Roteiros homiléticos

18 de dezembro – 4º DOMINGO DO ADVENTO

A mãe do Salvador

I. Introdução geral

O quarto domingo do Advento nos traz, todo ano, a figura de Maria, a mãe do Senhor. Neste ano A, seguimos o Evangelho de Mateus. Nesse Evangelho, ela aparece realizando em plenitude as palavras de Isaías pronunciadas mais de setecentos anos antes. A roupagem literária com que o profeta vestiu a mãe e o filho que ele anunciava era grande demais: só Maria e Jesus preenchem as palavras do profeta.

A jovem mãe torna-se virgem mãe; o nome “Emanu-el”, de simples grito de guerra, passa a significar verdadeira presença de Deus no meio da humanidade. O nascimento já ocorrido, ou que Isaías previa para breve, torna-se geração e nascimento totalmente imprevisíveis, possíveis apenas por intervenção direta de Deus.

E a origem em Davi é assegurada por José, o homem justo. A origem em Davi é relembrada por Paulo, que anuncia em Jesus a realização de todas as esperanças do povo judeu. José, justo, pratica a justiça do reinado de Deus, tema central do Evangelho de Mateus; justiça que, mais do que observância rigorosa da Lei, é toda uma ordem social justa, fundada no respeito ao outro e na misericórdia.

Todo filho traz à mãe a lembrança do pai. O nascimento virginal faz Maria, ao ver Jesus, lembrar-se não de José, mas de Deus e do seu Espírito. E seu Filho realiza, não só para ela, mas para toda a humanidade, aquilo que dizia o nome da criança anunciada a Acaz: Emanuel, Deus-conosco.

II. Comentários aos textos bíblicos

  1. I leitura: Is 7,10-14

O rei Acaz estava com medo dos reis de Israel e da Síria, que planejavam derrubá-lo do poder e pôr outro em seu lugar. Isaías vai dar-lhe coragem. Diz que o plano deles vai fracassar, pois os dois reinos não têm forças para isso, nem para resistir aos assírios, e diz também que “quem não crê não sobrevive” (vv. 7-9).

Em seguida, diz a Acaz que peça um sinal de Deus, seja de vida (“das alturas”), seja de morte (“das profundezas”). Acaz não crê e arranja uma desculpa religiosa para não pedir o sinal, não tentar o Senhor. Mesmo assim, Isaías lhe indica qual será o sinal.

Fala de uma moça que terá um filho. Essa moça pode ser a esposa de Acaz e o filho, Ezequias, talvez até já nascido. Toda a esperança se concentra numa pessoa que, mais tarde, na tradição judaica, será o Messias. O nome simbólico dele será Emanuel, Deus-conosco. Na época, isso poderia ser apenas um grito de guerra: antes de atacar, o comandante gritava por três vezes emanu (conosco), e os soldados, El (Deus). É o sinal da vitória na guerra.

Na introdução (v. 10), Javé aparece como o Deus de Acaz: “Pede um sinal a teu Deus Javé”, mas, como o rei se recusa a se socorrer dele, Javé se torna o Deus apenas do profeta: “passais a incomodar até o meu Deus!” (v. 13). Deus, sem que Acaz queira ou peça, dar-lhe-á o sinal de que os dois reis que o ameaçam não passam de “dois gravetos em brasa fumegantes”.

Esse sinal será a jovem que vai gerar um filho e dar-lhe o nome de Deus-conosco. A jovem mãe é que dá nome ao filho. Essa “jovem” do texto hebraico tornou-se “virgem” na tradução grega dos Setenta e, assim, abriu o caminho para a interpretação que os Evangelhos lhe dão: a virgem mãe é Maria e o filho é Jesus.

  1. II leitura: Rm 1,1-7

Paulo escreve a comunidades nas quais conviviam cristãos judeus e gentios. Os judeus tinham sido expulsos de Roma e agora, autorizados, estavam voltando em situação de grande inferioridade. A fim de dar-lhes apoio, Paulo inicia a carta lembrando que Jesus é a boa-nova de Deus há tempos anunciada nas Escrituras sagradas dos judeus, é Filho de Deus, mas judeu de nascimento, da família de Davi.

Ele é definido Filho de Deus com poder a partir da ressurreição, a partir de sua vitória sobre a morte, quando Deus ratificou sua obra e mensagem. A partir daí o judeu crucificado é Messias e Senhor nosso.

Com base no entendimento de que o Crucificado é o Messias, Paulo foi chamado a levar a todas as nações, a todos os não judeus, a fé, que se traduz em obediência, atenção e resposta positiva aos apelos de Deus na vida, como aconteceu consigo mesmo.

A boa notícia do reinado de Deus levada a todo o mundo (Evangelho) se resume, pois, nesse judeu nascido de Maria, incluído na descendência de Davi mediante José e por Deus ressuscitado dos mortos como Messias e Senhor.

  1. Evangelho: Mt 1,18-24

O Evangelho de Mateus é um Evangelho de judeus cristãos. Começa com a genealogia de Jesus, filho de Abraão, como todo judeu.

