Publicado em janeiro-fevereiro de 2026 - ano 67 - número 367 - pp. 26-33
A INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ DEU CERTO?
Por Altierez dos Santos*
Neste artigo, tratamos da relação entre a crise de evangelização da Igreja Católica e o processo de iniciação à vida cristã. A capacidade de evangelizar – levando-se em conta os resultados do Censo de 2022 – está, mais uma vez, sob questionamento. O processo catecumenal conseguirá ajudar a Igreja a reencontrar sua vocação de evangelizar? O que ainda falta fazer?
A iniciação à vida cristã deu certo?
Essa pergunta pode ser, ao mesmo tempo, incômoda, atrevida e óbvia. O incômodo que a questão traz é positivo e promove a reflexão a respeito de um tema urgente: a Igreja Católica está conseguindo evangelizar o Brasil? Até onde ela alcança e até que ponto impacta seu próprio rebanho? A iniciação à vida cristã (IVC) deu certo? A ousadia da pergunta está no fato de que pouco se fala, de modo sério e profundo, sobre o catolicismo ser hoje uma religião recessiva em uma cultura plasmada por ele. Seja para não provocar mal-estar em nossa excelente hierarquia ou no venerável clero, seja para manter uma diplomacia palaciana, o tema da crise da Igreja Católica até aparece, mas sempre de forma protocolar e vaga. Contudo, é evidente que estamos em uma crise de evangelização, formada por outras crises coexistentes no mesmo tecido eclesial.
A perda gigantesca de membros e a crise de relevância expõem uma grande ferida da Igreja Católica, que gera o questionamento: perdemos a vocação de evangelizar? Embora algum teólogo ou até prelados tenham classificado nosso encolhimento como “natural” ou “tranquilo”, nada há de normalidade em uma situação dessas. Na ausência de uma reflexão mais séria, logo aparece alguém enfrentando o constrangimento com a famosa e um pouco ingênua declaração: “Queremos qualidade e não quantidade”.
Como a pergunta sobre se “a IVC deu certo ou não” é complexa, trarei outros questionamentos breves, que estão abrigados no seio dessa questão e a iluminam melhor. De antemão, declaro que estas notas não são uma crítica, mas sim um reconhecimento a tantos padres, freiras, catequistas e bispos que se desdobram com heroísmo para concretizar o processo catecumenal como uma resposta à crise.
1. Tivemos algumas décadas perdidas?
Não há uma resposta única. O último século da Igreja Católica foi marcado pela intensidade. Passamos de aproximadamente 103 milhões de católicos em 1980 para aproximadamente cem milhões em 2020 (IBGE, 2025), número que não acompanhou o crescimento demográfico nacional, uma vez que saltamos de 112 milhões de habitantes para 212 milhões no respectivo período. Por outro lado, crescemos nos meios de comunicação de massa, em números de dioceses e paróquias e em prática pastoral. Nas alternâncias, criamos seminários, perdemos conventos, fechamos hospitais, construímos novas escolas, não conseguimos manter obras de caridade, mas inauguramos novas instituições. Em meio a tudo isso, no entanto, a crise mais grave foi a perda de membros, tradicionalmente atribuída a “diversos fatores” sócio-históricos. Entre eles, foi identificado o que era mais óbvio: uma catequese deficitária, que não iniciava à vida cristã.
Quando a crise de evangelização foi escancarada na década de 1990, um grupo de catequetas – entre os quais figuravam personalidades icônicas como padre Lima, irmão Nery, irmã Mary, dom Albano, padre Gruen, frei Bernardo, entre outros – comprometeu-se a oferecer uma solução “radical”, que revirava as raízes da pastoral: a catequese inspirada no antigo processo iniciático cristão dos primeiros séculos.
Passou-se a falar em “catecumenato”, “iniciação à vida cristã” (IVC) e “inspiração catecumenal”, termos que eram estranhos a qualquer um de nós vinte anos atrás, mas, na verdade, já assinalavam um antigo apelo da Igreja para que a catequese se repensasse. O decreto Ad Gentes, de 1965, do sagrado Concílio Vaticano II, destacou o catecumenato e deu orientações básicas sobre ele. O Ritual para a Iniciação Cristã de Adultos (Rica, 2001), de 1972, atualizou o catecumenato com adultos e dispôs as orientações gerais sobre a estrutura dessa antiga e nova forma de catequese. Outros documentos também apontaram para uma catequese que iniciasse a pessoa na vida cristã. E é aí que entra em cena aquela peculiar dissonância entre teoria e prática…
