Roteiros homiléticos

15 de novembro – 33º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Maria de Lourdes Corrêa Lima

A cada momento tocamos o final dos tempos

 Introdução geral

O tema central do domingo de hoje é a consumação da história, com a parúsia do Senhor. Essa consumação é preanunciada no livro de Daniel, ao descrever o fim dos tempos e a ressurreição que então terá lugar. O Senhor que virá cheio de glória é aquele que, na cruz, se ofereceu como vítima e sacrifício uma vez para sempre.

Comentário dos textos bíblicos

  1. I leitura (Dn 12,1-3)

O texto de Dn 12,1-3 dá continuidade ao capítulo 11 e particularmente aos v. 40-45, que descrevem o “tempo do fim” (11,40) e nos quais se entrevê a morte do rei Antíoco IV, que procurou impor a cultura e a religião pagãs ao povo judeu. É a esse tempo que se refere o início do nosso texto de hoje: “Naquele tempo...” (12,1).

Será um tempo de angústia máxima, no qual só se pode esperar saída por uma intervenção decisiva de Deus. Miguel aparece com a função de protetor, ou de advogado do povo de Deus, ou ainda de juiz que, como instrumento de Deus, impõe a justiça. A intervenção de Deus que livra o povo da angústia é, em primeiro lugar, a aniquilação do rei estrangeiro, mas se alarga numa dimensão mais ampla, pois diz respeito também àqueles que já morreram. O agir de Deus alcança mesmo os que já não são parte ativa desta história.

Os que serão libertados da angústia são aqueles que estão inscritos no “livro”. A ideia de um livro onde estão escritos os atos dos seres humanos ocorre em outros lugares na Bíblia (cf. Ex 32,32-33; Ml 3,16; Sl 68/69,29). Os que estão inscritos serão liberados da angústia: são os membros da comunidade da aliança, que permaneceram fiéis a Deus apesar das tribulações e perseguições; são os justos que ainda não morreram, mas – com os justos que ressuscitarão (v. 2) – também receberão a vida eterna.

A esse tempo final pertence também a ressurreição. Não se trata aqui da ressurreição universal (o texto diz literalmente “muitos dentre os que”), mas da ressurreição dos sábios e dos ímpios. Eles receberão destinos diferentes: a vida eterna, a ignomínia eterna.

Os “sábios” (maśkîlîm) são os prudentes, os que julgam retamente. Esse termo adquiriu também a conotação de “aquele que tem êxito, que prospera”. Eles são aqueles que conduzem muitos para a justiça (literalmente: tornam [outros] justos), que caem pela espada e pelo fogo e são purificados (cf. 11,33-35). Esse fato e ainda a presença de três termos – “sábio” ou “o que tem êxito”; “muitos”; “tornar justo” – fazem uma ponte de nosso texto com o quarto cântico do Servo sofredor (Is 52,13-53,12), que morre, mas terá êxito (Is 52,13) e tornará justos muitos (53,11). Assim sendo, os sábios de Dn 12 têm uma função em relação ao povo que é, de certa forma, paralela à do Servo sofredor de Isaías. Mas, em Isaías, o servo torna justos muitos em virtude de seu sacrifício expiatório (cf. Is 53,5-6.10-11); em Daniel, os sábios tornam justos muitos em virtude de seu ensinamento.

Muitas vezes, os sábios são identificados com os “piedosos” (hassidîm). Estes, porém, chegaram a formar, na época do livro de Daniel, um grupo militante armado (cf. 1Mc 2,14), liderado por Judas Macabeu (cf. 2Mc 14,6). Os sábios de nosso texto, ao contrário, são aqueles que renunciaram a meios violentos para fazer prevalecer o direito de Deus. Sua exaltação vem do fato de instruírem a muitos nos caminhos da justiça.

O julgamento de Deus sobre a história pode tardar, mas não falhará. Por fim prevalecerá sua justiça, que recompensará os fiéis e dará glória e beleza divinas àqueles que de modo particular foram seu instrumento. Com isso, a comunidade de fé é fortificada para enfrentar perseguições na confiança da intervenção final do Senhor.

  1. Evangelho (Mc 13,24-32)

O tema do capítulo 13 de Marcos é a escatologia. Isto é, a conclusão e a meta da história, que se manifestará com a parúsia, a segunda vinda do Senhor. Esse discurso usa numerosas imagens tiradas de textos proféticos do Antigo Testamento e da apocalíptica judaica. A apocalíptica é um conjunto de ideias que responde a uma situação de grave crise com base em uma revelação de Deus. Essa revelação mostra o sentido das tribulações presentes e, baseando-se no fato de que é Deus, em última instância, quem dirige a história, inculca a ideia de seu triunfo final sobre todo o mal. Fornece à comunidade, assim, meios para enfrentar a realidade negativa que experimenta.

Dessa forma, o discurso de Jesus em Mc 13 não procura primeiramente descrever os acontecimentos do fim da história. Não se preocupa em anunciar uma catástrofe ou fazer uma ameaça, mas indicar que o mundo tem uma meta, para a qual inexoravelmente caminha: a vinda do Filho do homem em poder e glória. Acontecerá então a consumação do plano de Deus. Com isso, visa inculcar uma atitude nos cristãos: eles devem estar sempre vigilantes, pois o Senhor, embora possa tardar, com toda a certeza virá. Seus discípulos vivem já na certeza dessa vinda, atentos a ela, fixando o olhar naquele que retornará.

