Roteiros homiléticos

5 de abril – DOMINGO DA PÁSCOA

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

A Páscoa como o novo êxodo

I INTRODUÇÃO GERAL

A festa da Páscoa representa o centro de nossa fé. Muitos líderes e poderosos viveram e morreram, mas somente o túmulo de Jesus se encontra vazio. Na libertação de Jesus, somos todos libertados. A morte, que era poderosa, tornou-se frágil. A maior e mais terrível força já existente, que ameaçava a integridade e dignidade do ser humano, foi vencida de uma vez por todas pela ressurreição de Jesus.

II COMENTÁRIOS AOS TEXTOS BÍBLICOS

  1. I leitura: At 10,34a.37-43

Na primeira leitura encontramos o discurso que Pedro pronunciou na casa do centurião Cornélio. Nesse discurso, é sublinhada com insistência a parte que Deus tomou nos acontecimentos fundadores da Igreja: “Deus ungiu a Jesus com a força do Espírito Santo, Deus estava com ele, Deus o ressuscitou ao terceiro dia e nos fez vê-lo, Deus o nomeou como juiz de vivos e de mortos”. O anúncio de Pedro é que o acesso à Igreja, um caminho de libertação, foi aberto por Deus a todos os homens e a todas as mulheres, tendo como única condição a conversão do coração.

Estamos diante de uma incrível dupla conversão. Tanto Pedro quanto Cornélio passam por um processo de transformação. Fronteiras e preconceitos devem ser vencidos e, para isso, a presença do Espírito Santo é essencial. O encontro de Pedro com Cornélio será de fundamental importância para entendermos como, à luz do amor de Cristo, podemos ser mais tolerantes uns para com os outros, apesar de nossas diferenças. Em Jesus já não há razão para pensarmos em impurezas. Não há cidadão de segunda classe e, por conta disso, uma revolução social tem início. Numa sociedade onde os melhores são diferenciados dos piores, os maiores diferenciados dos menores, Jesus demonstra que o humano é muito mais importante do que a possibilidade de dividi-lo em puro ou impuro.

  1. II leitura: Cl 3,1-4

A ressurreição de Jesus representa a nossa própria ressurreição. E a ressurreição traz novo estilo de vida, definido como a busca das coisas do alto. Todavia, não se trata de trocar as coisas da terra pelas do alto nem de viver como se fôssemos alienados. O mundo em que vivemos foi criado por Deus, ele mesmo invadiu a história quando libertou os escravos no Egito e, supremamente, quando o Verbo se fez carne, assumindo a história da humanidade como se fosse a sua própria história. Não se trata, portanto, de desprezar a realidade do mundo em que vivemos, mas saber que temos um projeto do alto para este mundo.

  1. Evangelho: Jo 20,1-9

É Páscoa, e não podemos nos furtar de celebrar a vitória de Jesus Cristo sobre a morte. Graças a Jesus, podemos viver seguros de que também seremos ressuscitados. Nele e por causa dele nos incluímos no maior de todos os milagres da história. Mas também é possível pensar a Páscoa para muito além dessa percepção. Nela também está inserido um projeto de libertação de abrangência coletiva, e, nesse sentido, a visão e a compreensão vão um pouco mais além da promessa de abolição da morte individual. A festa da Páscoa representa o centro de nossa fé. A alegria foi devolvida a todos aqueles que pareciam viver em grande frustração sem fim. A partir desse momento, a pregação dos apóstolos estará sempre centrada no Cristo ressuscitado como o primogênito dentre os mortos. Ele é o primeiro dentre muitos!

Podemos fazer memória do êxodo dos hebreus sob a liderança de Moisés como uma marcha libertadora de ordem espiritual, social e política. Todos os anos a Páscoa judaica comemorava aquela passagem da escravidão para a liberdade. A Páscoa significava um grito de liberdade contra todas as formas de violência e de opressão, tanto no passado quanto no presente. E à frente desse processo de libertação estava o próprio Javé. Um Deus que havia se revelado desde o reverso da história a partir das contradições da vida de um grupo de escravos.

