Roteiros homiléticos

20 de julho – 16º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Pe. Johan Konings, sj

DEUS É PACIENTE

I. INTRODUÇÃO GERAL O tema principal das leituras de hoje é a grandeza de Deus. Deus é tão grande, que seu coração tem lugar para todos, também para os pecadores. Ele “contemporiza” até o momento em que eles terão de decidir se aceitam a sua graça, sim ou não. Isso nos ensina também algo sobre o pecado: com o tempo, o pecado se transforma, ou em arrependimento, ou no orgulho “infernal”, cujo fim é o destino dado ao joio de que fala a parábola do evangelho.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Sb 12,13.16-19)

A bela primeira leitura, tomada do livro da Sabedoria (escrito no tempo em que Jesus nasceu), ensina que o poder de Deus se mostra na capacidade de perdoar. O israelita piedoso (como também o “bom cristão”) gosta de dividir os seres humanos em bons e maus e, quando vê que Deus não observa essa divisão, chega a ponto de acusá-lo! Mas a sabedoria de Deus mostra-se tanto na paciência quanto no julgamento. Por outro lado, também os “bons” precisam da misericórdia de Deus. Já vimos, no domingo passado, que ninguém conhece a profundeza do pensamento de Deus. Incredulidade não significa necessariamente perdição. Como ainda muitos “bons cristãos” hoje, também os antigos judeus se admiravam de que Deus deixasse coexistir fé e incredulidade, justos e injustos. Mas Deus não precisa prestar contas a ninguém. Sua grandeza, ele a mostra julgando com benignidade, pois tem suficiente poder; Deus não é escravo de sua própria força (v. 18a)! Contrariando nossa impaciência e intolerância, Deus aguarda que talvez o injusto ainda se converta ( v. 19; cf. Lc 13,6-9). Segundo o profeta Oseias, Deus exprime seu direito a ser paciente e generoso com a expressão: “Eu sou Deus, não ser humano” (Os 11,9). Em sua automanifestação a Moisés, em Ex 34,5-6, Deus se apresenta antes de tudo como misericordioso, clemente, lento na ira, mas rico em bondade e fidelidade. O salmo responsorial de hoje (Sl 86[85]) acentua exatamente esse tema da magnanimidade de Deus.

2. Evangelho (Mt 13,24-43)

A generosa paciência de Deus de que falamos é também o tema do evangelho. Em torno desse tema, Jesus bordou uma de suas mais eloquentes parábolas: a parábola do joio e do trigo. Quando, num campo, no meio do trigo, é encontrado o joio (erva ruim, cizânia), é muito imprudente extirpá-lo apressadamente, pois se poderia arrancar também o trigo. Melhor é ter paciência, deixar tudo amadurecer e, no fim, conservar aquilo que serve e queimar a cizânia. Deus é tão grande, que no seu Reino há espaço até para a paciência com os incrédulos e injustos. Ele é quem julga. Assim como fez com a parábola do semeador (cf. evangelho de domingo passado), também aqui Mateus provê a parábola de uma explicação (v. 36-43). O tempo da Igreja é o tempo do crescimento. No último dia, o joio será separado do trigo. Nem todos os que estão na Igreja são realmente dela, são “eleitos” dignos do povo de Deus (cf. a parábola da rede, Mt 13,47-50). Antes da explicação da parábola do joio, são inseridas algumas outras parábolas, de semelhante inspiração campestre (v. 31-33: o grão de mostarda e o fermento). Ambas se referem ao incrível crescimento do Reino de Deus. Há, porém, diferenças de acento. Na parábola do grão de mostarda, o enorme crescimento do Reino, incomparável com seu humilde início, dá uma impressão de amplidão, de expansão, de espaço. Na parábola do fermento, é a força interior que é acentuada: um pouco de fermento faz a massa crescer e dá gosto ao todo. Assim, o ouvinte vai combinando os diversos acentos, para que tenha uma percepção bem rica do mistério do Reino. Nos versículos 34-35, o evangelista faz uma consideração sobre a pedagogia de Jesus. Não foi para confundir o povo que Jesus falou por meio de parábolas. Contudo, sua pregação confundia, de fato, os que achavam que sabiam tudo (cf. Mt 13,12-15, domingo passado). Ora, para quem quiser escutar cumpre-se, graças à pedagogia de Jesus, aquilo que o salmista havia anunciado muito tempo antes: revelam-se as coisas escondidas desde a formação do mundo (13,35, cf. Sl 78[77],2). O tema principal para hoje é, pois, a grandeza de Deus, que tem lugar para todos, também para os pecadores, até o momento em que estes terão de decidir se aceitam a sua graça ou não. Mas como viver num mundo onde coexistem fé e incredulidade, justiça e pecado (muitas vezes, dentro da mesma pessoa e também dentro da Igreja)? Como aceitar as pessoas, sem aceitar seu pecado nem a estrutura pecaminosa de nosso mundo? São perguntas candentes, que podem ser meditadas à luz da paciência – não tanto “histórica”, mas antes escatológica – de Deus: a paciência de Deus não tem fim; o que tem fim é o nosso tempo...

