Publicado em setembro-outubro de 2025 - ano 66 - número 365 - pp. 57-59
12 de outubro – BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA DA CONCEIÇÃO APARECIDA
Por Maicon Malacarne*
A ação salvadora de Deus é o maior sinal!
I. INTRODUÇÃO GERAL
Neste dia, em vez do 28º domingo do Tempo Comum, aqui no Brasil celebramos a solenidade da Bem-aventurada Virgem Maria da Conceição Aparecida, a padroeira do nosso país. O povo brasileiro celebra vivamente a presença da Mãe, tão cuidadosa e amorosa com seus filhos. Desde 1717, a Mãe Aparecida é sinal da atenção de Deus para com nosso povo sofrido.
A liturgia da Palavra desta solenidade se inicia com a história da rainha Ester, que, diante da ameaça ao povo judeu, não se intimidou em desenhar uma estratégia para convencer o rei Assuero a salvar a vida daquela gente. Ester salvou seu povo das mãos do perverso Amã. O livro do Apocalipse, na segunda leitura, apresenta a tensão entre o dragão e a mulher, símbolo da comunidade nascente. A mulher, que acabara de dar à luz, na sua pequenez, é resistente à potência do dragão, porque conta com a força de Deus. Por fim, o Evangelho apresenta o primeiro sinal de Jesus no Evangelho de João. As bodas de Caná têm um “final feliz” por obra da sensibilidade de Maria, que entendeu a necessidade de uma festa tipicamente humana ser envolvida pelo “vinho novo” do seu Filho, Jesus.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Est 5,1b-2; 7,2b-3)
“A vida do meu povo – eis o meu desejo” (7,3) é o pedido que brota do coração de Ester, jovem judia que vivia no exílio persa e encontrou graça diante do rei Assuero, o qual se apaixonou por ela e a escolheu como esposa. Um homem muito poderoso do reinado, chamado Amã, buscava a todo custo aniquilar o povo judeu e traçou uma estratégia para alcançar esse objetivo. Amã odiava Mardoqueu – que havia criado Ester como filha –, porque este se recusava a ajoelhar-se diante dele.
Ao descobrir as artimanhas de Amã, Ester ficou muito angustiada, por causa do risco que corria seu povo. Ela utilizou, então, da sua beleza, como indica o início da leitura, e se aproximou do rei, que ficou encantado: “olhou para ela com agrado” (5,2). O rei Assuero prometeu dar a Ester o que ela quisesse, “até metade do meu reino” (7,2), ao que a rainha manifestou o pedido pela salvação do povo judeu. Assuero acolheu o pedido de Ester, o povo se salvou, e Amã – cuja artimanha havia sido revelada – foi condenado à morte.
O livro de Ester é uma novela e sempre foi um texto muito querido pelo povo de Israel. Apresenta a força dos pequenos e dos humilhados, e, ao mesmo tempo, mostra como aqueles que organizam maldades e perversões sempre vão esbarrar na força de Deus e na organização dos pobres. Ester, mulher forte, pôs tudo o que tinha a serviço da vida das pessoas. Ela é sinal de beleza, de inteligência, de articulação, atributos que devem sempre estar direcionados ao compromisso com a vida.
2. II leitura (Ap 12,1.5.13a.15-16a)
Uma mulher e um dragão protagonizam a cena deste trecho do livro do Apocalipse. De um lado, a fragilidade e a pequenez da mulher, que acabara de dar à luz; de outro, a potência e a grandiosidade do dragão, que utiliza sua força para destruir e perseguir.
O autor do livro do Apocalipse, pelo fim do primeiro século, descreve as situações que as primeiras comunidades cristãs da Ásia Menor estavam vivendo. O cenário é desolador; muitos estavam sendo perseguidos, aniquilados, destruídos pela força do Império Romano. O dragão/serpente é o símbolo desse mal, da força que trabalha na contramão de Deus. A força do mal, no entanto, não consegue ter a palavra definitiva, porque é o menino – o Cristo – “que deve reger todas as nações pagãs com cetro de ferro” (v. 5).