Numa sociedade patriarcal, na árvore genealógica só aparecem os homens. Na de Jesus, aparecem quatro mulheres que conquistaram seu espaço por meio da geração de um filho ou da relação sexual. São elas: Tamar, que conseguiu permanecer na família de Judá por gerar um filho deste; Raab, a prostituta de Jericó que protegeu os espiões hebreus e salvou sua família; Rute, a moabita que recuperou sua ligação com os clãs de Belém mediante seu casamento com Booz, tornando-se avó de Davi; Betsabeia, a mulher que Davi tirou de Urias.

Além dessas quatro, aparece Maria, com grande destaque. Ela é a mãe de Jesus, ao passo que José é apenas seu esposo; na concepção patriarcal, apenas faz a ligação dela com a casa de Davi.

No texto lido hoje, um anjo do Senhor anuncia o nascimento de Jesus por intervenção direta de Deus. Várias grandes figuras da Bíblia, como Ismael (Gn 16,7-12), Isaac (Gn 17,1-19) e Sansão (Jz 13,3-22), tiveram seu nascimento anunciado por mensageiros divinos.

O nome “Jesus” quer dizer “Deus salva”. O nome lembra que “ele vai salvar seu povo”. Seu povo é o povo judeu? Salvar de quê? Do poder de Roma? Dos seus dirigentes corrompidos? Vai salvar “dos seus pecados”. O evangelista vai mais fundo, chega ao pecado, raiz de toda opressão. E, mais adiante, a visita dos magos vai mostrar que “seu povo” não é apenas o povo judeu, mas abrange os mais distantes e estranhos povos.

Maria, já comprometida com José, encontra-se grávida antes que passem a conviver. A primeira etapa do casamento estava realizada; faltava passarem a morar juntos. Deve-se notar que o evangelista chama José de seu marido, o que significa que o casamento estava realizado.

Por ser justo, por pôr em prática a justiça do reino, que não é o simples seguimento do rigor da Lei – a qual o levaria a denunciar Maria como adúltera –, ficou pensando na possibilidade de deixá-la sem provocar escândalo.

Tudo isso prepara o anúncio da geração divina de Jesus. A mensagem do anjo vai além do que José imaginava: nem a denúncia pública nem a saída discreta; ao contrário, acolher a esposa, pois o que ela traz no ventre vem de Deus.

E o Evangelho toma o texto de Isaías 7, o sinal do Emanuel, para demonstrar como tudo o que acontece agora realiza plenamente o que está no livro do profeta, sobretudo ao considerar a tradução dos Setenta, que diz “virgem” em vez de “jovem”. Aquilo que poderia parecer bem misterioso no diálogo entre Isaías e Acaz aqui adquire sentido total.

O Filho da virgem mãe será chamado Emanuel. Se no diálogo de Isaías com Acaz esse nome poderia lembrar apenas um grito de guerra, aqui tem significado pleno. Ele é Deus conosco, não apenas nos dando forças — tal como a aclamação guerreira pretendia convencer os soldados —, mas também sendo a presença de Deus no meio da humanidade, sendo Deus que vem caminhar com a gente. Jesus é a presença vitoriosa de Deus no meio da humanidade, é o Emanuel, o Deus-conosco.

III. Pistas para reflexão

 Emanu!” “El!” “Emanu!” “El!” “Emanu!” “El!” “Atacar!” O antigo grito de guerra passa a ter agora um significado mais profundo. Antes significava apenas confiança no Deus que apoiava o povo em suas guerras. Visava apenas dar coragem aos soldados. Agora significa que Jesus é presença de Deus entre nós, que nele Deus veio acampar conosco.

A luta de Jesus parecia tê-lo levado ao fracasso da cruz. Mas Deus estava com ele também aí: prova disso é que o ressuscitou dos mortos, fazendo dele o Senhor da vida e da morte. Com ele estava Deus, e ele é Deus conosco. Nossa luta para estabelecer no mundo o reinado de Deus não vai fracassar. Emanu-El, Deus está conosco.

Na eucaristia, lembramos a luta que culminou na cruz e a vitória da ressurreição, fazendo, na comunhão, partilha da vida em plenitude para todos igualmente.

José era um homem justo. Sua justiça, porém, não se reduzia àquela coisa pequenina de só ver a Lei. Se ele só visse a Lei, teria denunciado Maria publicamente. Sua justiça, muito além da Lei, era deixar-se reger pelos critérios do reinado de Deus, Pai de todos, que respeita a todos, que a todos entende e compreende. Sua justiça “superava de muito a justiça dos escribas e fariseus”. Essa justiça nos faz muita falta.

Maria passa quase despercebida. É a figura principal, e nós quase nem a notamos. É a figura principal exatamente por isto: não pretende aparecer, não está em busca dos holofotes nem das câmeras. É a figura principal porque foi na sua humildade, em todos os sentidos, que Deus quis se fazer presente na humanidade.

“A virgem conceberá e dará à luz.” Se, para a mãe, o filho sempre lembra o pai, para Maria, Jesus não lembra José, mas o Espírito de Deus; não lembra uma experiência vivida com o marido, mas Deus, que a quis. Seu amor ao filho não passa pelo amor do marido, mas vai direto ao Filho. Seu amor a Jesus é isento de qualquer segundo interesse, é totalmente puro.

Nosso amor não é puro; nada fazemos sem um pouco de interesse próprio, sem uma ou mais segundas intenções. A fecundidade de Maria é tão grande, a ponto de gerar Deus, porque é virginal, porque é pura, isenta de qualquer segunda intenção.