Após a introdução (v. 1-4), o discurso de Jesus descreve os sinais precursores do fim e ensina a atitude do discípulo em tal situação (v. 5-23). O texto do evangelho de hoje toca o ponto central do discurso (v. 24-27) e é complementado pela primeira das duas parábolas que se seguem (v. 28-29) e por exortações à vigilância (v. 30-32). Com a indicação da segunda vinda de Jesus, de fato, o discurso chega ao seu ponto alto. Essa vinda (parúsia, cf. 1Ts 4,17: retorno glorioso de um rei ou general após uma guerra ou visita do imperador a uma cidade) terá lugar “depois daquela tribulação”. Os sofrimentos que marcarão o tempo final não são a conclusão de tudo; haverá grande mudança, determinada pelo retorno do Filho do homem.

A vinda do Filho do homem é descrita com imagens cósmicas. Trata-se de um modo de falar com o objetivo de enfatizar que se trata de uma teofania, uma manifestação de Deus cheia de glória e poder.

A expressão “Filho do homem” evoca o texto de Dn 7,13-14. As nuvens indicam sua origem celeste. O tempo da consumação já não será marcado pelo levantar-se de Miguel, mas pelo retorno do próprio Jesus. Sua vinda será não mais na fraqueza de sua humanidade terrestre, mas na glória de sua ressurreição e no seu poder para julgar o mundo e a história (cf. Mt 25,31). Ele vem para todos. Não se diz para que ele vem; apenas se acena à reunião de todos os justos de todas as partes. A imagem dos anjos que reúnem os eleitos ocorre já no Antigo Testamento (cf. Zc 2,10; Dt 30,4): o povo eleito se encontra disperso por toda a terra, e Deus o reunirá no fim dos tempos. Em Marcos, trata-se da comunidade cristã, que participará da salvação. A reunião dos discípulos em torno de Jesus constitui, em Marcos, a comunidade da Igreja. Com efeito, em Marcos, a primeira ação de Jesus é chamar e reunir a si os discípulos; eles estarão com ele todo o tempo de sua vida pública (cf. Mc 1,16-20). Na parúsia, a Igreja será levada à sua plenitude, quando os justos (cf. Dn 12,2) estarão definitivamente com o Senhor (cf. 1Ts 4,17).

A parábola que segue (v. 28-29) mostra a necessidade de saber discernir os sinais precursores do fim (v. 5-23). O discípulo deve ser sábio: deve ser capaz de observar e interpretar. Como os sinais estão presentes em vários momentos da história, o cristão é chamado, a cada instante, à consciência de que “está próximo, às portas” (cf. 1Ts 5,1-3). A parúsia do Senhor é um acontecimento futuro que lança luz ao presente de cada cristão, à medida que influencia seu pensar, seu julgar, seu agir.

O v. 30 refere-se, ao contrário, a todos os acontecimentos indicados no discurso (“até que tudo isso aconteça”). “Esta geração não passará”: a geração à qual são dirigidas as palavras do evangelho. Mais do que uma ideia precisa acerca do tempo, o que se quer transmitir é a certeza de que tal Palavra se cumprirá: tal certeza deve ser um chamado constante à conversão e à necessidade de estar vigilante.

A chave de interpretação dos sinais é a Palavra de Jesus (v. 31). A parúsia mostrará que tudo é transitório, com exceção da sua Palavra. A consumação da história já começa em nossas decisões e na Palavra de Jesus que já hoje opera.

O texto conclui enfatizando que determinar o momento da parúsia é algo reservado ao Pai (v. 32). Há uma linha ascendente: anjos – Filho – Pai. Isso sublinha a absoluta liberdade de Deus, a gratuidade de seu agir, e em nada diminui o poder de Jesus. Mostra, porém, que Jesus quis, como homem, submeter-se totalmente ao Pai, dele recebendo tudo. Para a comunidade de Marcos, isto é o decisivo: saber que o dia virá com certeza e que o momento de sua vinda está nas mãos de Deus.

  1. II leitura (Hb 10,11-14.18)

O texto da segunda leitura pertence à mesma seção do trecho do domingo passado, no qual se apresenta a diferença entre como os sacerdotes do Antigo Testamento garantiam o acesso a Deus e como Jesus o fez. O ponto central aqui é que Jesus realizou um sacrifício único pelos pecados, pois por ele alcançou plenamente a salvação do gênero humano. O perdão já foi concedido (v. 18), Deus já se tornou propício aos seres humanos e não voltará atrás.

Por esse sacrifício irrepetível, Jesus alcançou a glória (v. 12). A ressurreição de Jesus o constitui Senhor da história. O tempo atual aguarda o momento em que seus inimigos serão colocados como apoio para seus pés (v. 13): quando o Senhor consumará sua obra. Ele é o glorioso, o Filho do homem que julgará o mundo por sua Palavra e tudo levará à plenitude. 

III. Pistas para reflexão

- Sou alguém que procura contribuir para que muitos cheguem mais facilmente a Deus (Dn 12,3)? Ou, por meu agir, contribuo para que reine no mundo a injustiça, a maldade, o erro?

- Como a parúsia do Senhor influencia minha vida e a de minha comunidade já agora?

- Sei/sabemos ler os sinais da minha/nossa história à luz da Palavra de Deus, à luz de sua morte, caminho para a glória?

Maria de Lourdes Corrêa Lima

Professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e do Instituto Superior de Teologia da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Doutora em Teologia (Bíblica) pela Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma). É membro da Ordem das Virgens da Arquidiocese do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]