Publicado em maio-junho de 2025 - ano 66 - número 363 - pp. 43-45
25 de maio – 6º DOMINGO DA PÁSCOA
Por Pe. Francisco Cornélio*
Virá o Defensor, o Espírito Santo
I. Introdução geral
Esta liturgia já prepara as festas da Ascensão e de Pentecostes, simultaneamente, ao destacar o papel do Espírito Santo e sua importância na vida da Igreja. No Evangelho, em clima de despedida, Jesus anuncia aos discípulos, em forma de promessa, o envio do Espírito Santo pelo Pai, em seu nome, para ensinar e recordar tudo o que ele mesmo ensinou; também reforça o convite ao amor, tema principal do domingo passado, e promete sua paz. A primeira leitura já mostra o Espírito Santo em plena atuação, orientando as decisões da comunidade, ajudando a Igreja a manter-se alinhada ao projeto de Jesus e, assim, confirmando a eficácia da sua promessa. A segunda leitura apresenta a nova Jerusalém, a cidade santa que desce do céu com todo o seu esplendor; é a imagem do mundo novo, que corresponde à humanidade em sua plena realização. Participar da construção dessa cidade e habitar nela é fruto do Espírito Santo. O salmo recorda que o mundo inteiro é beneficiado pela obra libertadora de Deus.
II. Comentários dos textos bíblicos
1. I leitura (At 15,1-2.22-29)
O capítulo 15 dos Atos dos Apóstolos retrata um dos acontecimentos mais importantes e tensos da Igreja nascente, conforme a dinâmica narrativa e teológica do livro (At 15,1-35). Trata-se da assembleia dos apóstolos e demais lideranças, para decidir se os convertidos do paganismo deveriam se submeter ou não às prescrições da Lei mosaica, principalmente à circuncisão, para ter acesso à salvação. Esse encontro ficou conhecido como o “Concílio de Jerusalém”. O autor dos Atos superdimensionou os fatos, mas a repercussão na carta de Paulo aos Gálatas atesta a historicidade e a importância do evento (Gl 2,1-10). A leitura deste domingo mostra apenas o motivo da reunião (v. 1-2) e a resolução conclusiva (v. 22-29).
O problema foi gerado porque um grupo de cristãos de origem judaica, chamados de “judaizantes”, se dirigiu à comunidade de Antioquia e lá ensinava que os cristãos de origem pagã não poderiam se salvar se não fossem circuncidados (v. 1), contrariando o ensinamento de Paulo e Barnabé, que pregavam como indispensável à salvação apenas a fé em Jesus Cristo, com todas as suas implicâncias éticas e morais, obviamente. Com efeito, a exigência da circuncisão para a salvação significava a negação da eficácia da fé em Jesus Cristo, além de um retrocesso cultural. O conflito tornou-se inevitável. Diante da crise gerada, Paulo, Barnabé e outros foram a Jerusalém para tratar a questão diretamente com os apóstolos e anciãos (v. 2).
A leitura salta os versículos correspondentes às discussões da assembleia (v. 6-21) e passa diretamente à conclusão, expressa em forma de carta (v. 22-29). Durante o encontro, foi discutido e deliberado que a fé em Jesus é suficiente para obter a salvação. Os participantes reconheceram que os ritos e preceitos da Lei judaica não são necessários à salvação e, portanto, não deveriam ser impostos aos convertidos do paganismo. Contudo, a fim de evitar constrangimentos e choque cultural, a carta enviada à comunidade de Antioquia, como conclusão da assembleia, faz recomendações práticas, relacionadas a algumas regras de pureza alimentar e uniões ilegítimas (v. 29), elementos muito caros à cultura judaica. Não se trata de obrigações, mas de sugestões.
A leitura mostra claramente que a Igreja já nasceu marcada pela diversidade cultural e pluralidade teológica. Na verdade, isso tem sido demonstrado desde o relato de Pentecostes (At 2,1-12). Por isso, os conflitos e tensões são inevitáveis, e a história tem mostrado isso. Os apóstolos chegaram à melhor conclusão porque decidiram juntos com o Espírito Santo (v. 28). Isso significa que não há barreira cultural intransponível para o Evangelho quando os evangelizadores têm abertura ao Espírito Santo.
2. II leitura (Ap 21,10-14.22-23)
Concluindo a série de textos do Apocalipse escolhidos para este tempo pascal, a segunda leitura apresenta a segunda visão da nova Jerusalém, a cidade santa que desce do céu, como imagem do mundo novo, o destino da humanidade, conforme o projeto libertador de Deus. Como é sabido, o livro do Apocalipse foi escrito com a finalidade de injetar fé e esperança nas comunidades perseguidas da Ásia Menor, no final do primeiro século. Nesse contexto, as imagens da nova Jerusalém são as que melhor exprimem essa finalidade, uma vez que apresentam o mundo já transformado, com a vitória definitiva do bem sobre o mal. Enfim, mostram o triunfo do amor, como resultado da ressurreição de Jesus, o Cordeiro, e da atuação do Espírito Santo na história.
