Roteiros homiléticos

1º Domingo do Advento – Ano C – 2 de dezembro

Por Zuleica Aparecida Silvano

I. Introdução geral

O tempo do Advento vem na contramão do ritmo acelerado em que vivemos, no qual perdemos gradativamente a capacidade de esperar. Ele exorta a saborear a novidade de Deus e nutrir a esperança de sua vinda. É o tempo propício para contemplar o grande mistério da encarnação, que celebraremos no Natal, mas também para desejar a vinda definitiva do Senhor, preparando-nos por meio da escuta atenta de sua Palavra e do agir conforme à sua vontade (II leitura). É a ocasião da espera fecunda, esperançosa, mas também ativa. É o momento de contemplar a certeza da vinda do Senhor nos gestos de solidariedade e na vivência da justiça e da paz (I leitura) e de anunciar, diante da realidade de opressão, que a “nossa libertação se aproxima” (evangelho).

II. Comentário dos textos bíblicos
  1. I leitura: Jr 33,14-16

A passagem do profeta Jeremias tem como tema central a restauração da dinastia davídica, após a destruição de Jerusalém e do Templo pelo império babilônico, abalando também a fé do povo nas promessas feitas por Deus, entre as quais a promessa relativa à dinastia de Davi, narrada em 2Sm 7. O rei prometido (“rebento legítimo”) é descrito por meio de várias características da monarquia davídica, ou seja, unificará os dois reinos (v. 14: de Israel e de Judá, do Norte e do Sul), instaurará a justiça (“farei brotar a semente da justiça”) e administrará com justiça e conforme a vontade de Deus. Esses elementos aparecem na confissão testamentária de Davi: “Quem governa os homens com justiça e quem governa segundo o temor de Deus é como a luz da alva ao nascer do sol, manhã sem nuvens depois da chuva, que faz brilhar a erva do solo” (2Sm 23,3-4).

Tanto a imagem vegetal contida nas expressões “rebento” e “farei brotar” como a recordação das últimas palavras de Davi, antes de sua morte, expressam a fecundidade diante de uma realidade de morte e destruição. O novo rei será também mediador da justiça divina, dando a paz e o bem-estar ao povo (v. 16). Por isso, será legitimado por Deus (o nome dele será “O Senhor é a nossa justiça”). A justiça, na Bíblia, é concebida como adequada relação com Deus e com o próximo. É viver relações harmoniosas em todos os âmbitos, tendo como critério a dignidade humana e a solidariedade.

  1. Evangelho: Lc 21,25-28.34-36

A linguagem apocalíptica presente neste texto é própria de contextos difíceis, como é o de surgimento do Evangelho segundo Lucas, escrito por volta dos anos 90 d.C., após a Guerra Judaica e a destruição de Jerusalém e do Templo, tempo marcado por conflitos entre os judeus e os seguidores de Jesus Cristo. Esse contexto é retratado nos vv. 20-24.

Nos vv. 25-28, o autor oferece elementos diferentes daqueles presentes nos outros evangelhos. De fato, Lc não sublinha as catástrofes cósmicas, mas a reação das pessoas diante dos acontecimentos (vv. 25-26), abrevia a descrição da parúsia (v. 27) e acentua o sentido positivo que os eventos que precedem a vinda do “Filho do homem” têm para os cristãos.

O autor recorre a uma linguagem apocalíptica, com características próprias dos anúncios proféticos de julgamento de Deus sobre as nações, como é notório nos vv. 25-28. Após os abalos cósmicos que atingem as nações contrárias ao projeto de Deus, é prometida a salvação àqueles que permaneceram fiéis. Esses versículos, provavelmente, têm a intenção de ajudar as comunidades a avaliar os conflitos que estão vivendo, a animá-las a não desistir do projeto de Deus, mas continuar testemunhando e esperando a libertação. Portanto, têm a finalidade de sustentar a esperança cristã, de alimentar a fé na presença do “Filho do homem” e reforçar a soberania de Deus como criador, redentor e Senhor da história.

Num cenário marcado pelos abalos cósmicos, surge o “Filho do homem” (v. 27), descrito com atributos divinos (os sinais teofânicos representados pela nuvem) e como portador da missão de manifestar o poder e a glória de Deus, de julgar aqueles que se opõem ao seu projeto (vv. 25-26) e libertar os que são fiéis (v. 28). Esses versículos estão baseados no Sl 65,8 e nas profecias de Is 34,4 e Dn 7,13-14.

