Roteiros homiléticos

4º Domingo da Quaresma – 11 de março

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

I. Introdução geral

Neste tempo da Quaresma, a caminho da Páscoa, temos os ouvidos e o coração direcionados para a experiência fundamental da fé cristã: o amor de Deus que nos deu o seu Filho único. Esse amor sem medidas é causa de júbilo para aqueles que buscam a libertação, o ânimo que nos estimula no caminhar rumo à vida plena. Deus move os acontecimentos e as pessoas, para que corram na direção da salvação que se aproxima, e faz que tudo concorra para a reconciliação da humanidade. Neste Domingo Laetare, experimentamos como a liturgia antecipa a plenitude que encontraremos na Páscoa definitiva, por isso já nos alegramos com a salvação que se aproxima.

II. Comentário dos textos bíblicos

No domingo que passou, Jesus declarou que o templo do seu corpo, destruído pela morte, seria erguido em três dias na ressurreição. Neste domingo, o seu erguimento se dá na cruz e será causa de vida e salvação para todos os que acolhem, pela fé, o imenso amor de Deus. A morte e a ressurreição de Jesus superam o pecado, são anteriores a qualquer boa obra que venhamos a praticar e demonstram o imenso amor de Deus pela humanidade. Na ressurreição de Jesus, somos erguidos por Deus aos céus, repatriados com ele para junto do Pai.

  1. I leitura: 2Cr 36,14-16.19-23 – Que se ponha a caminho!

A primeira leitura faz um resumo da história da destruição de Jerusalém e do Templo, do sequestro do povo de Deus como cativo do rei Nabucodonosor, rei da Babilônia, e seu posterior retorno para a terra de origem, sob Ciro, o rei da Pérsia. Esse relato sumário de uma longa trajetória faz importante releitura da história do povo à luz de duas importantes chaves que, como polos, marcam o compasso da história da salvação. Os pecados da idolatria e da infidelidade quebram a aliança, apartam o povo da sua terra, das suas raízes, e violentamente destroem a vida. Na outra extremidade, a fidelidade de Deus, de modo insistente e paciente, intervém para que esse povo volte à relação de aliança. A princípio, o texto dá a entender que a teimosia do povo venceu, pois este chega a zombar dos enviados de Deus e a desprezar sua mensagem, despertando o furor do Senhor. A invasão dos inimigos é lida e compreendida como resultado da infidelidade, fruto de uma situação irremediável. Em consequência disso, os inimigos destroem tudo, o Templo e os muros da cidade, e levam o povo como prisioneiro para o exílio na Babilônia. Esse exílio é mais que uma punição ou vingança de Deus. Ele é símbolo de um distanciamento que o povo anteriormente tinha tomado, distanciamento de Deus e da aliança.

Contudo, invencível mesmo é o amor de Deus pelo seu povo e a sua fidelidade. É isso que determina e rege a história da salvação. Já sob o reinado dos persas e sob o novo modo de governar de seu rei, Ciro, o povo é reconduzido à sua terra. O rei decreta a reconstrução do Templo, em Jerusalém, e ordena que o povo se ponha em marcha. O texto ressalta o cumprimento da palavra de Deus comunicada pelo profeta Jeremias: a terra desfrutará do repouso por 70 anos após a desolação da invasão, causada pela idolatria e pela infidelidade. Depois desse “tempo pedagógico”, Ciro é movido por Deus para que repatrie o povo cativo. O decreto do rei é emblemático: “que o Senhor, seu Deus esteja com ele, e que se ponha a caminho”, pois recorda o caminho que o povo fizera do Egito para a terra prometida, guiado por Deus no deserto. A oração do dia ressoa essa convocação de fazer caminho para a Páscoa de Jesus, que supera a Páscoa dos judeus e a volta do exílio.

  1. Evangelho: Jo 3,14-21 – Um amor que cura

O evangelho deste domingo é um trecho do colóquio entre Jesus e Nicodemos (cf. Jo 3,1-21). Trata-se de catequese batismal joanina que retoma nesta passagem, de modo figurativo, o relato da serpente de bronze. Convém recordar esse episódio (cf. Nm 21,8-9), para compreender o sentido profundo de sua menção por Jesus. No deserto, o povo que murmurava injustamente contra Deus fora picado por serpentes e muitos chegaram a morrer. O incidente, interpretado como resposta divina às injustas murmurações do povo, fez que Moisés intercedesse em seu favor. Seguindo as determinações de Deus, Moisés ergueu uma serpente de bronze sobre uma haste para que ficassem curados aqueles que, picados, olhassem para ela. Ao contrário do que se pensa, Deus não envenena o seu povo com vingança e punição. O povo mesmo é que se intoxica com o seu pecado e sua injustiça. As ações de Deus são de uma compaixão que supera o veneno do pecado e da morte, estabelecendo-se como referencial e marco – serpente erguida – de cura e de perdão.

