Roteiros homiléticos

Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor – 25 de março

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

I. Introdução geral

A celebração do domingo de Ramos e da Paixão do Senhor abre a Semana Santa, reunindo duas importantes tradições. Nas Igrejas do Oriente, era costume imitar a entrada de Jesus na Cidade Santa trazendo ramos nas mãos, como os judeus que, no tempo de Jesus, o receberam em Jerusalém, aclamando: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito seja o reino que vem, o reino de nosso pai Davi! Hosana no mais alto dos céus!” No Ocidente, a tradição romana fazia a recordação da Paixão, um domingo antes da Páscoa, lembrando os momentos decisivos da vida do Senhor. A convergência das duas tradições na liturgia do rito romano ressalta o messianismo de Jesus e a revelação de sua identidade filial.

II. Comentário dos textos bíblicos

A missa do domingo de Ramos é um rito estacional, isto é: a celebração, em uma de suas modalidades – a mais solene –, é iniciada em local remoto (estação inicial), fora da Igreja, e concluída no recinto sagrado (estação final). A procissão é principiada pela proclamação do evangelho da entrada de Jesus em Jerusalém. O evangelho recorda três simbolismos: o cortejo, os ramos de oliveira e de palmeira e o jumento. O cortejo festivo recorda o caminhar dos discípulos que seguem as pegadas do Mestre e a acolhida de Jesus como rei, sinalizada pelo gesto de estender os mantos para que ele passasse. Os ramos, donde se extraía o azeite, eram uma forma de aclamar Jesus como o Ungido, o Messias esperado. Já o jumento é simbolismo forte de oposição: Jesus adentra a cidade pelo lado leste, como Messias portador de paz e salvação, mas de forma humilde, e não imposta. Esse simbolismo faz contraponto com a entrada de Pilatos e dos romanos, com as tropas do império romano, pelo lado oeste. O gesto tem, indubitavelmente, conotações políticas: de um lado, a pax romana, que se firmava pela violência e pela intimidação; de outro, a paz do Messias, que confronta o império com humildade e serviço. A oração da coleta, concluindo a procissão, recorda o exemplo de humildade dado por Jesus.

  1. I leitura: Is 50,4-7 – O Servo, firme e sereno

A profecia de Isaías recorda a enigmática figura do Servo do Senhor. Essa imagem foi, desde sempre, muito apreciada pela tradição cristã como profecia do Cristo. O Servo ali descrito elucida e reforça a humildade, a confiança e a liberdade de Jesus. Assim como na profecia de Isaías, Jesus é aquele que veio confortar as pessoas abatidas. É ele que tem os ouvidos excitados para, como bom discípulo, ouvir e cumprir a vontade de Deus. Ele não foge do perigo, não se resguarda nem se protege, pois confia imensamente em Deus, a quem chama de “meu auxiliador”. Sua liberdade consiste em não estar preso a si mesmo, não fazer a própria vontade nem reagir à violência sofrida. Na sua mansidão, ele confia absolutamente em Deus. Por isso sabe que não sairá humilhado.

A figura do Servo impressiona pela sua firmeza e serenidade. Ele não se dobra à violência, mesmo sofrendo humilhações (bofetões e cusparadas) e torturas (costas espancadas e barba arrancada). Ao contrário, ele se oferece, apresenta-se para isso. Não se trata de masoquismo, mas de vigorosa denúncia profética: o reinado da violência está solapado em suas bases, pois se sustenta pelo medo que se sente e que se tenta produzir. O reinado do Servo (Jesus) contraria a maldade do mundo com o bem, com a justiça e a mansidão.

  1. Evangelho: Mc 15,1-39 – Este homem é o Filho de Deus

Estamos no fim da trajetória de Jesus. Seus passos de pregador galileu itinerante findam seu trajeto na cidade de Jerusalém, palco da rejeição e da Paixão do Filho de Deus. Os evangelhos são, na verdade, um grande prólogo para as narrativas da Paixão, o “grande ato” de uma história de amor entre Deus e a humanidade. Neste domingo, esse núcleo da fé poderia ser compreendido à luz de três grandes unidades ou blocos: o julgamento injusto diante de Pilatos, os açoites e escárnios de seus algozes, a crucifixão e morte de Jesus.

No primeiro bloco (15,1-15), vemos a motivação política da condenação de Jesus. A pergunta que Pilatos lhe dirige revela o teor do julgamento: “Tu és o rei dos judeus?” A resposta evasiva de Jesus não é fuga, mas postura isenta e crítica diante de um processo injusto. Não importaria o que respondesse Jesus, a sentença estava dada. Pilatos é juiz sem autonomia nem autoridade: pergunta à multidão e ao próprio Jesus o que fazer. A condenação de um homem justo é denunciada pela sua própria fala à multidão: “Mas qual mal ele fez?” Entra em cena a figura de Barrabás, um bandido e assassino, apresentado pelo falso juiz como alternativa que satisfaria a multidão e salvaria a sua própria pele. Jesus é julgado por um poder corrompido, sem isenção e substituído por um bandido cheio de culpa. Neste contexto, vem à tona a identidade do Servo: mansamente ele não resiste nem reage, mantendo-se firme e sereno diante de tanta maldade. Entende-se que o nome de Pilatos tenha figurado no símbolo da fé: “Padeceu sob Pôncio Pilatos”. Isto é: Jesus, o inocente, foi condenado por um poder injusto e corrupto, incapaz de julgar justamente.

