Roteiros homiléticos

24 de dezembro – NATAL DO SENHOR – MISSA DA NOITE

Por Pe. José Luiz Gonzaga do Prado

O pobre, salvador dos pobres

I. Introdução geral

 Jesus não nasceu no dia 25 de dezembro. No Oriente, o Natal é celebrado no dia 6 de janeiro. A Igreja do Ocidente optou por celebrar a memória do nascimento do Senhor no dia 25 de dezembro porque nele se celebrava o nascimento do Sol Invicto. No hemisfério norte, essa é considerada a noite mais longa do ano. O sol vinha se escondendo, os dias cada vez mais curtos, agora o sol começa a voltar. Jesus é o sol que nasce. É o verdadeiro sol invicto, que não se deixa vencer pelas trevas.

Por isso, as três missas de Natal. A da meia-noite lembra o livro da Sabedoria: “Quando... a noite chegava ao meio do seu curso, a tua palavra todo-poderosa vinda do céu...” (18,14-15). A do raiar do dia lembra Jesus, o dia que nasce, e a missa do dia é a claridade de meio-dia da Palavra encarnada.

Os textos da missa da noite falam de luz e de trevas. O cativeiro era um mundo de trevas, próximas das trevas do hades ou sheol, que nossa versão do credo transformou em “mansão dos mortos”. A libertação é a luz que volta a brilhar. A luz volta a brilhar porque um menino nos foi dado.

A noite dos arredores de Belém é iluminada pelo clarão do anjo do Senhor. A vida escura dos pobres pastores se ilumina, porque para eles nasceu um salvador, em tudo semelhante a eles.

II. Comentários aos textos bíblicos

  1. I leitura: Is 9,1-6

Para Isaías, a esperança de sair do cativeiro é como uma luz que brilha na escuridão. Hoje, Jesus deve ser a luz que brilha na noite da humanidade, ainda debaixo do peso de um cativeiro sempre renovado.

O povo havia sido levado para o cativeiro da Babilônia passando pela Galileia – dominada pelos gentios –, precisamente pelas regiões de Zabulon e Neftali. Agora volta do cativeiro pelos mesmos caminhos. Isso foi dito no final do capítulo 8. No texto de hoje, esse retorno é a luz que brilha para os que já se consideravam na caverna escura debaixo da terra, como imaginavam o lugar dos mortos.

Sua alegria se manifesta na presença de Deus. É a alegria da colheita. Se o plantio foi duro e sofrido, a alegria da colheita compensa e muito. A canga que lhes pesava no pescoço, a vara com que lhes batiam nos ombros, o chicote dos capatazes, tudo foi quebrado. Se no cativeiro viviam como bois de carro ou animais de carga, agora tudo isso acabou.

No episódio de Madiã (Jz 7), Gedeão, para mostrar que era Javé quem lutava por eles, derrota, com um pequeno grupo de combatentes, o poderoso exército dos madianitas, que oprimiam os israelitas. Agora, também, a libertação é obra de Deus.

Acabou o clima de guerra, acabou o tempo das armas, das botas barulhentas dos soldados, das fardas sujas de sangue. Isso deve desaparecer, deve ir para o fogo. Chegou o tempo da paz e da felicidade completa para todos.

A alegre esperança se concretiza na pessoa de um menino nascido para trazer a felicidade completa, a paz, para todo o povo. Quem seria esse menino na mente do poeta-profeta não se sabe com certeza. A verdade é que essa esperança em um personagem concreto vai se firmando na tradição judaica até tornar-se esperança no futuro Messias.

  1. II leitura: Tt 2,11-14

As palavras atribuídas a Paulo falam da ternura de Deus que se revela na encarnação de Jesus. Só a mansidão de Deus pode vencer a nossa arrogância.

As chamadas epístolas pastorais supõem uma situação eclesial bem posterior ao tempo de Paulo. As comunidades cristãs já podem ser identificadas no meio do mundo gentio ou pagão, já têm certa visibilidade. O comportamento dos cristãos é um testemunho positivo ou negativo de sua fé.

A epístola a Tito manda dar orientações aos idosos (2,2), às idosas (2,3), às jovens e às esposas (2,4-5), aos jovens (2,7) e aos cristãos escravos (2,9-10), todas reforçadas pelo bom exemplo do destinatário da epístola (2,7-8). De todos se pedem humildade e moderação, para que sua fé não seja objeto de críticas, mas de elogios e de simpatia.

Tudo desemboca no trecho lido na missa da noite de Natal. O Menino do presépio é a manifestação da graça salvadora de Deus. Aquele que teve como berço um cocho, onde se coloca alimento para os animais, e teve como leito de morte a vergonhosa cruz, ele é que nos revela a graça salvadora de Deus, ele é que mostra à humanidade o caminho da vida, ele é que mostra como é gratuita a salvação.

Ele não nos tira deste mundo, mas não nos deixa ser arrastados pela cobiça e pela arrogância que governam o mundo. Ao contrário, sua pobreza e humildade nos ensinam a viver com moderação, sem a gastança em que se converteu a celebração do nascimento do Menino; a viver humildemente, procurando a justiça e a piedade, sem procurar a glória do presente, na serena expectativa da glória que virá.

