Roteiros homiléticos

3 de janeiro – EPIFANIA DO SENHOR

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

A cidade que irradia justiça

I. Introdução geral

Procure imaginar que no projeto de Deus tudo deve estar conectado. Mas não somente as pessoas estão conectadas umas às outras. Trata-se de uma conexão que vai além das pessoas e atinge também os espaços em que as pessoas vivem. Nesse sentido, podemos incluir as cidades e as Igrejas. As cidades e Igrejas deveriam ser um reflexo dos compromissos de cada pessoa e, assim, refletir o compromisso com os valores evangélicos que cada cristão traz gravado no coração. Cidades e Igrejas que não refletem os valores evangélicos apenas mostram que a maioria do povo que nelas está inserido vive uma vida cristã sem autenticidade e desvinculada do projeto de Deus. Nesse sentido, uma reflexão poderia ser muito bem-vinda: a cidade em que vivemos reflete aquilo que o povo de Deus nela vive? E mais ainda: qual a relevância de nossas igrejas para as cidades?

II.Comentários aos textos bíblicos

1. I leitura: Is 60,1-6

Nesta primeira leitura, estamos diante de bela descrição que o profeta Isaías faz da cidade de Jerusalém. A cidade é estabelecida por Deus como o centro religioso e econômico para todos os povos. Uma cidade onde necessariamente as pessoas se encontrariam e desenvolveriam um projeto de paz, de segurança e de bem-estar. Visto dessa forma, é possível dizer que a construção do bem-estar indica a desconstrução e superação do mal-estar, ou seja, as sementes da violência e da destruição não mais crescerão nas ruas da cidade de Jerusalém.

É possível pensar essa descrição comparativamente àquela de Isaías 1,21-23, em que o profeta descreve a cidade de Jerusalém como infiel a Deus porque havia deixado de lado a prática do direito e da justiça e deixado de agir solidariamente em favor dos enfraquecidos. A cidade que se caracteriza pelo brilho da glória de Deus é aquela em que reina a prática da justiça. O profeta Isaías chama a nossa atenção para algo de extrema importância e que na maioria das vezes esquecemos. A cidade de Jerusalém era infiel, mesmo tendo um templo e mesmo que fosse o famoso templo de Salomão. Isaías é ousado ao mostrar que a infidelidade a Deus está ligada à prática da injustiça, à falta de solidariedade e ao esquecimento do direito e dos pobres, justamente por parte daqueles que frequentavam o templo. Eram pessoas que achavam possível amar a Deus sem praticar a justiça!

2. II leitura: Ef 3,2-3a.5-6

A palavra “mistério” utilizada por Paulo não deve ser compreendida como algo que foge à nossa compreensão. Seu significado primeiro se relaciona com o projeto de Deus, o qual visa salvar a todos por meio de Jesus. Em Jesus tudo se descortina. Ele é quem revela Deus: “Eu e o Pai somos um”.

Há em Jesus um projeto salvador que Paulo procura com esmero anunciar. Diz ele que esse projeto não era conhecido das gerações passadas. Trata-se de um mistério que se apresenta para a salvação de toda a humanidade por meio de Jesus Cristo. Paulo está dizendo com todas as letras que não é possível monopolizar o Messias. Nesse caso, também os “gentios” são convocados a participar do povo de Deus. Somente em Jesus Cristo é possível pensar em inclusão. Nele, por ele e a partir dele todas as pessoas pode se sentir incluídas.

Jesus, por isso, não pode ser resumido a uma etnia, a uma ideologia, a uma fronteira. Vemos em Jesus, em suas palavras e ações, que sua preocupação maior era sempre com a inclusão. Jamais ele recusava aqueles que queriam segui-lo. Jamais fechava a porta atrás de si. Jesus não se via como um mistério a ser desvendado por alguns iluminados e privilegiados. Nele havia a possibilidade da inclusão para todos aqueles que desejassem segui-lo. Bastava dar um primeiro passo!