A Páscoa cristã é um novo êxodo. Uma nova passagem, na qual Deus deseja fazer com que as pessoas saiam do país da servidão e caminhem em direção à liberdade. Longe das idolatrias que podem impedir o caminhar, deverá prevalecer o mandamento do amor. A libertação pascal acontece a partir do momento em que o discípulo missionário de Jesus sai de sua prisão pessoal e caminha em direção a Deus e a seus irmãos e irmãs, a fim de amá-los. A paixão e a morte de Jesus significam que é Deus, e não a força humana, que nos liberta de nossos limites e impossibilidades. Dessa forma, a interpretação do mistério pascal através desses óculos nos permite pensar em iniciativas de libertação de todos os oprimidos social, econômica, ideológica ou culturalmente. Os cristãos, ao vivenciar o programa de libertação presente na Páscoa, passam a colaborar com todos os que recusam o triunfo do ódio.

Por ser puro dom de Deus, a ressurreição preserva o ideal da libertação de todas as armadilhas que tentam prejudicar o ser humano. Nesse sentido, é possível e necessário compreender a ressurreição como uma realidade holística, ou seja, uma realidade que, produzida por Deus, busca a libertação integral do ser humano.

Uma cena com características curiosas: por correr mais depressa do que Pedro, um “outro discípulo” chegou antes ao sepulcro. Esse discípulo “que queria ver Jesus” viu e creu, conforme o evangelista. Todo o Evangelho de João reconhece a esse amigo de Jesus certa preeminência sobre Simão Pedro. Na manhã da Páscoa, é exatamente ele que tem a esplêndida intuição da fé no Ressuscitado. Uma fé libertadora, que se apresenta também como um presente do Deus vivo. Com a notícia do túmulo vazio, Pedro e o outro discípulo saem em desabalada carreira. Quem ama sai correndo em direção ao amado. Ao chegar ao túmulo e vê-lo vazio, o discípulo sem nome espera a chegada de Pedro. Ele não se considera superior a Pedro. É paciente e espera. Mas podemos muito bem compreender que somente aquele que mais ama consegue ver coisas que os outros não veem. Através dos olhos desse discípulo podemos ver que Jesus está vivo.

No primeiro dia da semana, conforme o texto bíblico, surge a nova criação que emerge da morte e ressurreição de Jesus. Foi num domingo que ele nos recriou, a partir de sua ressurreição. Muito possivelmente Maria Madalena representa a comunidade que está sem a perspectiva da fé e, por isso, não consegue assimilar a morte de Jesus. Como poderia ter morrido aquele em quem depositávamos toda a nossa fé? Ao olhar para o túmulo, ela pensava que ali Deus havia atingido seu limite. Um lugar que ficaria permanentemente marcado no imaginário do povo como o local do fracasso de Deus. Todavia, ela busca algo para preencher o vazio de seu coração. Ela anseia por vida, dignidade e amor.

A fé sempre exige de nós algo mais. Todos podemos ver as mesmas coisas, mas somente aquele que olha com fé poderá transcender-se a partir do olhar. O discípulo amado viu exatamente as mesmas coisas vistas por Pedro. Pode-se dizer que a qualidade do olhar fez toda a diferença. Mesmo que tudo possa indicar o contrário, aquele que olha com fé continua a caminhar; vê além dos horizontes e, mesmo que seja inverno, consegue antecipar a primavera.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

– Pedro e Cornélio muitas vezes revivem em nossos comportamentos. Reiteradamente nos apresentamos como intolerantes e com o desejo de separar as pessoas. Somos preconceituosos em relação a tudo o que é diferente do que pensamos ou imaginamos e por conta disso, em vez de nos aproximarmos das pessoas, acabamos por nos afastar. Como evangelizar nesse caso?

– A Páscoa sempre deve ser vivenciada como novo êxodo. Porém, quais caminhos agora seguir? De que libertações precisamos? A experiência da Páscoa é mobilizadora, porque nos leva a caminhar. Jamais poderíamos vivenciar a Páscoa sem o sentimento de estarmos a caminho ou, até mesmo, de fazermos novo caminho em direção a uma sociedade onde caibam todos – uma sociedade de libertados que provoca a libertação.

Luiz Alexandre Solano Rossi

Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Unicamp e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da PUCPR. Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó; Como ler o livro de Jeremias; Como ler o livro de Abdias; Como ler o livro de Joel; Como ler o livro de Zacarias; Como ler o livro das Lamentações; A arte de viver e ser feliz; Deus se revela em gestos de solidariedade. E-mail: [email protected]