Roteiros homiléticos

23º Domingo do Tempo Comum – 9 de setembro

Por Rita Maria Gomes, nj

I. Introdução geral

A comunidade cristã reconheceu em Jesus o Deus que vem para salvar o seu povo (cf. Mt 1,21). O encontro com Jesus, a quem somos chamados a seguir, restaura em nós a abertura a Deus e aos irmãos. Em Jesus, cada ser humano foi criado e predestinado a ser filho de Deus, a experimentar seu amor sem medida e a responder com obediência livre.

Essa obediência livre significa que assumimos uma relação com Deus que é mediada pelas nossas relações fraternas. Por isso, tal relação deve conduzir-nos ao compromisso pela vida e bem-estar de todos, especialmente dos mais pobres e necessitados, destinatários privilegiados da ação de Deus (Is 35,4) e de Jesus (Mc 7,31).

II. Comentários dos textos bíblicos
  1. I leitura: Is 35,4-7a

O trecho do profeta Isaías é um sopro de esperança aos que estão desanimados. Pertence ao pequeno bloco apocalíptico de Isaías, capítulos 34 e 35. No primeiro, há o julgamento das nações; no segundo, uma promessa de salvação aos abatidos e desamparados relacionada ao retorno do povo de Israel do exílio, uma palavra de ânimo e de encorajamento à espera da vingança de Deus, de sua recompensa (v. 4).

Deus mesmo vem para salvar. E sua salvação se manifesta restaurando a criação: abrindo os olhos dos cegos, os ouvidos dos surdos; fazendo saltar os coxos e desatando a língua dos mudos; fazendo brotar água no deserto e torrentes na terra vazia; transformando em fontes de água a terra sedenta. Como no princípio, Deus realiza coisas maravilhosas!

O homem bíblico professa a sua fé no Deus criador e libertador. Acredita que a criação foi querida por Deus e que ela manifesta sua onipotência e bondade. E é esse Deus, anuncia o profeta, que vem para salvar (v. 4). Assim, esta primeira leitura é um convite à esperança, é um lembrete de que Deus não abandonou sua obra, mas se interessa por ela e continua seu ato criador. Como cantamos no salmo responsorial: o Senhor é fiel para sempre.

  1. Evangelho: Mc 7,31-37

Em território pagão, além de curar a filha da mulher siro-fenícia (7,24-30) e multiplicar os pães (8,1-10), a segunda deste evangelho, Jesus cura um surdo-gago. O autor do Evangelho de Marcos fala da atividade de Jesus fora da terra de Israel. Sua fama o precedera, e trouxeram-lhe um homem surdo, que falava com dificuldade, pedindo-lhe que lhe impusesse a mão (v. 32).

Jesus conduziu-o para fora da multidão, pôs os dedos em seus ouvidos e, com a saliva, tocou-lhe a língua (v. 33), gestos que anunciam e significam o reconhecimento de quem era aquele homem, da sua peculiaridade, ele não era mais um em meio à multidão. O evangelista já havia anunciado que Jesus impunha as mãos sobre os doentes (6,5), mas os gestos descritos aqui são bastante específicos. Erguendo os olhos para o céu, ele suspira (v. 34), como em oração. E diz: “Efatá!” E o homem começou a ouvir e a falar sem dificuldade (v. 35).

O homem curado em um território pagão é sinal da salvação ofertada a todos. Tendo em vista a comunidade à qual se dirige, o evangelista responde à questão da posição dos pagãos na comunidade cristã. No entanto, o surdo-gago é metáfora do ser humano fechado a Deus, incapaz de ouvir sua Palavra e de louvá-lo, de relacionar-se com ele. Na profecia de Isaías, a abertura dos ouvidos era uma promessa-sinal da chegada de Deus para salvar o seu povo. Assim, faz todo sentido o imperativo “Abre-te!”.

