Publicado em setembro-outubro de 2025 - ano 66 - número 365 - pp. 62-64
26 de outubro – 30º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Por Maicon Malacarne*
A fé que se sustenta na oração e na humildade!
I. INTRODUÇÃO GERAL
A oração confiante e persistente, sobre a qual refletimos no último domingo, deve vir acompanhada da humildade, conforme a liturgia da Palavra deste 30º domingo do Tempo Comum. Ter humildade significa viver a condição de pequenez, de simplicidade, de descentralização, para compreender-se dentro de uma vida maior que o próprio “eu”. O testemunho de Paulo chega como uma luz: enraizado em Cristo, ele foi capaz de viver tudo, até as últimas consequências, pelo mesmo Cristo.
As formas de oração do fariseu e do publicano são como um mapa para compreender o coração da liturgia da Palavra. O fariseu, centrado em si, transforma a oração em grande discurso: fala muito, acusa muito, abre-se pouco. O publicano, de sua parte, usa de poucas palavras, com certa vergonha no olhar, e só consegue pedir por ajuda, pelo perdão dos próprios pecados. O trecho do livro do Eclesiástico apresenta a “justiça de Deus”, a qual se revela na opção preferencial pelos mais necessitados, pelos que conseguem viver a abertura do coração a partir da pobreza da vida.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Eclo 35,15b-17.20-22a)
Do início do século II a.C., o livro do Eclesiástico apresenta um ensinamento sobre a verdade da oração, que não pode tornar-se uma expressão de corrupção, uma mentira, uma máscara que esconde um estilo de vida. Um cotidiano de injustiças, de imoralidades, de abusos em vários níveis não pode ser disfarçado com momentos pontuais de oração ou de doações para “minimizar” os erros. A fé e a vida estão sempre unidas.
A certeza anunciada pela sabedoria do Eclesiástico é que “o Senhor é um juiz que não faz discriminação de pessoas” (v. 15b). A aparente imparcialidade de Deus é bem diferente dos nossos critérios. Deus não faz acepção de pessoas, mas defende especialmente aqueles incapazes de se defender: “Ele não é parcial em prejuízo do pobre, mas escuta, sim, as súplicas dos oprimidos; jamais despreza a súplica do órfão, nem da viúva, quando desabafa suas mágoas” (v. 16-17). Os mais pobres entre os pobres – os órfãos e as viúvas – recebem do Senhor uma defesa justa.
O Senhor sofre com os mais sofridos, chora com os que choram, quer consolar os desanimados. Essa é a justiça divina. Muito diferentes da nossa justiça, que separa os bons dos ruins, os critérios de Deus põem no centro o primado da humildade, que evidencia a profunda verdade do coração humano. Deus não negocia milagres nem vende bênçãos, mas ama porque é amor, um amor exagerado, que se inicia pelos últimos: “a prece do humilde atravessa as nuvens: enquanto não chegar, não terá repouso; e não descansará até que o Altíssimo intervenha, faça justiça aos justos e execute o julgamento” (v. 21-22).
2. II leitura (2Tm 4,6-8.16-18)
Não deixam de ser comoventes as palavras de Paulo ao amigo Timóteo, enunciando uma espécie de despedida, enquanto estava encarcerado em Roma. Paulo utiliza de algumas imagens para narrar sua história, que, com muito esforço e com todas as contradições, foi uma maneira de fazer da fé profunda coerência com a vida. Em Paulo, de fato, a fé, a vida de oração, o espírito missionário, a eloquência das pregações e dos escritos são profunda verdade do que foi sua vida.
“Combati o bom combate” (v. 7), escreveu Paulo. Durante os anos de missão, ele não deixou de enfrentar as dificuldades, o cansaço, os sofrimentos, as perseguições, as torturas, a prisão. “Completei a corrida, guardei a fé”: o apóstolo viveu uma obediência filial ao Cristo, a quem antes perseguiu e, depois, doou integralmente a vida. Sua fé configurou uma nova forma de viver. Cansado, nos seus últimos momentos de vida, consegue olhar para a frente, na certeza da “coroa da justiça” que “o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia” (v. 8).
