Roteiros homiléticos

32º Domingo do Tempo Comum – 11 de novembro

Por Zuleica Aparecida Silvano

I. Introdução geral

As leituras bíblicas deste domingo têm como temas centrais a confiança no Deus verdadeiro e a entrega total da própria vida, conforme fez Jesus Cristo (II leitura), em contraste com a falsa piedade dos escribas (evangelho) e com os falsos ídolos que conduzem à morte (I leitura). Deste modo, elas nos convidam a estar disponíveis para nos dedicarmos totalmente ao serviço do Reino.

II. Comentário dos textos bíblicos
  1. I leitura: 1Rs 17,10-16

Acab, rei de Israel, ao casar-se com Jezabel, filha do rei da Fenícia, permitiu que fosse introduzido no Reino do Norte o culto a Baal (deus cananeu ao qual se atribuía o dom da chuva e da fertilidade da terra), abandonando o verdadeiro Deus de Israel. Diante desta realidade, em 1Rs 17,1-9 Elias profetiza a seca em toda a região, mas ele mesmo é sustentado por Deus, que lhe dá água da torrente e o alimenta com o pão levado pelos corvos todas as manhãs. No v. 7, somos informados de que a torrente secou e assim o profeta não tem como sobreviver, passando a sofrer as consequências do seu anúncio: a seca e a fome. Nesse contexto, Deus dá nova ordem: “Vá a Sarepta da Fenícia para viver aí; eu ordenarei uma viúva que te dê comida”. Uma ordem que exige fé e obediência, dado que Sarepta era cidade localizada ao sul de Sidônia, na Fenícia, terra de onde provinha Jezabel e seu culto a Baal, e o profeta precisava contar com a generosidade de uma viúva estrangeira, pobre, possuidora somente de um punhado de farinha para alimentar o seu filho e a si mesma. Por outro lado, essa indefesa viúva é também desafiada a confiar num estrangeiro (Elias) e lhe é exigida atitude de profunda fé em um Deus que não conhecia, e isso num momento crucial, no qual não havia nenhuma possibilidade de esperança. Essa tensão e exigência são expressas na dramaticidade da fala da viúva (“comeremos e depois morreremos”) e na insistência do profeta, que pede a essa mulher tudo que tinha para a sobrevivência dela e de seu filho. Elias depende do abandono confiante da viúva e lhe exige uma fé que vai além do amor para com seu filho e para consigo mesma. A viúva, mesmo diante do extremo sofrimento, da dor, da morte, confia, ajuda o profeta, entregando-lhe tudo que possuía. Pela confiança de ambos e pela generosidade da pobre viúva, Deus age e se revela como o Deus da vida.

Note-se que a vasilha de farinha e a jarra de óleo não se encheram, mas também não se esvaziaram, ou seja: Deus cumpre a promessa, mas no pouco. Desse modo, Ele convida a viú­va, o profeta e a nós a confiar a cada dia e nos ensina que pouca coisa é necessária para viver quando confiamos na sua presença, a qual se manifesta no cotidiano e em nossa pobreza.

  1. Evangelho: Mc 12,38-44

Na passagem de Mc 12,38-44 há a descrição do último ensinamento público de Jesus no Templo. Nesse ensinamento (vv. 38-40), Jesus questiona o comportamento dos escribas pela ostentação, pela exploração das viúvas e pelas orações feitas para impressionar os outros. Desse modo, não obedecem ao primeiro mandamento, que diz respeito a Deus, nem ao segundo mandamento, ao explorarem as viúvas, pessoas que deveriam ser protegidas por eles (cf. Ex 22,21-23; Is 1,17; 10,1-2). Por isso, Jesus afirma que terão um juízo muito severo da parte de Deus.

