Roteiros homiléticos

21 de junho – 12º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Aíla Luzia Pinheiro Andrade, nj

Não tenham medo!

 INTRODUÇÃO GERAL

As leituras de hoje nos convidam a deixar nossos lugares costumeiros, a perder o medo e partir para a outra margem. Enquanto estivermos dando demasiada atenção aos nossos problemas pessoais (à semelhança de Jó), não teremos abertura para evangelizar o mundo. O mundo parece estar no caos, as ondas se lançam contra a barca, mas Deus está no controle; é necessário arriscar-se em direção ao novo.

Aventurar-se a sair do ambiente judaico foi o desafio das comunidades do final do primeiro século de nossa era. Após a morte de Jesus, em tempos de conflito, perseguições e medo, e contra aqueles que queriam fechar-se num gueto, alguns cristãos sabiam que o evangelho deveria ser anunciado ao mundo inteiro e deram início a uma ousada marcha de saída de si.

Por isso, assegura-nos o apóstolo que as coisas velhas passaram, temos de nos renovar. Vamos abrir as janelas da Igreja para que o vento do Espírito Santo remova todo o mofo que ali se acumulou, como diria o papa João XXIII. Que os pastores tenham o cheiro das ovelhas, diz o papa Francisco.

 COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

  1. Evangelho (Mc 4,35-41): Vamos para a outra margem

No trecho anterior ao que foi proclamado hoje, Jesus permanecia no barco, ensinando às multidões por meio de parábolas. Mas no final do dia ele convocou seus discípulos para se dirigirem à outra margem do mar da Galileia.

Do outro lado do mar estavam as cidades de cultura helenista, a maioria das cidades da Decápole. Jesus diz aos seus discípulos que assumam o risco de sair de seu habitat original e o levem a lugares diferentes, a pessoas de outra cultura, através das águas bravias e dos perigos costumeiros de uma viagem. Sair de si é sempre arriscado, e é comum sentir medo do desconhecido.

A tempestade simboliza as dificuldades de uma jornada que leva para a outra margem. As multidões ficaram para trás, pessoas que poderiam dar apoio permaneceram do outro lado, agora é a vez de contatar diferentes culturas, religiões, tradições e costumes. Uma nova etapa, um novo começo na vida das comunidades. Trata-se simbolicamente do início da longa marcha da missão universal da Igreja que temos de estar dispostos a continuar, até que Cristo venha.

Às vezes a barca parece afundar, sentimos pânico, mas Cristo está na popa (v. 38), lugar onde fica o piloto que dirige o barco. Pode parecer que Cristo dorme enquanto corremos o risco de perecer, mas ele continua lá no controle do barco, das ondas e do vento.

Não tenhamos medo, vamos à outra margem. Cristo está no barco, este jamais afundará. Vamos sair de nosso comodismo, há um mundo a ser evangelizado.

  1. I leitura (Jó 38,1.8-11): O Senhor está no controle

Esse trecho curtinho do livro de Jó parece incompreensível. Mas, na verdade, é de uma profundidade admirável. Jó tinha acabado de exigir uma audiência com Deus para perguntar-lhe sobre os motivos dos sofrimentos pelos quais estava passando. Jó não conseguia entender a ação de Deus, parecia que o Soberano estava muito mudado ou tinha perdido as rédeas do universo. Jó tinha muitas perguntas a fazer a Deus. Quem de nós, na hora do sofrimento, deixou de perguntar: “Por que, meu Deus...?”

Na leitura que acabamos de ouvir, Deus responde a Jó do meio da tempestade, mostrando que nenhum caos na nossa vida ou na natureza está acima dele. Ele é o Senhor do céu, da terra e do mar. Isso significa que Deus está no controle do universo. Não devemos ter medo, não devemos desanimar quando o sofrimento ou o pânico quiserem se apoderar de nós.

Devemos estar atentos a essa conversa que Deus tem com Jó, ela é bem didática. Ao chamar a atenção para os poderes da natureza e colocar-se acima deles, Deus leva Jó a considerar suas próprias limitações, pois o ser humano não é Deus, mas sim uma criatura entre as outras. E assim, do meio de suas crises, Jó é levado a considerar que sua efêmera existência é marcada por limites, por isso lhe é possível o sofrimento.

Ao constatar a grandeza do universo e o poder de Deus, Jó para de centralizar-se em si mesmo e realiza um êxodo existencial em direção ao outro. Deus conduz Jó para fora de si mesmo. E assim Deus faz com cada um de nós.

  1. II leitura (2Cor 5,14-17): Tudo agora é novo

Paulo chama a atenção dos coríntios para o sentido mais profundo da fé pascal. Afirma o apóstolo que o “amor de Cristo nos constrange (nos envergonha, v. 14)”. Cristo morreu por nós, e pouca coisa fazemos para corresponder a tão grande dom. Se Cristo morreu por nós, conclui-se que o antigo modo de viver deve ser abandonado e que assumimos uma nova vida, nos mesmos moldes da vida de Cristo. É necessário sair dos nossos túmulos do egoísmo, remover a pedra do comodismo, para o raiar do dia novo da ressurreição.

Paulo havia mudado radicalmente de vida, por isso tinha autoridade para exortar seus compatriotas a não se apegar ao fato de terem convivido com Jesus pelos caminhos da Galileia. O mais importante não é ter conhecido Cristo segundo a carne, ter sido testemunha ocular ou ser parente de Jesus. O mais importante é viver a vida nova que o Ressuscitado nos trouxe. O mais importante para Cristo não é estarmos na Igreja católica somente por tradição, é assumirmos o projeto missionário que ele nos confiou.

Saiamos do fechamento das estruturas conservadoras, pois, “se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que novas são todas as coisas” (v. 17).

 III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Não tenhamos medo, vamos para a outra margem. Este deve ser o grito de ordem para as comunidades de nosso tempo. Apesar do que vem insistindo o papa Francisco, ainda há muitos católicos que querem uma Igreja fechada, com o evangelho enclaustrado em estruturas arcaicas. Mas Jesus, por meio das Sagradas Escrituras, Palavra de Deus que julga nossas ações, insiste ainda agora, no crepúsculo da história do cristianismo: “Vamos à outra margem, meu Pai está no controle, eu conduzo o barco, as coisas antigas passaram, novas são todas as coisas, não tenham medo!”

Aíla Luzia Pinheiro Andrade, nj

Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje – BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas). E-mail: [email protected]