Roteiros homiléticos

15º Domingo do Tempo Comum – 15 de julho

Por Johan Konings

I. Introdução geral

No domingo anterior, foi-nos mostrado o exemplo de Jesus, profeta rejeitado em sua cidade paterna. Hoje, o evangelista mostra Jesus levando sua mensagem a outras cidades; e, para preparar seu anúncio do reinado de Deus, ele manda seus discípulos pregarem ali a conversão. Essa participação ativa dos primeiros discípulos de Jesus, com muita simplicidade e total empenho, é um exemplo para nós. Também aos discípulos de Jesus de nossos dias cabe participar ativamente de sua missão, seja onde for e a qualquer momento, do mesmo modo simples e direto dos primeiros discípulos-missionários. Mas, num primeiro momento, devemos pensar na preparação da Boa-nova de Jesus, por meio da conversão.

II. Comentário dos textos bíblicos
  1. Evangelho: Mc 6,7-13

No fim do evangelho de domingo passado, Jesus saiu da sua cidade, onde foi acolhido de modo cético. Deixou à sua terra o testemunho profético, voz de Deus que continuou ecoando, como sinal de contradição, enquanto Jesus deu seguimento à sua missão, dirigindo-se às outras cidades da Galileia e mesmo além da fronteira.

Neste domingo vemos que Jesus, ao ampliar seu raio de ação, convoca os doze discípulos, cuja vocação tinha sido mencionada anteriormente (cf. Mc 3,13-19). Faz parte do discipulado preparar o anúncio da Boa-nova pela pregação da conversão, como havia feito João Batista (cf. Mc 6,12; 1,4). Assim, os discípulos se tornam precursores da pregação do reinado de Deus por Jesus. Jesus é quem proclama o Reino, os discípulos pregam a conversão. O Evangelho de Lucas aponta para isso quando fala da missão dos setenta e dois discípulos: “Enviou-os de dois em dois, para que o precedessem em cada cidade e lugar aonde ele estava para ir” (Lc 10,1).

Depois da preparação por João Batista, Jesus anuncia a Boa-nova (cf. Mc 1,14-15). Seu estilo é simples e direto. Assim deve ser o empenho dos seus discípulos. Nada os deve impedir: nem parentesco, nem posses materiais, nem mesmo roupas de reserva. Só devem levar aquilo que lhes pode servir no caminho: boas sandálias e um cajado (cf. Mc 6,8-9). Segundo Mateus e Lucas, reproduzindo uma tradição mais rigorista, Jesus teria proibido até isso (cf. Mt 10,10; Lc 9,3), mas Marcos é realista e sabe o que é indispensável para percorrer as estradas da Galileia.

Podem e até devem aceitar a hospitalidade de uma casa, de uma família que os acolha. Devem permanecer ali até a partida. Aceitando a hospitalidade de modo estável, eles mostram ser confiáveis, à diferença de pregadores oportunistas que correm de casa em casa. E essa estabilidade parece antecipar a criação de comunidades caseiras, como as que encontramos nos primeiros dias da Igreja, por exemplo, na casa de João Marcos em Jerusalém (cf. At 12,12). Se, porém, não são bem-vindos, não devem perder tempo, mas sair da cidade, deixando somente o pó das sandálias como testemunho contra aquele lugar – assim como Jesus fizera em sua cidade paterna (cf. Mc 6,6: domingo passado). “Saberão que houve um profeta no meio deles” (Ez 2,5).

É notável que Jesus os ensina a iniciar pela expulsão dos demônios (cf. Mc 6,7.13), como ele mesmo fez na sua primeira pregação em Cafarnaum (cf. Mc 1,21-27). Expulsar os demônios, essas forças misteriosas do mal, é o sinal por excelência do poder de Deus, que age pela ação de Jesus. Os seus discípulos devem ser os instrumentos desse mesmo poder. O Reino de Deus deve afastar as forças opostas ao Reino, o antirreino. O modo simples e direto de Marcos citar as expulsões dos demônios – forças negativas, espírito impuros – contradiz toda a histeria que, no decorrer dos séculos, se criou em torno das assim chamadas possessões demoníacas. Não que essas doenças não sejam graves, mas não devem ser vistas como algo que possa impedir o poder de Deus. É exatamente para que façam a experiência do poder de Deus que os discípulos recebem o poder de expulsar demônios.