É nesse contexto que Jesus chama a atenção para a atitude da viúva pobre, oposta à dos escribas, que privavam as viúvas de seu patrimônio, empobrecendo-as. Num primeiro momento, o evangelista especifica onde Jesus se posiciona, o que observa (vv. 41-42), e depois nos dá a conhecer sua avaliação, fundamentada naquilo que vê. Sentado diante do cofre do Templo, Jesus observa que os ricos oferecem muito e a pobre viúva oferece duas moedinhas, que correspondem a muito pouco. A avaliação dele não se baseia no valor econômico, mas existencial. Aprova a liberdade da viúva pobre diante do bem material que possui e também sua atitude de total confiança em Deus. Ela, por sua vez, demonstra a capacidade de amar a Deus com toda a alma, com todo o coração, com toda a mente e com toda a força, que são os bens materiais (cf. Mc 12,30), não reservando nada para si, mas generosamente depositando “todo o seu viver” nas mãos de Deus. Jesus reprova tanto os escribas (cf. vv. 38-40), que se deixaram corromper pela ambição e pela vanglória e exploram os pobres no pouco que têm, quanto os ricos, que doam a Deus de seu supérfluo.

Este relato nos indica que o lugar do encontro com Deus não se situa no âmbito do poder cultual ou institucional, mas no da total abertura e disponibilidade a Deus. Outro aspecto a ser sublinhado é que, na atitude despojada dessa viúva pobre, que oferta “todo o seu viver”, transparece a atitude de Jesus de doar a própria vida, entregar-se totalmente por amor e por fidelidade ao projeto de Deus. Portanto, os discípulos são chamados a seguir não o exemplo dos escribas, mas sim o da pobre viúva, que centra a vida no amor gratuito a Deus.

  1. II leitura: Hb 9,24-28

Tendo presente o tema central do evangelho desta liturgia, que é o doar-se totalmente a Deus, o texto de Hb 9,24-28 enfatiza a entrega plena de Jesus, a fim de destruir o pecado, e seu acesso ao santuário celestial, por meio de sua morte, para interceder por nós.

Nesta passagem, o autor estabelece um contraste entre o sacrifício de Cristo e a celebração do Dia das Expiações, na qual o sumo sacerdote, uma vez por ano, entrava no Santo dos Santos (o lugar mais sagrado do Templo) para aspergir o propiciatório (provavelmente, um objeto colocado sobre a tampa da arca da Aliança) com o sangue das vítimas oferecidas em sacrifício em expiação pelos pecados do povo.

Nos vv. 24-25, são ressaltadas várias diferenças entre Jesus e o sumo sacerdote. A primeira está na afirmação de que Jesus entra no céu e diante de Deus intercede a nosso favor, enquanto o sumo sacerdote entra no santuário terreno (v. 24a, santuário feito por mãos humanas). Desse modo, confirma que Jesus é o único mediador entre Deus e nós. A segunda está na constatação de que o rito de expiação era realizado anualmente. Assim, não eram expiados os pecados definitivamente, ao passo que o sacrifício expiatório de Jesus, sua morte, é oferecido uma única e definitiva vez.

Identificamos três temas nos vv. 27-28: a vinda de Cristo no fim dos tempos, a espera ativa dos cristãos e a salvação que será obtida. Esses versículos apresentam Jesus como sacerdote e o verdadeiro Cordeiro de Deus, que elimina todos os pecados em virtude da força expiatória de seu sangue, baseando-se no cântico do Servo do Senhor em Is 52,13-53,12.

III. Pistas para a reflexão

As duas viúvas (da I leitura e do evangelho) nos interpelam sobre o que significa doar-se sem medida e ensinam a cada um de nós que o critério para discernir a autenticidade de nosso seguimento de Jesus é o despojamento. De fato, é impossível seguir Cristo sem total confiança em Deus, atitude vivenciada radicalmente por Jesus ao entregar-se por fidelidade ao projeto do Pai (II leitura).

Ao fazermos memória do único sacrifício de Cristo, possamos ter consciência deste amor transbordante do Deus crucificado, que deseja ardentemente ocupar os espaços de nossa existência que ainda permanecem fechados, sem vitalidade, para plenificá-los com sua presença e nos impulsionar à entrega de nossa vida em solidariedade com as inúmeras vítimas sacrificadas pela exclusão, pela marginalização em nossa sociedade. Desse modo, estaremos adorando o Deus verdadeiro revelado em Jesus Cristo, aquele que intercede por nós junto ao Pai.

Zuleica Aparecida Silvano

Ir. Zuleica Aparecida Silvano, religiosa paulina, licenciada em Filosofia pela UFGRS, mestra em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico (Roma) e doutora em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde atualmente leciona. É assessora no Serviço de Animação Bíblica (SAB/Paulinas) em Belo Horizonte. E-mail: [email protected]