Artigos

A INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ: eixo articulador de toda evangelização

Por *Dom Leomar Antônio Brustolin

A iniciação à vida cristã é um processo pedagógico e espiritual que visa introduzir a pessoa no mistério de Jesus Cristo e inseri-la na comunidade eclesial. Inspirado no Ritual da Iniciação Cristã de Adultos (Rica), esse itinerário é adaptado para diversas faixas etárias e fundamentado na centralidade do querigma, desenvolvendo-se de forma gradual e mistagógica. O processo é estruturado em quatro tempos (pré-catecumenato, catecumenato, purificação e iluminação, mistagogia) e três etapas litúrgicas que marcam o progresso do iniciado na fé. Os sacramentos da iniciação cristã – batismo, crisma e Eucaristia – são apresentados como momentos culminantes dessa caminhada. O batismo é a porta de entrada na vida cristã, regenerando o fiel como filho de Deus; a crisma confirma e fortalece essa graça inicial com o dom do Espírito Santo; e a Eucaristia é o ápice da comunhão com Cristo, formando discípulos que vivem segundo o amor e serviço do Mestre. O artigo evidencia que a iniciação à vida cristã não é apenas transmissão de doutrina, mas um caminho de conversão, pertença comunitária e adesão existencial a Jesus Cristo.

Introdução

A iniciação à vida cristã constitui um itinerário formativo e espiritual que visa conduzir a pessoa a um encontro pessoal e transformador com Jesus Cristo, inserindo-a progressivamente na vida de fé e na comunidade eclesial. Mais do que simples processo de ensino doutrinal, trata-se de caminho de experiência, amadurecimento e conversão, no qual o iniciado é chamado a viver, de forma consciente e plena, a identidade cristã. Inspirado no Ritual da Iniciação Cristã de Adultos (Rica), esse processo estrutura-se em tempos e etapas que orientam a caminhada do catecúmeno em direção aos sacramentos do batismo, da crisma e da Eucaristia, compreendidos como momentos decisivos e fundantes da vida cristã.

Nesse contexto, a proposta catecumenal assume uma dimensão querigmática, mistagógica e comunitária, centrada não apenas na transmissão de conteúdos, mas sobretudo na vivência concreta do amor de Deus e na adesão a Jesus Cristo. A presente reflexão busca apresentar os fundamentos e etapas da iniciação à vida cristã, destacando o papel dos sacramentos como expressão máxima de inserção na fé e evidenciando a importância de um acompanhamento personalizado e de um verdadeiro discipulado que leve a uma vida transformada e comprometida com o Evangelho.

A iniciação à vida cristã é um caminho pedagógico pelo qual a pessoa é introduzida no mistério de Jesus Cristo e inserida na vida da Igreja. A alegria da pertença torna a pessoa testemunha alegre da experiência realizada.

Tal processo dirige-se exclusivamente para adultos não batizados, mas é possível identificar os desdobramentos da iniciação para crianças, adolescentes e jovens, adaptados às intuições do Rica.

A inspiração catecumenal tem sua centralidade no querigma e possui uma dinâmica  e mística que convidam a entrar sempre mais no mistério do amor de Deus. Não se pretende, primeiramente, instruir quem deseja ser cristão, mas iniciá-lo num processo gradual e sistemático da fé. Não se dispensa a instrução, mas esta é integrada a um itinerário próprio, com acompanhamento personalizado daqueles que desejam ser iniciados, com práticas de exercícios espirituais, participações na comunidade, sinais concretos de conversão e mudança de vida e adesão total a Jesus Cristo por meio dos ritos celebrados, entre outros meios.

Segundo o Rica, o processo de iniciação cristã é constituído de “tempos” e “etapas”. São os diversos passos que o iniciado dá para atravessar as diferentes portas e subir os degraus desse caminho que chamamos de iniciação. Cada degrau conduz a um tempo, mais ou menos prolongado, de discernimento e amadurecimento, que prepara para o degrau seguinte. São quatro tempos e três etapas. Os tempos são: querigma ou pré-catecumenato (primeiro e fundamental anúncio de Jesus); catecumenato (catequese que aprofunda a fé); purificação e iluminação (tempo de conversão a Jesus, de renúncias e de opções que mudam o estilo de vida); mistagogia (iniciação ao mistério). E estas são as etapas que marcam a passagem de um tempo para outro: celebração de entrada no catecumenato e assinalação da cruz; celebração de eleição e inscrição do nome para entrar no tempo de purificação e iluminação; celebração dos sacramentos de iniciação: batismo, crisma e Eucaristia.