  1. Evangelho: Lc 2,1-14

 Jesus nasceu na extrema pobreza e foi anunciado por Deus como salvador dos pobres pastores. Nasceu no meio da história humana, submisso aos poderosos do mundo. Seu nascimento dá glória a Deus e traz a plena realização aos pobres.

Pouco interessa a exatidão histórica desse “primeiro recenseamento, quando Quirino governava a Síria”. A referência aos poderosos do mundo de então vai contrastar com a pobreza e humildade do nascimento daquele que se tornou realmente o centro da história da humanidade.

O Evangelho de Lucas é o Evangelho do amor de Deus, o Evangelho dos pobres, dos pecadores, das mulheres, de todos os discriminados e excluídos. José, que é da descendência de Davi, está submetido às ordens dos senhores deste mundo e vai com Maria, grávida, até Belém. É preciso que o Filho de Davi venha de Belém.

Não há lugar para eles na hospedaria. Ficam fora, como tantos outros que ficam fora. Vão dormir na estrebaria, e o berço do Menino será um cocho, um lugar onde se põe alimento para o gado. Não nasce num berço de ouro; ao contrário, nasce pobre entre os mais pobres.

Os pastores eram pobres, temidos e discriminados. Sua situação era semelhante à dos ciganos de hoje. Eram nômades, iam de um lugar para outro, conduzindo suas ovelhas. Passavam as noites ao relento, olhando seus rebanhos. Eram temidos pela suspeita de serem ladrões de gado.

A eles aparece o anjo do Senhor. No Primeiro Testamento, o anjo do Senhor é como que uma duplicata de Javé, que diretamente ninguém pode ver, senão morre. É a maneira de o próprio Deus Javé aparecer. O anjo do Senhor diz aos pastores que nasceu um salvador para eles, um salvador para os últimos da sociedade.

De onde virá o salvador dos pastores? O sinal será este: um recém-nascido envolto nas faixas comuns dos recém-nascidos e deitado num cocho, dentro de uma estrebaria. É aí, não em um palácio, que vão encontrá-lo. Num palácio, os pastores não poderiam entrar. Só mesmo numa estrebaria, num ambiente que lhes era familiar, vão encontrar o seu salvador.

Ele será também uma alegria para todo o povo. Ele não deixa ninguém constrangido; dele todos podem se aproximar, a ele todos podem procurar. A pobreza é o sinal da salvação que chega. Isso abala os critérios da nossa sociedade humana, contrasta com a mentalidade reinante, vai contra a corrente do pensamento único. Isso não combina com a maneira atual de celebrar o Natal. Choca. Incomoda. Mas é fato incontestável.

E a multidão de anjos que se une ao anjo do Senhor diz, cantando, que esse nascimento significa a glória de Deus nas alturas e, na terra, o bem, a felicidade, a plena realização — pois shalom significa plenitude — daqueles que se encaixam nesse projeto de Deus. A palavra grega eudokia, traduzida antigamente por “boa vontade” e atualmente por “bem-querer” – daí queridos, amados por Deus –, parece significar algo mais, o próprio projeto do bem-querer de Deus. Por isso foi dito: “aqueles que se encaixam no projeto compassivo de Deus”, aqueles que, sem arrogância, se veem carentes do amor compassivo e salvador de Deus.

III. Pistas para reflexão

 A alegre esperança daqueles que, em todos os tempos, buscam a verdadeira paz se concretiza na pessoa de um menino nascido para trazer a felicidade completa, a paz, para todo o povo.

A ternura de Deus se revela no presépio. Só a mansidão de Deus pode vencer a nossa arrogância. Paz na terra àqueles que, sem arrogância, se veem carentes do amor compassivo e salvador de Deus.

O Menino do presépio é a manifestação da graça salvadora de Deus. Aquele que teve como berço um cocho e teve a cruz como leito de morte, ele é que nos revela a graça salvadora de Deus, ele é que mostra à humanidade o carinho de Deus, ele é que nos revela como é gratuita a salvação. O anjo do Senhor diz aos pastores que nasceu um salvador para eles, um salvador para os últimos da sociedade. Mas de onde virá o salvador dos pastores? Não é em um palácio que vão encontrá-lo. Num palácio, os pastores nem poderiam entrar. Só mesmo numa estrebaria eles vão encontrar o seu salvador.

A pobreza é o sinal da salvação que chega. Isso abala os critérios da nossa sociedade humana, contrasta com a mentalidade reinante, vai contra a corrente do pensamento único. Isso não combina com a maneira atual de celebrar o Natal. Choca. Incomoda. Mas é o fato incontestável que celebramos esta noite.

Na missa celebramos aquele que teve como berço um cocho e por leito de morte a cruz. Nasceu na estrebaria, não num berço de ouro. Celebramos como ele assume a maldição que era a cruz a fim de abrir-nos o caminho da vida, da salvação.

Ele vem ao nosso encontro não numa “Noite feliz” que cantamos, nem apenas na comunhão ritual de que participamos. Ele vem ao nosso encontro em tudo e todos os que encontramos.

Pe. José Luiz Gonzaga do Prado

Mestre em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e em Sagrada Escritura pelo Pontifício Instituto Bíblico. Autor dos livros A Bíblia e suas contradições: como resolvê-las e A missa: da última ceia até hoje, ambos publicados pela Paulus.