3. II leitura (Rm 8,26-27)

A segunda leitura nos ensina algo sobre a “espiritualidade”. Para muita gente, espiritualidade é uma espécie de conquista de si mesmo, um treinamento, uma ascese – tanto que, antigamente, nos seminários e institutos religiosos, “ascese e espiritualidade” eram estudadas no mesmo tratado. Ora, espiritualidade cristã existe quando o Espírito de Cristo vive em nós, toma conta de nós. Isso nada tem que ver, de per si, com ascetismo, uma vez que o Espírito adota até a nossa fraqueza. Nós nem sabemos rezar como convém, mas “o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis” (v. 26). O Espírito Santo auxilia nossa fraqueza. Fé e esperança são antecipações daquilo que ainda não está aí (cf. Rm 8,24). Assim, nossa vida cristã é uma vida “a amadurecer”, por enquanto inacabada. O “sopro” (= “espírito”) de Deus, “adotando” nossa fraqueza, ajuda a alma a se desenvolver desde sua infância espiritual. O Espírito conhece os dois “abismos”: o ser de Deus e o coração humano. Como não temos bastante amplidão, seu soprar em nós é um gemido dirigido a Deus. No entanto, ele já nos faz ser santos. Portanto, o importante é deixar-nos envolver por esse Espírito e não expulsá-lo pela autossuficiência do nosso próprio espírito. O Espírito de Cristo é que consegue dar conta da nossa fraqueza; o nosso, dificilmente...

III. PISTAS PARA REFLEXÃO: paciência na evangelização

O evangelho de hoje (Mt 13,24-43) apresenta Jesus muito tolerante. Isso pode até desagradar a quem gostaria de um Jesus mais radical. A Igreja parece tão pouco radical... Por que não romper, de vez, com os que não querem acompanhar? Ou será que o radicalismo do evangelho é coisa diversa daquilo que imaginamos? Neste evangelho, Jesus descreve o Reino de Deus (o agir de Deus na história) em três parábolas. Na primeira, explica que, junto com os frutos bons (o trigo), podem crescer frutos menos bons (o joio, a erva ruim); é melhor deixar a Deus a responsabilidade de separá-los, na hora certa... Na segunda, ensina que o agir de Deus tem um alcance que sua humilde aparência inicial não deixa suspeitar (a sementinha). Na terceira, adverte que a obra de Deus, muitas vezes, é escondida, enquanto, invisivelmente, penetra e leveda o mundo, como o fermento na massa. Nós gostamos de ver resultados imediatos. Somos dominadores e impacientes com os outros. Deus, ao contrário, tem tanto poder, que ele se domina a si mesmo... Não é escravo de seu próprio poder. Sabe governar pela paciência e pelo perdão (1ª leitura). Seu “reino” é amor, e este penetra aos poucos, invisivelmente, como o fermento. Impaciência em relação ao Reino de Deus é falta de fé. O crescimento do Reino é “mistério”, algo que pertence a Deus. No tempo de Mateus, a impaciência era explicável. Os primeiros cristãos esperavam a volta de Cristo (a parusia) para breve. Hoje, já não é essa a razão da impaciência. A causa da impaciência, hoje, bem pode ser o imediatismo de pessoas aparentemente “superengajadas” – e podemos questionar se muito ativismo é realmente verdadeira generosidade a serviço de Deus ou apenas autoafirmação. É preciso dar tempo às pessoas para que fiquem cativadas pelo Reino, e a nós mesmos também. Isso exige maior fé e dedicação do que certo radicalismo mal compreendido, pelo qual são rechaçadas as pessoas que ainda estão crescendo. Devemos ter paciência especial com aqueles que, vivendo em condições subumanas, não conseguem assimilar algumas exigências aparentemente importantes da Igreja: os jovens, as pessoas que “perderam a cabeça” (por causa das complicações da vida moderna urbana ou por causa da televisão, que pouco se preocupa em propor às pessoas critérios de vida equilibrada etc.). Devemos dar tempo ao tempo... e entrementes dar força ao trigo, para que não se deixe sufocar pelo joio. Em nossas comunidades, importa cativar os outros com paciência. Fanatismo só serve para dividir. Moscas não se apanham com vinagre. Importa ter confiança em Deus, sabendo que ele age mesmo. Então, sentir-nos-emos seguros para colaborar com ele, com “magnanimidade”, com “grandeza de alma” (pois é assim que se deveria traduzir o termo “paciência”, tão desvirtuado...). Deus reina por seu amor, e o amor não força ninguém, mas cativa a livre adesão das pessoas.

Pe. Johan Konings, sj

Nascido na Bélgica, reside há muitos anos no Brasil, onde leciona desde 1972. É doutor em Teologia e mestre em Filosofia e em Filologia Bíblica pela Universidade Católica de Lovaina. Atualmente, é professor de Exegese Bíblica na Faje, em Belo Horizonte. Dedica-se principalmente aos seguintes assuntos: Bíblia – Antigo e Novo Testamento (tradução), Evangelhos (especialmente o de João) e hermenêutica bíblica. Entre outras obras, publicou: Descobrir a Bíblia a partir da liturgia; A Palavra se fez livro; Liturgia dominical: mistério de Cristo e formação dos fiéis – anos A-B-C; Ser cristão; Evangelho segundo João: amor e fidelidade; A Bíblia nas suas origens e hoje; Sinopse dos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas e da “Fonte Q”.