  1. I leitura: Am 7,12-15

A simplicidade e autenticidade da missão que Deus confia aos profetas têm um modelo na vocação do profeta Amós, na primeira leitura. Ele não era “profeta nem filho de profeta”, ou seja, membro de uma confraria de profetas. Não fazia parte daquelas pessoas que, quase profissionalmente, diziam receber inspirações de Deus – o que decerto devia ser verificado numa perspectiva crítica, pois havia também falsos profetas. Amós não era um desses profetas organizados. Não profetizava para ganhar o pão, como os profetas ligados à corte do rei ou aos templos de Betel, no Norte, e de Jerusalém, no Sul. Era pastor de ovelhas e cultivador de sicômoros, figueiras. Contudo, sem ser especialista em questões de culto e apesar de ser de Judá (reino do Sul), ele recebeu de Deus uma inspiração para pregar contra o formalismo do culto oficial na Samaria (reino do Norte). O que ele criticava, em sua missão, não era o culto a falsos deuses, mas, sim, o fato de o culto ser ministrado por pessoas falsas, cúmplices da injustiça dominante. Por isso, o sacerdote Amasias queria mandá-lo de volta para a sua terra de origem, mas Amós alegava ser enviado por Deus mesmo, e era isso que importava.

Essa sólida simplicidade, que está acima da pertença a uma organização ou região, caracterizava também os discípulos de Jesus, pescadores ou agricultores da Galileia (o antigo reino do Norte). Não tinham outra coisa para se legitimarem senão a palavra de Jesus.

  1. II leitura: Ef 1,3-14 ou 1,3-10

A segunda leitura de hoje é tomada da carta de Paulo aos Efésios, carta de pensamento elevado, místico até, que descreve o mistério da salvação universal realizada por Jesus Cristo, acima de todas as categorias humanas e celestiais. Salvação pelo amor de Deus, amor que se manifesta no sangue de Jesus, ou seja, no fato de o Filho de Deus, em união total com o amor do Pai, mostrar esse amor na doação da própria vida. Em seu amor até o fim, Jesus deu a conhecer o amor do Pai. É esse o “mistério” que deve ser revelado, especialmente aos que se tornam ouvintes e discípulos de Jesus. Nesse mistério são unidos todos os povos, judeus e gentios, e é superado o pecado que nos separa de Cristo e de nossos irmãos e irmãs. Por isso, Jesus Cristo é a cabeça que mantém unido todo o universo.

III. Pistas para reflexão

Amós e os discípulos-missionários de Jesus nos fazem refletir sobre nossa missão e comprometimento hoje.

Amós não era profeta nem “filho de profeta”: profetizar não era seu ganha-pão. Vivia do trabalho de suas mãos como pastor de rebanhos e cultivador de figueiras. Não era cidadão da Samaria, onde proferiu sua crítica profética; era de Judá, região que vivia em conflito com os samaritanos. Mesmo assim, Deus o escolheu para dar sério aviso ao sacerdote de Betel, santuário da Samaria.

Tampouco eram missionários profissionais os doze que Jesus enviou a preparar sua chegada. Estavam entregues à sua missão e à hospitalidade que encontrassem. Recebiam, sim, de Deus o poder de fazer sinais, curas e, sobretudo, exorcismos, que significavam a vitória do reinado de Deus sobre o antirreino. Nada deviam ter de si mesmos: nem dinheiro, nem roupa de reserva; só sandálias e um bom cajado para caminhar. Deviam avançar com pressa, pois o tempo havia se cumprido!

O discípulo-missionário não precisa ser um orador capaz de discutir nas ruas e nas praças nem deve enganar pessoas ingênuas ou tirar um “dízimo” ou “aposta” dos que nem têm dinheiro para criar os filhos... Jesus deu aos doze galileus poder de curar e de expulsar demônios para pregarem a conversão em vista do reinado de Deus. Deu-lhes poder para fazer o bem ao povo, enquanto anunciavam a proximidade do Reino que ele vinha inaugurar. Os gestos dos discípulos eram um aperitivo do Reino. O bem que muitas pessoas fazem, em sua generosa simplicidade, é um aperitivo do Reino de Deus. Já tem o gosto daquilo que chamamos de Reino, que é a realização da vontade do Pai, como rezamos no Pai-nosso.