3. Evangelho: Mt 2,1-12

Uma visão que bem poderia ser compreendida como a mais comum para todos nós. Ela se reveste de uma força que tem o poder de nos contagiar e, dessa forma, conduzir-nos por caminhos de novas e melhores práticas. Maria está em casa com seu filho. Uma imagem que, para muitos em nossa sociedade, mães ou pais, se tornou fugidia. Ela está em casa e usa de seu tempo de forma sábia e com qualidade. Vive vida de qualidade ao lado de seu filho. Maria faz do espaço doméstico um lugar de formação continuada do caráter do pequeno Jesus. É bem possível dizer que Maria utiliza seu tempo com qualidade. Nele, isto é, no tempo, Maria vê possibilidades de gerar maior conhecimento e comunhão não somente entre ela e o filho, mas, também entre ambos e o projeto de Deus.

Hoje dizemos: não temos tempo. Com isso, vivemos relações imbuídas de profunda falta de qualidade com os nossos filhos e filhas. Vivemos mais fora do que dentro de casa. Muitos saem pela manhã, quando os filhos estão dormindo, e somente voltam à noite, quando os filhos já se recolheram. Não se veem e, consequentemente, comprometem a qualidade do relacionamento com seus filhos. Se administrarmos o tempo de forma inadequada, ele age contra nós. E, quando percebemos, nossos queridos filhos/as cresceram sem que tivéssemos consciência desse fato. Precisamos de tempo e, talvez, muito mais do que isso; precisamos priorizar o que realmente possui valor para todos nós: os filhos/as.

Não há nada que substitua o contato da mãe e do pai com seus filhos e filhas. Por isso, Maria se faz presente. Não é mãe ausente. Sua presença é forte, constante, carinhosa e fundamental para que seu filho cresça em ambiente sadio. O texto bíblico, ao ressaltar que “viram o menino com Maria”, deseja enfatizar que a qualidade dos relacionamentos bem construídos tem por base o tempo que dedicamos às pessoas que amamos. Maria ama e por isso faz questão de viver próxima do filho. Não tenho tempo, dizemos com muita facilidade, a fim de reduzirmos o senso de culpa. No entanto, as 24 horas do dia de Maria são também as 24 horas que temos. Assim, o problema não está na quantidade de horas, e sim na maneira como o administramos e como elegemos nossas prioridades.

É impossível amarmos com qualidade se não estamos presentes. O próprio Deus salienta esse princípio ao dar o nome a seu filho: Emanuel, ou seja, Deus conosco. Para amar e continuar amando, precisamos nos encontrar e “gastar” o tempo juntos. Maria também é “Emanuel” para seu filho, e, da mesma forma, deveríamos ser “Emanuel” para nossos filhos e filhas.

III. Pistas para reflexão

- Para quem precisamos ser “Emanuel”, isto é, presença que ajuda, abençoa, partilha, vive e convive? A presença fala muito alto. Devemos inspirar-nos na “estratégia de Deus”, que se fez presente junto a nós – por meio de Jesus –, e nos convencer de que podemos revitalizar a qualidade dos nossos relacionamentos com os que nos cercam e com a nossa comunidade quando fazemos de nossa presença algo constante.

- Muitas vezes – e por que não dizer, na maioria das vezes – nossas cidades são marcadas por muita religiosidade e pouca justiça social. Tentemos imaginar a desproporção entre as pessoas que se dirigem a alguma igreja nos fins de semana e o perfil da cidade onde elas vivem. Se a igreja parece o “céu”, os outros locais às vezes parecem “infernos”, devido à prática da injustiça e ao descaso para com o ser humano.

Luiz Alexandre Solano Rossi

Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), pós-doutor em História Antiga pela Unicamp e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no Programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da PUC-PR. Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó e Deus se revela em gestos de solidariedade. E-mail: [email protected]