No segundo bloco (15,16-20a), Jesus é açoitado e escarnecido pelos seus algozes. O relato de Marcos é breve, mas suficiente para ressaltar a rejeição humana. Os torturadores são soldados mercenários, que desprezam os judeus e aproveitam para demonstrar isso. Mas o sofrimento, que em muito recorda o Servo do Senhor da primeira leitura, não tem nada de masoquista. Os cristãos recordam-se daquilo que é o caminho verdadeiro para a glorificação na ressurreição. Não é certamente a violência nem a corrupção, mas o serviço, a humildade e a confiança em Deus é que conduzem à vitória. Os sofrimentos de Cristo têm um sentido pedagógico: ensinam aos seus seguidores que a trilha da glória humana situa a pessoa ao lado de Pilatos e dos algozes de Jesus. Para nos colocarmos ao lado de Jesus, é necessário sair da lógica deste mundo, não reproduzindo a maldade e a violência nem respondendo com rancor e vingança.

No terceiro bloco (15,20b-39), Jesus é crucificado e morto como malfeitor, fora da cidade (15,29). Ele continua sendo escarnecido pelos judeus e rejeitado pelos passantes e pelas autoridades religiosas do Templo. Ele não toma a bebida anestésica que lhe dão, suas vestes são repartidas, e acima de sua cabeça é colocada uma inscrição com o motivo da sua condenação. Tudo compõe um quadro devidamente interpretado pela comunidade dos seus seguidores: aquele que sofre na cruz sofre injustamente, mas não perde a consciência nem a integridade. Sua morte tem caráter voluntário e põe em contraste a maldade e a injustiça. Tudo parece imerso em um turbilhão histérico de maldade e de injustiça. Jesus parece ser o único que se mantém no eixo. Sua consciência aguda grita também o abandono que sente da parte de Deus, com palavras do Salmo 22: “Meu Deus, por que me abandonaste?” Mas sua morte desencadeia nova situação religiosa: o véu do Templo, que resguarda o Santo dos Santos, rasga-se de alto a baixo, em duas partes. Não se trata de um tecido qualquer, mas de uma indumentária de proporções monumentais e de grossa espessura. O culto a Deus se desloca do centro (Templo) para a periferia (Gólgota, fora dos muros), lá onde se realiza a vontade de Deus e onde brilha a glória do seu amor, da verdade e da inocência do seu Filho, a ponto de causar o reconhecimento de um pagão: “Verdadeiramente esse é o Filho de Deus”.

  1. II leitura: Fl 2,6-11 – O novo Adão

O hino cristológico da carta aos Filipenses retoma outro percurso, mais remoto e subliminar: Cristo Jesus é aquele que, existindo em condição divina, não fez caso disso, mas humilhou-se até a morte de cruz. Recorda, em sentido oposto, o primeiro casal, que não se conformou à sua condição humana, mas arrogou a si o ser igual a Deus, comendo o fruto proibido. Enquanto Adão e Eva foram desobedientes, não fazendo caso do interdito divino, Jesus fez-se escravo (servo) obediente até o extremo da morte. Enquanto Adão e Eva foram rebaixados e expulsos do paraíso, privados da glória original, Jesus, por humilhar-se na obediência extrema, foi exaltado acima de tudo. Jesus desfaz o percurso de Adão, esvaziando-se. Na tentação, Adão ficou cheio de si ao ignorar a vontade de Deus. Jesus, ao contrário, esvazia-se e por isso alcança para a humanidade aquilo que Adão fizera perder.

Mas esse hino é também uma lição para a comunidade de Filipos, introduzida por um precioso convite presente no v. 5, que não consta na leitura proclamada nesta liturgia: “Tende em vós o mesmo sentimento que havia em Jesus Cristo”, ao qual se segue o que ouvimos. O cristão é convidado a viver em comunidade, fazendo dessa experiência uma trajetória de esvaziamento de si mesmo a exemplo de Jesus, seu modelo. Perfazendo esse caminho interior, tomando para si o sentimento de Cristo, cada um se une e vence com ele, que não fez caso do ser igual a Deus, mas preferiu a humildade. O esvaziamento e a cruz são, pois, uma referência espiritual para a comunidade.

III. Dicas para reflexão

A morte de Jesus tem um sentido salvífico: por seu caráter inocente e voluntário, ela denuncia a maldade e implode um sistema contaminado pela injustiça e pelo pecado. A morte de Jesus não foi em vão. Ela destruiu um sistema violento que gera morte e produziu um caminho aberto para a paz que é fruto da justiça. É o antissacrifício que interrompe a máquina que produz sofrimentos injustos e desumanidades. O discípulo de Jesus contempla sua morte e obtém luzes para perfazer o seu caminho, seguindo o Mestre. Mas é também aquele que luta contra as mortes injustas que ainda crucificam a tantos...

A morte de Jesus é expressão maior de sua confiança no Pai e sua obediência a ele. A liberdade e a firmeza de Jesus não se dobram ante a maldade. Ele mantém-se sereno em seu lugar de Servo, de Filho, com extremada lucidez. Nosso desafio cristão consiste em permanecer, nos momentos de crise e dificuldade, serenos e firmes contra a injustiça e a violência, como Jesus.

A morte de Jesus desfaz o caminho de Adão. Seu despojamento da condição divina, para obedecer ao Pai, restaura o que o pecado das origens fizera perder. Jesus é o Novo Adão.

Luiz Alexandre Solano Rossi

Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó; Como ler o livro de Jeremias; Como ler o livro de Abdias; Como ler o livro de Joel; Como ler o livro de Zacarias; Como ler o livro das Lamentações; A arte de viver e ser feliz; Deus se revela em gestos de solidariedade; A origem do sofrimento do pobre. E-mail: [email protected]