Roteiros homiléticos

3 de novembro – 31º DOMINGO DO T. COMUM – TODOS OS SANTOS

Por Aíla Luzia Pinheiro Andrade

QUEM MORARÁ NO SANTUÁRIO DO SENHOR?

I. INTRODUÇÃO GERAL Cristo é a fonte da santidade dos cristãos. As situações mencionadas nas bem-aventuranças foram vivenciadas primeiramente por Jesus e, por isso, ele se tornou o critério pelo qual discernimos se estamos vivendo ou não de acordo com a vontade de Deus. As situações concretas da vida são, às vezes, carregadas de sofrimento. Feliz é quem permanece fiel em momentos de angústia e crise. Em linguagem apocalíptica, feliz é quem alveja suas vestes no sangue do Cordeiro. Essa expressão significa assumir a veste nova do batismo em situação de grande perseguição, a ponto de se identificar com o Cristo crucificado. Os santos são aqueles cuja consciência de pertença a Cristo é tão forte que estão dispostos a tudo por amor a Deus. O que move as ações deles é o amor ágape, o mesmo que moveu Cristo na oferta da própria vida na cruz.   II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS 1. Evangelho (Mt 5,1-12a): Perseguidos por causa da justiça As bem-aventuranças, em seu conjunto, constituem um estilo de vida, uma mensagem de esperança e uma ordem de batalha para aqueles que lutam pela implantação do reino dos céus e anseiam por sua chegada definitiva. O ponto de partida das bem-aventuranças são as condições concretas da vida humana. Há pessoas que choram, são injustiçadas, perseguidas, injuriadas e caluniadas por causa do reino dos céus, e ainda assim permanecem mansas, pacificadoras misericordiosas e puras. No idioma de Jesus, o termo geralmente traduzido por “bem-aventurados” ou “felizes” é o imperativo dos verbos “avançar” e “prosseguir” (cf. Pr 4,14). Em um contexto de perseguição, as palavras de Jesus também podem ser assim traduzidas: “Que avancem os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus!” Os “pobres em espírito” são aqueles cujas vidas estão apoiadas em Deus, não nos bens materiais e, por isso, sua luta não será em vão, mas alcançarão aquilo que esperam, a saber, o reino dos céus. Que avancem os “mansos”, pois, embora atribulados, não agem com violência nem duvidam do amor de Deus por eles. Estes herdarão a terra, e a usufruirão sem violência, como o desejam. Que avancem os que têm “fome e sede de justiça”, a saber, os decepcionados com a justiça terrena, a qual não defende os inocentes e favorece os culpados. E, porque esperam unicamente na justiça divina, não serão decepcionados, mas alcançarão a vitória, viverão numa terra renovada, alicerçada na justiça. Que avancem os misericordiosos, pois como agiram à semelhança do agir divino, serão tratados por Deus com misericórdia; e viverão num novo mundo, onde a misericórdia e o amor superam todas as coisas. Que avancem os “puros de coração”, os que são transparentes, não enganam e nem são falsos. Eles verão a Deus. Que avencem todos aqueles que “promovem a paz”, ou que produzem o shalom (prosperidade, bem, saúde, inteireza, segurança, integridade, harmonia e realização). Serão chamados filhos de Deus, o verdadeiro doador da paz. Finalmente, que avancem os “perseguidos por causa da justiça”, os que sofrem perseguição por causa da fé, por causa do evangelho. Quem sofre por causa de uma participação ativa na construção do reino não será decepcionado, mas verá o reino acontecer. Os que se ajustam à vontade de Deus terão lugar no reino dos céus onde a vontade de Deus é soberana. Finalmente, que avancem as pessoas de boa vontade, verdadeiras promotoras dos valores do reino dos céus na história. Quando as pessoas viverem essas situações, devem se lembrar de que foi isso que aconteceu aos profetas e mártires. É o preço que se paga pela fidelidade ao evangelho. Essas pessoas não estão sendo castigadas, como poderia afirmar a teologia da retribuição, mas estão sendo convidadas a ter a mesma atitude de Jesus diante do “mundo hostil” ao valores do reino dos céus. Estão sendo convocadas a viver sua fidelidade ao Pai, assumindo todas as consequências dessa decisão até que brote a vida em plenitude.   2. I Leitura (Ap 7, 2-4. 