Roteiros homiléticos

3º domingo da Quaresma – 15 de março

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

Jesus, fonte de água viva

I. Introdução geral

Jesus se aproxima das pessoas porque é relacional. É impossível pensar em Jesus se isolando de tudo e de todos. Há nele uma necessidade de conversar, interagir e ser fonte de água viva para todos em seus desertos pessoais. Por isso, podemos afirmar que Jesus via a si mesmo como um construtor de pontes. Ele caminhava em direção às pessoas que haviam sido isoladas em seus desertos e lhes apresentava nova e inusitada proposta de vida. Ao se aproximar delas, indicava que não eram invisíveis e, aproximando-as dele, aproximavam-nas da comunidade de discípulos e discípulas.

II. Comentários aos textos bíblicos

1. I leitura: Ex 17,3-7

Até mesmo no deserto podemos experimentar o milagre e a providência de Deus. Muitas vezes permitimos que nossa vida se transforme em grande deserto porque não admitimos a presença divina nela. E milagres acontecem somente com essa presença. Por causa disso, não é estranho que de uma rocha saia água. Soaria estranho, na verdade, apenas se Deus não estivesse presente! Sem sua presença, continuaremos a produzir cactos, e nunca flores. A aridez da vida existe não porque a água tenha sido extinta, e sim porque teimamos em não beber da fonte eterna que nasce de dentro do coração de Deus. Somente ele faz brotar água em meio à aridez da vida.

Não sobrevivemos sem água. Muito menos sobreviveríamos sem água no deserto. Também de pouco adianta estarmos diante de uma fonte de água cristalina sem ter os recipientes necessários para pegar porções generosas dessa água. Nesse caso, a proximidade da água, sem a possibilidade de bebê-la, só aumenta a sede e a ansiedade. O deserto e suas experiências certamente marcam a vida de muitos. Contudo, passar pelo deserto na companhia de Deus altera a experiência. Infelizmente, muitos continuam a passar sede, mesmo tendo a fonte de água ao seu lado. Não estamos destinados à aridez e ao deserto. Seres humanos foram feitos para florescer junto a ribeiros de água. No entanto, esquecemo-nos com grande facilidade de cuidar do jardim que somos e, eventualmente, não nos preocupamos com as flores que já deveriam ter florescido.

Nem mesmo o deserto pode vencer o Deus prodigioso que temos. Na própria paisagem característica de um deserto é que se manifestará a força e a criatividade divina. Deus se utiliza da estrutura do deserto para transformá-lo em oásis. Essa é a transformação requerida por Deus a todas as pessoas: de pessoas-deserto para pessoas-oásis. Nas primeiras existe a morte, enquanto nas segundas superabunda a vida; na pessoa-deserto, a falta de esperança se transforma em alimento diário, ao passo que na pessoa-oásis a esperança cresce como árvore frondosa.

2. II leitura: Rm 5,1-2.5-8

A segunda leitura nos apresenta a centralidade de Jesus Cristo. Paulo é, nesse sentido, cristocêntrico. É tão somente por meio de Jesus Cristo que se torna possível a justificação. Imerecidamente recebemos a plenitude da vida abundante. A demonstração de amor de Jesus atinge, por que não dizer, o ápice. Pecadores recebem a maior demonstração de amor possível. Aqueles que se achavam distantes, porque eram pecadores, veem diante de si a construção de uma ponte – mediante Jesus – para que possam atingir a plenitude da vida abundante. Pode-se dizer que Deus é o primeiro “construtor de pontes” a fim de alcançar todos aqueles e aquelas que se consideravam inalcançáveis.

A esperança não decepciona mesmo em meio à tribulação. Não podemos nos esquecer de que o Império Romano, com seu sistema opressor e violento, gerava a dor, a destruição e a tragédia de forma diária. Exercitar a esperança que nasce em Deus se apresenta como verdadeiro antídoto para neutralizar as dores provocadas pelo império e exercitar a fé naquele que nos reconciliou.

3. Evangelho: Jo 4,5-42

Há muitos lugares para Jesus ir. Em cada um deles, vive-se uma experiência diferente. Na leitura do evangelho, Jesus se encontra numa fonte de água. Logo em seguida, aproxima-se uma mulher samaritana a fim de conseguir um pouco de água. E Jesus, num só ato, quebra dois paradigmas: conversa com uma mulher, que, ademais, é samaritana. Vivia-se numa sociedade dividida entre homens poderosos e mulheres fragilizadas; na qual judeus não se davam bem com samaritanos.

Uma sociedade de melhores e maiores que sempre venciam os piores e menores. Todavia, Jesus não é refém das barreiras que imobilizam e impedem a aproximação. A proximidade física dele em relação à mulher também é proximidade que produz humanização no relacionamento. Não há, para Jesus, divisão entre as pessoas. Todas devem se pensar como sujeitos de si mesmo. A mulher, por um momento, reproduz a cultura que divide, mas, posteriormente, compreende que Jesus é a fonte que jorra para a eternidade. Nesse momento, exclama: “Senhor, dai-me dessa água”. A sede de sentido somente é saciada por meio de Jesus Cristo.

No entanto, o diálogo com Jesus produz mais perguntas na mulher samaritana. Perguntas que nascem da divisão entre as pessoas: onde devemos adorar a Deus? Meu povo diz que é na montanha, e o seu diz que é em Jerusalém. Religiões também podem e desejam aprisionar o próprio Deus. Aqui ou ali? Nesse tipo de religião, até mesmo Deus se encontra imobilizado. Jesus aproveita-se da dúvida e, pedagógica e catequeticamente, explica: “Deus é espírito, e é preciso que aqueles que o adoram o adorem em espírito e verdade” (v. 23). Orígenes certa vez descreveu e interpretou bem essa situação: “Você que segue a Jesus e o imita, você que vive na palavra de Deus, você que medita em sua lei de dia e de noite, você que se exercita em seus mandamentos e você que está sempre no santuário e nunca sai dele. Não é num lugar que você precisa procurar um santuário, mas nos atos, na vida, nos costumes. Se são segundo Deus, se são cumpridos segundo seus preceitos, pouco importa que você esteja em casa ou na rua, pouco importa inclusive que você esteja no teatro; se você serve o Verbo de Deus, você se encontra no santuário, não há dúvida alguma”.

Logo após o diálogo com a samaritana, os discípulos chegam e estranham que Jesus esteja conversando com uma mulher. O preconceito persiste, indicando que Jesus precisará de mais tempo para catequizar seus próprios discípulos.

III. Pistas para reflexão

1) O que dizem as pessoas quando dizemos que somos cristãos? A pergunta tem um caráter de urgência. Se seguimos Jesus, precisamos, de todas as formas, falar e agir como ele falava e agia. Nosso jeito de ser revela que somos seus seguidores?

2) A demonstração de amor de Jesus pode ser considerada a maior demonstração de solidariedade. Jamais a humanidade foi amada a ponto de alguém dar a vida por ela. Quais seriam as formas por meio das quais poderíamos manifestar o amor e a solidariedade entre nós?

Luiz Alexandre Solano Rossi

é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó; Como ler o livro de Jeremias; Como ler o livro de Abdias; Como ler o livro de Joel; Como ler o livro de Zacarias; Como ler o livro das Lamentações; A arte de viver e ser feliz; Deus se revela em gestos de solidariedade; A origem do sofrimento do pobre.