãos defendiam: não importam as ações, é unicamente a fé que salva. Pode ser fruto de uma interpretação da justificação pela fé, que Paulo defende na carta aos Romanos e está sintetizada na expressão “o justo vive da fé” (Rm 1,17). Paulo, no entanto, está se opondo à ideia de que a salvação seria resultado dos méritos adquiridos pelas pessoas cumpridoras da Lei, conforme pregava a doutrina oficial judaica. Com isso, Paulo não está desvinculando a fé das obras. O seu próprio testemunho de vida revela que sua fé em Jesus o levou a doar-se totalmente pela causa do evangelho. Quando escreve aos gálatas, ele diz: “A fé age pela caridade” (Gl 5,6). Portanto, Tiago e Paulo se completam.

“A fé, se não tiver obras, está completamente morta.” O exemplo que encontramos na carta de Tiago ilustra o que significa ligar a fé com a prática. É amar, de maneira especial, o irmão e a irmã necessitados, garantindo-lhes as condições para que possam viver dignamente. A insistência dos autores da carta de Tiago sobre a prática da caridade para com as pessoas empobrecidas é muito grande. É sinal de que essa realidade constituía forte clamor às comunidades cristãs.

Portanto, ser cristão é relacionar-se com o próximo de modo fraterno, acolhê-lo como membro da família e garantir-lhe as condições necessárias para a sua vida. Ser cristão não é meramente manifestação de bons sentimentos ou boas intenções. Nesse sentido, percebe-se a íntima ligação com o texto do Evangelho de Marcos comentado acima: não basta confessar a fé em Jesus Cristo sem o compromisso de segui-lo na prática do amor ao próximo.

III. Pistas para reflexão

A fé em Deus consiste na fidelidade ao seu plano de amor. É o que sugerem as leituras deste domingo. Iluminados pela palavra transmitida pelo Segundo Isaías, podemos renovar a confiança em Deus, nosso criador e libertador. Ele jamais nos abandona na caminhada da vida. Chama-nos a ser testemunhas do seu amor, apesar de nossos limites e fraquezas. No meio deste mundo conturbado em que vivemos, é importante manter “ouvidos de discípulos”, abertos à palavra de Deus, que ilumina os nossos passos. Muitas vezes enfrentamos adversidades e sofrimentos, incompreensões e perseguições.

A fé em Jesus Cristo e a fidelidade ao seu plano de amor implicam segui-lo no caminho da cruz. Não basta bela confissão de fé, como fez Pedro, representando os discípulos. É preciso renunciar a toda ambição de poder e às manifestações triunfalistas. Jesus fez-se “servo sofredor” na fidelidade ao plano de amor do Pai. Assumiu todas as consequências: foi incompreendido, rejeitado, perseguido e morto. Hoje também podemos ter a mesma mentalidade dos discípulos: uma religião de poder, brilhantes celebrações, acomodação ao sistema que exclui e mata, fuga do compromisso pela justiça... O apelo de Jesus continua atual: “Quem quiser me seguir...”. A carta de Tiago completa: “A fé sem as obras é morta”.

Celso Loraschi

Mestre em Teologia Dogmática com Concentração em Estudos Bíblicos pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, São Paulo, professor de Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos na Faculdade Católica de Santa Catarina (Facasc) e assessor do Cebi, SC. E-mail: [email protected]