9-14): Os que vieram da grande tribulação O texto apresenta o destino reservado à Igreja colocada sob a eficaz proteção de Deus durante um período de perseguição. Isso não significa que os cristãos fiquem isentos do sofrimento, ao contrário, devem preparar-se para fazer frente a graves perseguições e, inclusive, a aceitar o martírio. A visão tem, portanto, o objetivo de animá-los a perseverar até a morte. O primeiro quadro se desenrola com base no conceito antigo que considerava a terra como sendo quadrada, com ventos nocivos originados de seus ângulos (cf. Jr 49,36). Os anjos recebem a ordem de não permitir que os ventos iniciem sua obra de destruição até que os fiéis tenham recebido o selo de Deus, que equivaleria a uma declaração de propriedade (cf. Ez 9,lss). Isso significa que, em meio à prova, Deus dará aos seus servos fiéis as energias necessárias para que perseverem até a morte. Em resumo, os que foram associados à cruz de Jesus, ou seja, os que passaram pela grande tribulação, igualmente compartilham de sua glória no céu. Os cento quarenta e quatro mil (12 x 12.000) assinalados representam os fiéis provenientes das doze tribos de Israel dispersas sobre a terra. Em novo quadro, João viu uma multidão incontável, de todas as etnias, diante do trono do Cordeiro. As palmas que traziam nas mãos evocam as que eram usadas na liturgia judaica da festa das Tendas (Lv 23,40) para louvar o Deus de Israel. As vestes brancas, alvejadas no sangue do Cordeiro (v. 14), significam que os mártires permaneceram puros, não se deixaram contaminar, seja pela idolatria, seja pela apostasia, e por isso sofreram a morte. Por causa de sua fidelidade, agora estão diante do trono do Cordeiro vitorioso, realizando uma liturgia celeste.   3. II Leitura (1Jo 3,1-3): Os que esperam no Senhor Deus nos amou a tal ponto que não se contentou apenas em nos dar seu Filho único, mas tornou a nós mesmos seus filhos adotivos. Esse tipo de amor (ágape) é extraordinário, prodigamente generoso e tem sua fonte em Deus mesmo, é uma realidade divina da qual nós participamos através da filiação que recebemos. É de se esperar que o “mundo”, tomado aqui em sentido pejorativo, designando uma contraposição a Deus e ao seu propósito, não reconhecerá que somos filhos de Deus. Em resumo, se o amor (ágape) é o que move nossas ações, então seremos estranhos ao mundo que é movido por outros “valores”. A dignidade de filhos de Deus é desconhecida do mundo e imperfeitamente conhecida pelos próprios cristãos, porque todos os efeitos dessa nova situação ainda não se manifestaram. A vida eterna já está em nós, mas se manifestará em plenitude somente quando o Cristo glorioso voltar na parusia final. A esperança segura a respeito da manifestação plena da vocação humana à filiação divina é a motivação mais eficaz para o empenho em santificar-se. Essa esperança também é um dom gratuito de Deus a nos impulsionar na purificação. Do mesmo modo que os israelitas se purificavam com os ritos apropriados antes de entrarem no templo de Jerusalém, assim também os cristãos devem purificar-se espiritual e interiormente para entrar na realidade celeste do Cristo ressuscitado. Dito de outra forma, o ser humano não pode ser salvo sem a graça e os méritos de Cristo, mas, ao mesmo tempo, o esforço pessoal também é necessário no processo de santificação. Não se trata de uma pureza meramente externa, mas sim de esforçar-se para configurar-se plenamente à vontade de Deus expressa na vida de Jesus.   III. PISTAS PARA REFLEXÃO Os textos de hoje têm o objetivo de animar os cristãos e sustentá-los na perseverança e na fidelidade até a morte. As leituras nos mostram o quanto são felizes os que permaneceram fiéis até o fim. A fidelidade à mensagem de Cristo é o grande desafio de nosso tempo. Muitas pessoas estão desencantadas com a Igreja por causa de várias razões, a maioria deles devido à falta de amor que deve ser a marca característica da comunidade de Jesus. A igreja local, frequentada pelas pessoas em seu cotidiano, pode atrair mais pela misericórdia, por ser mansa e pacificadora. É bom destacar na homilia que nossa preocupação principal deve ser com o testemunho de vida e não com encher os templos com cristãos desencantados e pouco comprometidos. O testemunho da igreja local os reencantará para Cristo. Muitas pessoas passam por grandes sofrimentos e se afastam da Igreja porque não encontram explicações, ou porque lhes foram dadas explicações desastrosas para suas angústias e sofrimentos. Se a igreja é solidária com o sofredor, ele se sentirá seguro para permanecer fiel, mesmo sem entender o sofrimento que o sufoca. Muitas vezes as desistências ou o distanciamento das pessoas em relação à Igreja é porque lhes foi prometido um cristianismo fácil e confortável como retribuição pelas boas obras. Mas quando as dificuldades se anunciam, como é próprio da vida humana, as pessoas não têm a força interior para manter-se fiéis.

Aíla Luzia Pinheiro Andrade

Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje - BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas). E-mail: [email protected]