A visão se dá numa alta montanha (v. 10), o lugar privilegiado para encontrar-se com Deus e ver as coisas segundo sua perspectiva. As contradições e adversidades do mundo presente, sobretudo em contextos de perseguição, como viviam as comunidades destinatárias do livro, podem facilmente levar ao desânimo. Assim, para aspirar a um mundo novo, lutar para sua construção e contemplar sua realização, é essencial manter vivas a fé e a esperança, o que só se faz com abertura ao Espírito Santo, dom de Deus e do seu Cordeiro. E foi isso o que fez o profeta autor do livro. Do alto da montanha, ele contemplou o mundo como Deus quer: uma cidade perfeita, repleta de luz e esplendor (v. 11), protegida por uma alta muralha (v. 12), construída sobre sólidos alicerces (v. 14). Os nomes das doze tribos de Israel e dos apóstolos do Cordeiro, inscritos nas portas e nos alicerces, significam que essa cidade corresponde à realização das promessas de Deus. As portas abertas para todas as direções (v. 13) significam inclusão e acolhida a todos os povos e culturas.
A ausência do templo na cidade (v. 22) significa Deus habitando em cada pessoa, sem a necessidade de um sistema religioso mediador. Num mundo assim, nem o sol nem a lua terão mais motivos para existir (v. 23), pois tudo será iluminado pela glória de Deus e do Cordeiro.
3. Evangelho (Jo 14,23-29)
O Evangelho continua ambientado no cenáculo, em Jerusalém, durante a última ceia de Jesus com seus discípulos. Ainda faz parte daquele amplo discurso de despedida, convencionalmente chamado de “testamento de Jesus” (Jo 13,31-16,33). Nesse discurso, que é intercalado pela intervenção de alguns discípulos, Jesus mostra o que é essencial em sua mensagem e como a comunidade deve continuar experimentando sua presença, mesmo após seu retorno ao mundo do Pai. Conforme a dinâmica interna do discurso, o trecho lido neste dia é a resposta de Jesus a um de seus discípulos, que lhe tinha perguntado por que se manifestava apenas a eles e não ao mundo (Jo 13,22). A resposta é altamente comprometedora, pois indica que manifestá-lo ao mundo é a missão da comunidade cristã.
A condição essencial para a comunidade viver em perene comunhão com Jesus e com o Pai é a vivência do amor e a obediência à sua Palavra (v. 23-25). Por Palavra, aqui, compreende-se todo o conjunto dos seus ensinamentos, incluindo seu jeito de viver. Tal vivência só é possível tendo o amor como princípio motivador. Quando alguém ama e vive os ensinamentos de Jesus, torna-se morada dele e do seu Pai e, por conseguinte, manifesta sua presença no mundo. Para garantir que a comunidade permaneça em sintonia com sua Palavra, que é a mesma do Pai, Jesus anuncia o envio do Espírito Santo, como outro Defensor (v. 26a). João é o único autor do Novo Testamento a atribuir esse papel ao Espírito Santo, mediante o uso do termo grego parákletos, que pode ser traduzido também como consolador, advogado ou assistente (Jo 14,16.26; 15,26; 16,7).
Na promessa de envio do Espírito Santo, são-lhe atribuídas e garantidas duas funções bem concretas, intrinsecamente relacionadas e essenciais para a comunidade: ensinar e recordar (v. 26b). Na Bíblia, o verbo “recordar” não significa simplesmente lembrar algo do passado, mas também tornar vivo e presente o objeto da recordação, o qual, neste caso, é o conjunto dos ensinamentos de Jesus. Por isso, somente com a assistência do Espírito Santo a comunidade poderá manter a mensagem de Jesus sempre atual, o que torna sua presença viva e atuante. Quanto à função de ensinar, obviamente não se trata de acrescentar coisas novas aos ensinamentos de Jesus, pois ele já ensinou tudo, mas de atualizar seu ensinamento e interpretá-lo corretamente, conforme as necessidades das pessoas e as circunstâncias sócio-históricas.
Diante disso, fica evidente que a iminente partida de Jesus não acarretará ausência, mas eterna presença no meio da comunidade, tanto pela vivência do amor quanto pela acolhida do Espírito Santo. Por isso, a fim de dar ainda mais certeza da sua presença e assistência perene, ele antecipa na ceia seu primeiro dom de Ressuscitado: a paz (v. 27). A paz de Jesus, porém, não é tranquilidade passageira ou simples ausência de conflito: é força de vida. Por isso, os discípulos devem ficar alegres por possuí-la, pois também ela é manifestação sua no mundo e demonstração de que sua partida não significa ausência (v. 28), mas plenitude da sua presença.
III. Pistas para reflexão
Apontar a mensagem central de cada leitura, mostrando o que as une. É importante recordar a promessa do Espírito Santo (Evangelho) e seu agir concreto na vida da comunidade (primeira leitura). Cada cristão/a é morada de Deus e, por isso, deve manifestá-lo ao mundo mediante o jeito de viver, o que só se faz amando. Quando se vive à maneira de Jesus, deixando-se conduzir pela sua palavra e pelo Espírito Santo, experimenta-se a nova Jerusalém ainda neste mundo (segunda leitura).
Pe. Francisco Cornélio*
*é presbítero da diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia pela Universidade Católica de Salvador-BA. É professor de Teologia no Centro Universitário UniCatólica do RN. [email protected]