1. Batismo: porta de entrada na vida cristã

O batismo é o primeiro dos três sacramentos da iniciação cristã. Do grego baptisma, quer dizer “imersão, banho, mergulho”. Batizar é lavar, purificar, mergulhar na água. O batismo cristão tem sua origem no próprio Jesus Cristo, que enviou seus discípulos para evangelizar os povos e batizá-los em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Trata-se de uma purificação, feita com água, que lava o pecado original, dando ao batizado a condição de filho de Deus.

O batismo é o primeiro sacramento que recebemos. Ele é a porta de entrada para a Igreja e para toda a vida sacramental. O próprio Jesus deixou como exemplo o ato de batizar. Ele se fez batizar por João Batista, quando o Pai o confirmou na sua filiação divina. O batismo é o sacramento, instituído por Jesus Cristo, que nos faz filhos de Deus e irmãos-discípulos de Jesus, o Filho.  Ele nos regenera para a vida da graça, mediante a purificação com água e a invocação das três Pessoas divinas.

Os apóstolos tinham a consciência de anunciar o Evangelho e batizar os convertidos para que, renascidos na água, pudessem dar testemunho de vida cristã. Por isso se trata de uma purificação feita com água que lava do pecado original, dando ao batizado uma nova condição de existência.

São Paulo recordou à comunidade cristã que, pelo batismo, a pessoa é sepultada e mergulhada na fonte que é Cristo: “pelo batismo fomos sepultados com Cristo na morte, para que, como Cristo foi ressuscitado dos mortos pela ação gloriosa do Pai, assim também nós vivamos vida nova” (Rm 6,4).

A matéria do sacramento é a água, e a forma são as palavras: “Eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. Fórmula que vem do mandato de Jesus aos seus discípulos: “batizai-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19).

O Catecismo da Igreja Católica afirma: “O batismo é o mais belo e o mais magnífico dom de Deus. […] chamamo-lo de dom, graça, unção, iluminação, veste de incorruptibilidade, banho de regeneração, selo, e tudo o que existe de mais precioso” (n. 1.216).

2. Crisma: confirmação do batismo

O livro dos Atos dos Apóstolos mostra que o rito de transmissão do Espírito Santo consiste na imposição das mãos. Os apóstolos Pedro e João, enviados à Samaria, impunham as mãos sobre os que tinham sido batizados, e estes recebiam o Espírito Santo (At 8,12-17). Do mesmo modo, São Paulo batizou, em nome de Jesus Cristo, os discípulos de João e lhes impôs as mãos, para que o Espírito Santo viesse sobre eles (cf. At 19,1-6).

A imposição das mãos é reconhecida pela tradição católica como a origem do sacramento da crisma, que dá continuidade, de certo modo, ao acontecimento de Pentecostes. Cada celebração da crisma é como um novo Pentecostes na vida da Igreja.

A unção com o óleo do crisma é o sinal de consagração. Os que são ungidos participam mais intensamente da missão de Jesus, contando com a força do Espírito Santo. Assim, o cristão deve manifestar em todos os locais por onde passa o bom perfume da presença de Cristo. A unção com esse óleo perfumado e consagrado pelo bispo recorda o dom do Espírito Santo concedido ao crismado, que se torna um cristão apto para exercer sua missão, dando testemunho de Cristo na sociedade.

Disse o papa Francisco que a confirmação ou crisma

deve ser entendida em continuidade com o batismo, ao qual ela está vinculada de modo inseparável. Estes dois sacramentos, juntamente com a Eucaristia, formam um único acontecimento salvífico, que se denomina “iniciação cristã”, no qual somos inseridos em Jesus Cristo morto e ressuscitado, tornando-nos novas criaturas e membros da Igreja. Em geral, fala-se de sacramento da “crisma”, palavra que significa “unção”. Com efeito, através do óleo chamado “crisma sagrado”, nós somos confirmados no poder do Espírito, em Jesus Cristo, o único verdadeiro “Ungido”, o “Messias”, o Santo de Deus. Além disso, o termo “confirmação” recorda-nos de que este sacramento contribui com um aumento da graça batismal: une-nos mais solidamente a Cristo; leva a cumprimento o nosso vínculo com a Igreja; infunde em nós uma especial força do Espírito Santo para difundir e defender a fé, para confessar o nome de Cristo e para nunca nos envergonharmos da sua cruz (Audiência Geral, 29 jan. 2014).