A mulher é sinal da comunidade cristã. É verdade que a imagem descrita – “uma mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo dos pés e, sobre a cabeça, uma coroa de doze estrelas” (v. 1) – pode logo ser relacionada a Maria, porém o texto do Apocalipse põe em relevo a força das pequenas comunidades, que devem vencer a tentação do medo e confiar que Deus está ao seu lado: “a terra, porém, acudiu a mulher” (v. 16).
3. Evangelho (Jo 2,1-11)
O Evangelho de João diz que Jesus realizou sinais. Prefere empregar essa linguagem a falar em “milagres”. Os sinais apontam para uma dimensão maior do que aquilo que se pode ver. O Evangelho desta solenidade de Nossa Senhora apresenta, em Caná da Galileia, o primeiro sinal de Jesus. Serão, ao todo, sete.
O sinal foi realizado durante uma festa de casamento em que também estavam presentes a Mãe de Jesus e os discípulos (v. 2). Aconteceu que, durante a festa, o vinho terminou. Uma festa sem vinho era uma festa fracassada. Maria logo percebeu e foi dizer a Jesus: “Eles não têm mais vinho” (v. 3). A festa de casamento (imagem da comunidade humana) que não tem mais vinho (imagem da alegria) indica o cenário de uma humanidade que perdeu a esperança, que perdeu o sentido da vida. Havia muita força contrária à felicidade das pessoas. A sensibilidade de Maria, por sua vez, foi muito genuína e forte. A Mãe de Jesus percebeu que o povo estava necessitado de um “vinho novo”, de um vinho “muito melhor” do que aquele que se bebia, e, para que fosse possível suprir essa carência, ela também indicou o caminho: “Fazei o que ele vos disser” (v. 5).
Não foi o mestre-sala – o responsável pela festa – quem “resolveu” a falta de vinho. Maria entendeu que aquela situação precisava da intervenção de Jesus. Outro detalhe evidencia a causa da “falta de alegria” das pessoas: havia seis talhas no pátio do local onde acontecia a festa (v. 6). As talhas de água eram para a purificação, um gesto piedoso de pessoas que queriam ficar “puras” diante de Deus. As talhas estavam vazias, e Jesus transforma aquelas talhas de água em talhas de vinho. O ritualismo exterior não estava ajudando as pessoas a viver felizes. As talhas precisam de Jesus, os ritos precisam de Jesus, uma pretensa pureza sem Jesus não faz sentido. É ele o vinho novo, a vida nova!
Os pescadores João Alves, Felipe Pedroso e Domingos Garcia, em 1717, no rio Paraíba do Sul, fizeram a experiência da presença e da sensibilidade de Maria, a Mãe Aparecida, no meio da angústia da pesca. A mesma Mãe que está sempre muito atenta às necessidades dos filhos. “Eles não têm mais vinho”, “eles não têm mais alegria”, “eles não têm mais esperança” constituem a prece simples de Nossa Senhora, que sabe, por primeiro, que nossas “talhas” precisam de Jesus, o “vinho novo” da nossa humanidade.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
O dia de Nossa Senhora da Conceição Aparecida nos insere na festa de Caná da Galileia, naquele “terceiro dia”. Nós nascemos para ressuscitar, e a ressurreição é a graça das “talhas cheias de vinho”, símbolo maior da alegria e do amor! Esta é a festa que a presença de Maria torna possível: nossos vazios, nossos silêncios, nossa pequenez são assumidos na direção de Jesus. “Fazei tudo o que ele disser” são as primeiras e as últimas palavras de Maria no Evangelho de João. Todas as nossas palavras devem servir para aproximar nossa humanidade do coração amoroso do Senhor!
Maicon Malacarne*
*é presbítero da diocese de Erexim, pároco da paróquia São Cristóvão, em Erechim, e professor de Teologia Moral na Itepa Faculdades. Mestre e doutorando em Teologia Moral pela Pontifícia Academia Alfonsiana – Roma.