Lucas não dá prioridade à unificação de todos os povos, como acontece no texto de Mc, aprofundado no 33º domingo comum, e sim à ação salvífica do Filho do homem, pois, apesar de os acontecimentos serem descritos de forma terrível, para os cristãos são sinais de esperança, da proximidade da libertação, da garantia da salvação. Desse modo, o “Filho do homem” virá para assegurar a vitória da vida sobre a morte e possibilitar à humanidade o reconhecimento da soberania de Deus.

A expressão “esse dia”, vv. 34-35, é típica dos profetas para falar do “dia do Senhor”, e aqui é identificada com a vinda de Cristo. As exortações à vigilância e à oração (vv. 34-36) têm a finalidade de alertar os cristãos para o risco de se perderem no que é secundário e, amedrontados, perderem a capacidade de discernir a vontade de Deus e enxergar a sua manifestação nesta realidade.

  1. II leitura: 1Ts 3,12-4,2

Em 1Ts 3,6-13, Paulo exorta a comunidade, retomando a chamada tríade paulina (fé-esperança-caridade). Os vv. 12-13, escolhidos para a liturgia, fazem parte de uma oração de Paulo dirigida a Deus em favor da comunidade, tendo como conteúdo a vivência da caridade. Apesar dessa centralidade na caridade, há uma correlação entre a fé em Cristo e o amor pelos outros. Ter fé consiste em acreditar no amor de Deus revelado em Jesus Cristo; por conseguinte, a caridade é expressão da fé no Deus que é amor, no Filho que se entrega por amor e no Espírito que santifica por amor. O amor pelos outros já faz parte da comunidade (cf. 1Ts 1,3), mas Paulo pede ao Senhor que o plenifique com seu Amor.

De fato, o amor não é um mero sentimento, mas se expressa no compromisso de construir comunidades fraternas, marcadas pelo cuidado mútuo, por ações solidárias, sobretudo num contexto perpassado por violência, opressão e tribulação e completamente desfavorável, como era a realidade da comunidade de Tessalônica, que sofria perseguição.

No v. 13, Paulo suplica a Deus Pai e ao Senhor Jesus que mantenham a comunidade na santidade, até a vinda de Jesus Cristo no fim dos tempos, na parúsia. A santidade é um dom, mas também um empenho da comunidade em escutar a vontade de Deus e pô-la em prática. Neste texto, podemos dizer que uma vida santificada é vida voltada para o próximo, marcada pelo amor, pelo sair de si, mesmo quando predominam a violência e a falta de solidariedade. A santidade consiste em sermos sinais do Reino e do seguimento de Jesus em todos os espaços, sobretudo nos espaços públicos, e não somente em nossas comunidades, paróquias, igrejas. Ela se expressa na humanização das relações nas experiências cotidianas, sendo uma característica do ser cristão, um estilo de vida que, contudo, sempre está em processo, sempre pode ser aprimorado. Por isso, em 1Ts 4,1-2, o apóstolo convida a comunidade a continuar progredindo. Paulo também esclarece que essas orientações não são feitas em seu próprio nome, mas em nome do Senhor Jesus. Desse modo, as exortações são transmitidas pelos apóstolos, mas são fundamentadas na autoridade de Deus. Por conseguinte, rejeitar essas normas é rejeitar o próprio Deus.

III. Pistas para reflexão

Neste tempo de Advento, somos convidados a perceber nossas infidelidades ao projeto de Deus e novamente ouvir o apelo do profeta para sermos portadores de esperança (I leitura). O evangelho reafirma a necessidade de reavivarmos nossa esperança e acreditarmos na libertação de todo tipo de opressão. Mas é necessário nos mantermos firmes, perseverar no seguimento de Jesus e progredir na vida cristã. Assim, a liturgia deste 1º domingo do Advento direciona-nos para a vigilância, na espera do Senhor que virá no fim dos tempos (evangelho), e, para isso, convida-nos a reavaliar nossas atitudes e reavivar nossa vocação à santidade, que consiste num processo contínuo de humanização das nossas relações (II leitura).

Zuleica Aparecida Silvano

Ir. Zuleica Aparecida Silvano, religiosa paulina, licenciada em Filosofia pela UFGRS, mestra em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico (Roma) e doutora em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde atualmente leciona. É assessora no Serviço de Animação Bíblica (SAB/Paulinas) em Belo Horizonte. E-mail: [email protected]