No evangelho, a serpente é figura daquilo que vai se realizar em Jesus. Ele é que será erguido, levantado na cruz, para que a humanidade seja salva de suas infidelidades e de seus pecados. A morte de Jesus na cruz realiza e supera aquilo que, em figura, fora anunciado no Primeiro Testamento. Jesus é o novo sinal não apenas de cura, mas de salvação para todos os que creem. Mais ainda do que Moisés, ele, na cruz, também intercede pelo povo para que seja salvo por Deus. Disso decorre o discurso sobre o julgamento: a sentença já foi dada. Deus fez sua oferta máxima para a salvação: a vida do seu Filho unigênito, que comprova o seu imenso amor pelo mundo. Não há contrapartida diante de tamanha oferta, pois o imenso amor de Deus foi já manifestado.

O julgamento, contudo, aguarda a acolhida dessa sentença de amor e salvação. Ao preferir as ações maldosas, simbolizadas pelas trevas, isto é, o pecado, o ser humano recusa a oferta amorosa de Deus e afasta-se da luz. Ao agir conforme a verdade, isto é, ao distanciar-se do pecado, o ser humano se aproxima da luz e acolhe o amor e a salvação ofertados em Jesus Cristo. Embora o ser humano peque e reedite o pecado que envenena e mata, Deus reconta e aprofunda, na morte e ressurreição de seu Filho, a invencível história de seu amor pelo mundo que se manifesta desde a primeira aliança. Na cruz, lugar do erguimento do Filho, Deus revela a imensidão de seu amor.

No deserto, aqueles que foram picados por cobra olhavam para a serpente e eram curados. Metaforicamente, esse olhar poderia remeter ao reconhecimento do pecado e de seus malefícios. Esse reconhecimento teria sido a causa da cura do povo que murmurava. Hoje, olhar para Cristo gera outro tipo de reconhecimento: algo maior que o pecado e maior que suas consequências – o amor de Deus pelo mundo. O reconhecimento dos pecados vem em decorrência do que lhe é anterior: o amor de Deus que investe tudo para curar e salvar a humanidade, dando-nos o seu Filho.

  1. II leitura: Ef 2,4-10 – Deus nos ressuscitou com Cristo

Esse trecho da carta de Paulo aos Efésios está fortemente marcado por uma constatação que reforça o raciocínio dos textos anteriores: é pela graça de Deus que somos salvos, não pelas obras. Estas são também fruto do desígnio divino que nos arranca da morte para vivermos a união com Cristo. Assim, a alegria deste domingo quaresmal configura-se como verdadeira bem-aventurança, pois é resultado do agir de Deus que nos faz participantes da vida do seu Filho pela fé. A fé pode ser entendida aqui como resposta ao agir de Deus que nos salva, como adesão a Jesus Cristo, ao qual estamos unidos pelo batismo. Essa leitura nos alerta fortemente contra uma compreensão meritória da fé cristã. Onde valem os méritos, não pode haver salvação e o agir de Deus é substituído pelo agir humano. Se valem os méritos, valem também a disputa, a competência e a concorrência, que geram mais violência, pecado e morte.

A arrogância gera o afastamento de Deus e dos irmãos, outro tipo de desterro que o pecado fabrica. Conviver com o arrogante não só é desagradável, como também inútil. Em seu fechamento e presunção, a arrogância cria obstáculos para a graça e para o agir divinos. O alerta de Paulo aos cristãos de Éfeso diz respeito a um espírito que pode estar também entre os cristãos de hoje. A arrogância aparece em muitos comportamentos que circulam por meio da internet e das redes sociais: intolerância religiosa, política, de gênero e raça... É preciso voltar à graça, pois só ela nos concede a alegria da fé.

Outra é a compreensão da revelação cristã: Deus nos premiou não porque nos comportamos bem, perfazendo um esforço ascético que nos leva ao orgulho de nós mesmos e à arrogância que gera pecado. Deus nos salvou por causa do seu imenso amor, por causa da abundância da sua misericórdia, que operou a salvação mesmo quando estávamos mortos por causa das nossas faltas. A união com Cristo faz do cristão um cidadão do céu, e suas boas obras são fruto dessa união e manifestam já aqui essa participação na ressurreição.

III. Dicas para reflexão

A liturgia deste domingo recupera o amor de Deus manifestado na cruz e na ressurreição de seu Filho como o eixo da conversão, da salvação e da alegria. Somos salvos por um amor invencível. Nem nosso pecado nem nossa teimosia fazem Deus desistir de nos pôr a caminho das realidades que celebraremos na Páscoa.

O pecado arruína a vida estabelecida e desterra os fiéis de sua condição batismal de filhos de Deus. É o pecado que nos exila de nossa condição de salvos pelo amor de Deus e envenena o ser humano, produzindo violência, sofrimento, morte.

A alegria deste domingo nasce da graça de Deus, não dos esforços humanos. A salvação só encontra espaço na vida quando se reconhece que Deus age em favor do seu povo, reconduzindo-o às fontes da salvação.

Seria muito conveniente refletir sobre o tema da Campanha da Fraternidade, a violência, a partir do seu nascedouro: a intolerância, a arrogância. Não há espiritualidade genuinamente cristã sem humildade, sem escuta e sem diálogo.

Luiz Alexandre Solano Rossi

Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó; Como ler o livro de Jeremias; Como ler o livro de Abdias; Como ler o livro de Joel; Como ler o livro de Zacarias; Como ler o livro das Lamentações; A arte de viver e ser feliz; Deus se revela em gestos de solidariedade; A origem do sofrimento do pobre. E-mail: [email protected]