O texto de Marcos apresenta os enviados não como os que proclamam o Reino pessoalmente, mas como os que recebem o poder de pregar a conversão e fazer os sinais que apontam para o Reino. Quem, de fato, proclama e inaugura o Reino é Jesus. Isso também hoje tem significado para os cooperadores de Cristo em sua missão. O Reino é de Cristo, e Cristo de Deus (cf. 1Cor 3,23).

No presente, nós estamos um passo além dos primeiros discípulos. O Reino já mostrou seu rosto em Jesus. Já sabemos qual é a prática do Reino, e essa prática é o anúncio mais eficaz do Reino. Vendo a prática do Reino, as pessoas vão perguntar pelo porquê: as “razões de nossa esperança” (1Pd 3,15). Se nos comportarmos com simplicidade, entregues àquilo em que acreditamos, ajudando onde pudermos, sem apoiarmos causas erradas e estruturas injustas, o mundo perguntará que esperança está por trás disso, que fé nos move, que amor nos envolve. Então responderemos: o amor que aprendemos de Jesus, que deu sua vida por nós. A palavra do pregador será fidedigna, se acompanhada de uma prática que mostre concretamente o Reino.

Se acreditamos que a prática de Jesus garante a salvação do mundo e mostra o caminho a todas as gerações, não podemos guardar isso para nós. O mundo tem de ouvi-lo. “Como poderão crer, se não ouvirem?” (Rm 10,14). Quem crê verdadeiramente tem de evangelizar. O papa atual, Francisco, é um mestre em proclamar pela palavra e mostrar pelo gesto como é o reinado de Deus.

E qual conversão é preciso pregar para que o anúncio do Reino caia em terra boa e fértil? Como preparar o terreno para que o Reino, inaugurado por Jesus e animado por seu Espírito, possa brotar e crescer? Os discípulos receberam o poder de expulsar demônios antes que Jesus chegasse com sua proclamação. Não seria essa fase importante também hoje? Preparar o chão do mundo para a semente do evangelho, a preparatio evangelii. Fazer o mundo melhor, incentivando a mudança de vida, a ética, a justiça e a fraternidade, em vista do que Cristo realiza. Por isso os cristãos devem colaborar com tudo o que é valioso aos olhos de Deus neste mundo, também fora do âmbito da Igreja confessional. O empenho do papa Francisco pela justiça e pela fraternidade em regiões onde a presença cristã formal é mínima é um exemplo nesse sentido. Ora, essa “presença cristã mínima” se constata cada dia mais também nos assim chamados países cristãos ou até católicos. Por exemplo, que porcentagem dos estudantes universitários no Brasil pratica a fé de modo confessional? Entretanto, muito maior é a porcentagem que pode ser alcançada pela ação por mais justiça e fraternidade. Assim há muitos terrenos em que podemos exercer a preparatio evangelii com simplicidade e humildade, sabendo que Cristo e seu Espírito darão o crescimento.

Johan Konings

Pe. Johan Konings, sj, nascido na Bélgica, reside há muitos anos no Brasil, onde leciona desde 1972. É doutor em Teologia e mestre em Filosofia e em Filologia Bíblica pela Universidade Católica de Lovaina (Bélgica). Atualmente é professor de Exegese Bíblica na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), em Belo Horizonte. Dedica-se principalmente aos seguintes assuntos: Bíblia – Antigo e Novo Testamento (tradução), evangelhos (especialmente o de João) e hermenêutica bíblica. Entre outras obras, publicou: Descobrir a Bíblia a partir da liturgia; A Palavra se fez livro; Liturgia dominical: mistério de Cristo e formação dos fiéis – anos A-B-C; Ser cristão; Evangelho segundo João: amor e fidelidade; A Bíblia nas suas origens e hoje; Sinopse dos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas e da “Fonte Q”. E-mail: [email protected].