A raiz dessa entrega da vida de Paulo está em Jesus Cristo. Depois da conversão, Paulo viveu em permanente comunhão com o Senhor. Tudo que fez e aguentou só tem sentido quando compreendido à luz dessa raiz, desse núcleo central que o moldou. Até o fim, Paulo testemunha: “A ele a glória, pelos séculos dos séculos! Amém” (v. 18).
3. Evangelho (Lc 18,9-14)
O Evangelho deste domingo partilha duas formas de rezar apresentadas por Jesus. Mais do que dois modelos, podem ser atitudes, cenários que coabitam em nós – ora reforçamos um, ora reforçamos outro. No entanto, ao fazer referência à forma humilde de rezar do publicano, Jesus assinala que a oração mais verdadeira não é a que aparentemente parece ser mais verdadeira, mas aquela de quem sabe confiar mais em Deus do que em si mesmo.
A oração do fariseu era um elogio de si, atravessado por longo discurso: “Deus, vê como faço bem isso”; “vê como fiz bem essas obras, faço jejum, faço caridade”; “vê como recitei tudo bem certinho”; “olha só para esse publicano, ele nem sabe rezar, obrigado por não ser como ele” (v. 11-12).
O publicano, por sua vez, estava no templo sem nem conseguir olhar para o céu; em sua oração, só conseguia dizer: “Meu Deus, tem piedade de mim, que sou pecador” (v. 13). A oração do publicano é descentralizada, não é fechada no “eu” e, sendo assim, permite que Deus trabalhe no seu coração.
Entre as duas formas de rezar, há evidente mudança de lugar do orante: o fariseu tem o domínio de tudo, coloca-se na posição de controle. Com tantas repetições de “eu”, de fato, não há muito lugar para Deus, embora o discurso pareça exprimir uma compreensão diferente.
O fariseu não precisava de Deus para se salvar; ele mesmo, na sua autorreferencialidade, já se salvava. O publicano, por sua vez, é o homem que sabe confiar, que se sente pequeno, fraco, e percebe que não consegue sozinho. Não se trata de alienação, mas de consciência de que, para além do “eu”, há irmãos, há Deus, há relações, há vida fora do egoísmo! Jesus elogiou a oração do publicano e abriu nova gramática para a oração, que deve ser sempre sustentada pela humildade, e não pela vanglória.
O biblista italiano Silvano Fausti afirma que “a fé é a soleira da porta de ingresso do Reino. Os umbrais que a sustentam são a oração e a humildade. Sem a primeira, morre-se de asfixia; sem a segunda, cresce-se em presunção”. Santa Teresa de Ávila dizia que “a humildade é a verdade!”. Quando temos o ímpeto de nos acharmos melhores, também na fé, o Senhor volta a nos dizer: “Confia mais em Deus! Confia mais em Deus!”.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
A humildade de Paulo está na sua confiança até o fim: “Agora está reservada para mim a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que esperam com amor sua manifestação gloriosa”. “Esperar com amor” é atitude confiante, uma forma de viver que o fariseu do Evangelho não conseguiu alcançar com sua oração. Quem vai aprendendo a “esperar com amor” não se vangloria, não acusa o outro de pecador nem despreza ninguém, porque sabe que, antes de tudo e de todos, somos os primeiros pecadores, os primeiros que necessitam de ajuda. Essa pobreza encontra lugar especial no coração e na justiça divina.
Maicon Malacarne*
*é presbítero da diocese de Erexim, pároco da paróquia São Cristóvão, em Erechim, e professor de Teologia Moral na Itepa Faculdades. Mestre e doutorando em Teologia Moral pela Pontifícia Academia Alfonsiana – Roma.