Jesus recomendou-lhe com insistência que não falasse a ninguém sobre a cura, o que faz parte do projeto do evangelista, com seu artifício de manter o suspense sobre a pessoa de Jesus até a ressurreição (8,31). No entanto, a ordem de segredo era impraticável. O homem fora curado de sua incapacidade de ouvir e falar. E isso revela a identidade de Jesus: aquele que cumpre o que os profetas anunciaram (cf. Is 3,5-6). A exclamação conclusiva reconhece a realização dessas promessas e, ainda, expressa a relação de Jesus com o Criador, que realiza grandes feitos pela Palavra e fez bem todas as coisas (cf. Gn 1).

  1. II leitura: Tg 2,1-5

A segunda leitura é uma homilia, estruturada em torno de um preceito: a fé cristã não deve admitir acepção de pessoas. Há um exemplo, uma situação descrita com riqueza de detalhes, muito fácil de ser imaginada por qualquer interlocutor daquele tempo e de nossos dias, e um questionamento sobre o que sabem sobre Deus e seu projeto salvífico.

O autor da carta de Tiago exorta seus leitores a não tratar de modo diferente e segundo os próprios critérios os irmãos, mas a agir como Deus, que não faz acepção de pessoas (cf. Dt 10,17; Rm 2,11). Aqui, a diferenciação não se dá entre judeus e pagãos, como no evangelho, mas entre pobres e ricos. Olhando para a práxis de Jesus, a comunidade é convidada a romper as fronteiras que separam os irmãos unidos pela mesma fé. O questionamento sobre Deus e sua preferência pelos pobres deste mundo (v. 5) – declarados por Jesus “bem-aventurados” (Mt 5,1-12) –, deve repercutir também na vida da comunidade reunida em seu nome.

III. Pistas para reflexão

“Ele tem feito bem todas as coisas: aos surdos faz ouvir e aos mudos falar” (v. 37). Essa era a declaração dos que testemunharam a cura do surdo-gago. A vida de Jesus suscita admiração, chama a atenção pelo modo como age e se relaciona com o Pai e com as pessoas.

Sua relação com o Pai era marcada pela confiança, pela oração, pela obediência e pela liberdade. Sua relação com as pessoas fundamentava-se na lucidez sobre sua missão e na consciência de que cada ser humano é chamado a ser filho de Deus – uma dignidade inalienável, a mesma que Jesus assumiu e experimentou em toda a sua vida. Ele anunciava a chegada do Reino de Deus, categoria usada para pensar e exprimir o desejo, o querer de Deus desde a criação, e realizava milagres, manifestação plena da proximidade desse Reino. Deus vem para a humanidade!

O cristão, discípulo de Jesus, também é chamado a viver essa relação com o Pai e com os irmãos. No evangelho, acompanhamos Jesus em sua caminhada fora do território de Israel, realizando sua missão de proclamar a chegada do Reino também entre os pagãos. A cura do surdo-gago é sinal de que, em sua vida, Jesus comunicou a novidade divina, revelando o Deus interessado no ser humano e o humano aberto a Deus e aos outros. O homem que outrora era surdo e gago é imagem do discípulo, cuja vida, após o encontro com Cristo, é anúncio e sinal da salvação realizada por Deus.

O encontro com o Senhor deve reorientar nossa vida e nossos valores. Cabe avaliarmos se tal experiência é capaz de modificar nossa vida a ponto de sermos contagiados por tamanha entrega, fé e confiança no Pai, mas também pelo amor, comprometimento, doação e serviço aos nossos irmãos.

Rita Maria Gomes, nj

Ir. Rita Maria Gomes, nj, é natural do Ceará, onde fez seus estudos em Filosofia no Instituto Teológico e Pastoral do Ceará (Itep), atual Faculdade Católica de Fortaleza. Possui graduação, mestrado e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde leciona Sagrada Escritura. É membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém, que tem como carisma o estudo e o ensino da Sagrada Escritura. E-mail: [email protected]