3. Iniciação eucarística

O significado profundo da Eucaristia é a Páscoa: memória atualizada do cenáculo e do Calvário, da ceia e da cruz. Jesus, Mestre e Senhor, com sua morte na cruz, salva o ser humano da morte e cura as feridas que o pecado deixa em nós. A Eucaristia, por sua vez, funda comunidade nova de discípulos que não mais viverão sob a lógica de um mundo submetido à vaidade e à mentira, mas conscientes de que foram redimidos no amor que serve e se humilha para manifestar a sabedoria de Deus.

A memória da ceia logo foi denominada de Eucaristia, isto é, ação de graças na qual se realiza a fratio panis (fração do pão). Este foi o gesto escolhido por Jesus para marcar sua presença entre nós: pão-corpo dado; vinho-sangue derramado. Assim se entende profundamente o que Jesus diz na Eucaristia e se repete toda vez que ocorre a consagração do pão e do vinho: “Fazei isto em memória de mim”.  “Fazei” significa que todo aquele que comunga precisa empenhar-se em fazer aos outros o que Jesus fez por todos nós. “Em memória de mim” equivale a seguir o exemplo de Jesus, é um fazer concreto que transborda o gesto de amor de Cristo,

O fruto da Eucaristia é reconhecido naqueles que a acolhem autenticamente.  Criam-se novas relações: supera-se o domínio pelo serviço, o ódio pelo perdão, o conflito pela reconciliação. Testemunha-se na vida que Deus é amor e todo aquele que ama permanece em Deus.

Comungar a Eucaristia significa estabelecer um vínculo essencial com Cristo e com os comensais. Quem recebe a Eucaristia deve viver como Jesus viveu, amar como Jesus amou, perdoar como Jesus perdoou. Quem comunga recebe, em seu corpo mortal, o pão e o vinho da imortalidade, por isso deve agir como cidadão do céu e trabalhar para a humanização do mundo. Todo aquele que comunga, mas continua a viver de forma estranha ao Evangelho, não acolheu o Cristo, não entendeu o que é a comunhão.

Somente compreende a Eucaristia quem entende o que fez Jesus. O Mestre serviu e assim se revelou como Senhor. Doando sua vida, salvou-nos. Todo aquele que comunga seu corpo e sangue há de seguir o mesmo caminho de humildade e verdade.

Conclusão

A iniciação à vida cristã é muito mais do que um conjunto de ensinamentos ou ritos a serem seguidos; trata-se de verdadeiro caminho de encontro com Jesus Cristo, vivenciado de forma progressiva, comunitária e transformadora. Inspirado nas intuições do Rica, esse processo propõe uma pedagogia da fé que respeita o tempo e a realidade de cada pessoa, conduzindo-a a uma adesão livre, consciente e profunda ao Evangelho.

Os sacramentos do batismo, crisma e Eucaristia, como pontos culminantes dessa caminhada, não apenas marcam etapas rituais, mas selam a identidade do cristão como filho de Deus, membro da Igreja e discípulo missionário. Ao mergulhar no mistério do amor de Deus, o iniciado é chamado a testemunhar com alegria a fé recebida, transformando sua vida e contribuindo para a edificação do Reino.

Nesse sentido, a iniciação à vida cristã deve ser constantemente redescoberta e valorizada como um caminho essencial para formar cristãos convictos, enraizados na Palavra, participantes da comunidade e comprometidos com a missão. A alegria da pertença à Igreja torna-se, assim, fonte de renovação para toda a comunidade e sinal visível da presença de Cristo no mundo.

*Dom Leomar Antônio Brustolin

*é arcebispo de Santa Maria-RS e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB, presidente do Regional Sul 3 da CNBB e doutor em Teologia. E-mail: [email protected]