Roteiros homiléticos

3 de maio – 5º DOMINGO DA PÁSCOA

Por Aíla Luzia Pinheiro Andrade, nj

“Permanecei em mim e eu permanecerei em vós”

I. INTRODUÇÃO GERAL

O Sl 22, com o qual respondemos às leituras de hoje, expressa o desejo de que todas as nações e gerações futuras estejam diante de Deus para adorá-lo. Por enquanto os povos ainda não se arrependeram de suas ações violentas e ainda não praticam a unidade entre si. Tampouco se consideram irmãos, já que não reconhecem o mesmo Deus e único Pai.

Tornar esse desejo, expresso no salmo, em realidade depende, em grande parte, do modo como os seguidores de Jesus vivem o mandamento do amor. Seguir Jesus ou permanecer nele significa amar incondicionalmente. Significa amar como Jesus amou, fazendo do perdão a resposta definitiva ao ódio e à violência.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

  1. Evangelho (Jo 15,1-8): Permanecer em Jesus

O evangelho de hoje nos mostra os elos que formam a corrente do amor: o Pai, Jesus, os cristãos. Jesus nos mostrou quanto o Pai nos ama. Agora somos nós, os discípulos, que devemos mostrar ao mundo quanto experimentamos do amor do Pai por meio de Jesus. Para isso, é necessário que os membros da comunidade permaneçam unidos.

A metáfora da videira e dos ramos ilustra bem isso. Assim como os ramos da videira estão unidos entre si pelo tronco, os cristãos somente poderão estar vinculados uns aos outros se permanecerem no mandamento de Jesus, a saber, o amor. A maioria daqueles que se dizem cristãos ainda não atentou para o fato de que “permanecer em Jesus” não significa se tornar adepto de doutrinas, mas dar adesão a alguém, a uma pessoa concreta, Jesus. O mandamento que nos une a Jesus é o amor. O exercício do amor fraterno é o sinal distintivo do cristão justamente porque é a prova de sua comunhão vital com o Senhor.

Somente unido ao tronco o ramo pode viver e frutificar: “sem mim nada podeis fazer” (v. 5). Isso mostra não somente nossa dependência de Cristo, mas também a vontade dele de nos doar sua própria vida. E é impossível ter uma vida de comunhão com Cristo, que é o amor encarnado, sem que se produzam frutos de amor – manifesto não simplesmente pela eloquência ou pela multiplicação de palavras, “mas por atos e em verdade” (II leitura, v. 18).

  1. I leitura (At 9,26-31): Permanecer na unidade

A leitura fala sobre desconfiança e sobre lealdade. O texto refere-se à chegada de Saulo a Jerusalém e afirma que todos tinham medo dele, pois não acreditavam que fosse discípulo de Cristo (v. 26). As pessoas começam a ter dúvidas sobre a sinceridade da conversão do perseguidor. Parece ser algo extraordinário que a ação de Cristo sobre o principal opositor da comunidade o tenha feito mudar de vida, por isso é tão difícil acreditar.

A conversão é possível a todos, mas converter-se não é apenas passagem da incredulidade para a fé, como muita gente pensa. É, antes de tudo, um exercício de saída do egoísmo para o crescimento no amor. Sob esse aspecto, a conversão não é acontecimento pontual na vida de uma pessoa, mas a vida inteira em progresso de santidade.

É comum desconfiarmos que alguém tenha mudado radicalmente de vida de um momento para o outro, à semelhança do ocorrido com Saulo. Mas quem realmente fez a experiência amorosa com o Mestre da Galileia pode ousar dar um voto de confiança e até mesmo um passo na direção do antigo inimigo da fé, ainda que isso traga dissabores e riscos à própria vida. Assim fez Ananias, e outros seguiram esse exemplo.

Dado o voto de confiança, a comunidade prossegue guiada pelo Espírito Santo, anunciando com coragem o evangelho. Ė importante que Saulo esteja unido aos demais apóstolos e sob a ação do Espírito, que realiza a comunhão entre os novos irmãos e as testemunhas oculares de Jesus. A efetivação da missão e o crescimento da comunidade são frutos dessa comunhão. Tanto a conversão do coração quanto a unidade de todos os membros do corpo, que é a Igreja, constituem uma única ação do Espírito Santo.

  1. II leitura (1Jo 3,18-24): Permanecer no amor

Crer em Jesus é amar, afirma a segunda leitura. Amor que não se confunde com sentimentalismo de novela, mas se traduz em atos de amor eficaz em favor do próximo. Ė dessa forma que os discípulos mostram que permanecem em Jesus. A comunidade está sob um novo mandamento. No Antigo Testamento, o povo de Israel encontrava sua identidade no amor a Deus e no amor ao próximo como a si mesmo (cf. Dt 6,5; Lv 19,18). O novo mandamento dado por Jesus é que amemos como ele nos amou (cf. Jo 13,34; 15,12; 1Jo 3,23). Essa é a verdadeira identidade do cristão.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Um destaque maior na reflexão pode ser dado ao seguinte versículo: “E qualquer coisa que pedirmos dele a receberemos, porque guardamos os seus mandamentos” (1Jo 3,22).

Trata-se de boa oportunidade para corrigir alguns desvios pastorais de nossa época, principalmente no que tange à ideologia da prosperidade. Será que Deus assinou um cheque em branco para nós? Teria Deus nos dado a senha de seu cartão com crédito ilimitado? Seria Deus um gênio da lâmpada de um conto de fadas, pronto para realizar nossos desejos? Em um trecho mais adiante da primeira carta de João, fica claro que Deus nos concederá o que desejarmos se o pedirmos “conforme a sua vontade” (1Jo 5,14), ou seja, quando desejarmos o que Deus deseja.

Disse Jesus: “o que pedirdes ao Pai em meu nome, ele vos dará” (Jo 16,23); mas, para pedir a Deus qualquer coisa em nome de Jesus Cristo, é preciso estar primeiramente em consonância com o modo de ser de Jesus. Pedir algo a Deus em nome de Cristo é como se o próprio Cristo estivesse pedindo. Dessa forma, somente podemos pedir o que Cristo pediria. E o que ele pediria? “Pai... não seja feita a minha vontade, mas a tua” (Lc 22,42).

Depois de corrigir todo desvio de interpretação decorrente da ideologia da prosperidade, poderemos voltar ao nosso trecho de 1Jo 3,22, acrescentando-lhe as mesmas palavras de Jesus: “Pai, eu te agradeço porque me ouviste e eu sei que sempre me ouves” (Jo 11,41-42).

Aíla Luzia Pinheiro Andrade, nj

Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje – BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas). E-mail: [email protected]