2. Estamos à espera de um milagre?
Depende muito de quem responde à pergunta. Grande parte dos presbíteros e consagradas/os entende que sim, há uma crise na nossa capacidade de anunciar Jesus às pessoas: vocações leigas tornam-se raras, assembleias encolhem e continuam surgindo grupos pentecostais no território da paróquia a todo momento. Se a pergunta for dirigida aos leigos e leigas, as respostas serão tão diversas quanto suas filiações, movimentos, iniciativas e carismas. Se perguntarmos aos bispos, creio firmemente que muitos deles levam a sério a superação dessa crise de evangelização, mas é fácil observar a ausência de uma resposta mais eficaz na maioria das nossas mais de 280 Igrejas particulares. Não é que tudo esteja parado, mas as respostas são esparsas, ocasionais e descontínuas, muitas das quais sendo devedoras aos movimentos. Num quadro geral, a totalidade da Igreja ainda se comporta de modo amador e sem eficácia com relação a essa estarrecedora sangria de pessoas que deixam o catolicismo e embarcam em aventuras no pentecostalismo e em outros segmentos religiosos. Alguns círculos, especialmente de catequistas e padres, abraçaram o processo catecumenal como tábua de salvação, mas ainda não houve tempo para confirmar o impacto dessa novidade. Talvez a ausência de um consenso sobre a origem da crise seja o único ponto em comum nas respostas das lideranças laicais e clericais diante dessa crise que já dura décadas. Quem olha o conjunto pode supor que muitos esperam um milagre, sim.
3. O que o Censo nos revela?
O Censo de 2022 (IBGE, 2025) trouxe a confirmação de que o catolicismo continua a ser uma religião recessiva diante de outras pertenças e práticas religiosas. Quando olhamos para os registros censitários, espantamo-nos com o crescimento católico em outras regiões do mundo e também com o aparente declínio em vários países, sobretudo da América Latina. O caso do Brasil foi o mais dramático: mais de 40% da população deixou a Igreja Católica e fez um caminho que passava pelos grupos religiosos pentecostais (desembocando no grupo dos “sem-religião” quando se decepcionavam também com eles).
É verdade que o Brasil não ficou tão menos católico e mais pentecostal, como muitos estudos anunciaram ao analisarem a curva das desfiliações. Mas também é verdade que, embora a queda tenha sido refreada, não parou. Pegos no susto, improvisamos várias respostas, e algumas delas conseguiram representar uma reação de forma notável, mas, no geral, nossas comunidades eclesiais ainda não sabem muito bem o que significa “Igreja em saída”, pois orbitam ao redor de si mesmas e anunciam “dentro do aquário”, dificilmente tendo iniciativas mais audaciosas.
Seja como for, o Censo também revela que o encolhimento ainda acontece e é preciso reagir melhor a ele. Internamente ainda não há um consenso sobre como articular essa reação, mas cada vez mais a catequese de iniciação à vida cristã parece ser um caminho.
4. Evangelizamos por inércia?
No mundo do comércio, existe um conceito chamado “vender por inércia”, que diz respeito a quando uma marca ou empresa consegue manter-se relevante sem precisar investir em propaganda, pois somente a ótima reputação da marca é suficiente para garantir seu destaque. Mutatis mutandis, a realidade da evangelização católica parece ancorada nesse mesmo princípio.
Como resultado de uma catequese que não iniciou na fé cristã, o século XXI confirmou que o catolicismo já não tem sido a escolha de grupos sociais amplos, como estudantes, agricultores, operários, artistas, membros das ciências ou da educação, militares, industriais, pessoas de alto poder aquisitivo e muitos outros grupos. A surpresa foi que setores como jovens e até pobres (aos quais nos dedicamos tanto) também parecem não ter sido iniciados na fé nas décadas anteriores. Até mesmo os dois grupamentos mais significativos que restaram, mulheres e crianças, talvez possam nos informar que não se sentem plenamente abraçados por nossas paróquias cansadas, algumas vezes divididas, que falam apenas para dentro de si, nem sempre zelam pela comunhão e ainda gastam tempo, energia e carisma em alimentar polarizações. Nessa pastoral de manutenção e passividade, a audácia evangelizadora pode ser rara. E o padre, por mais incansável que seja, encontra-se tantas vezes sozinho.
A implementação do processo catecumenal está sendo uma tentativa de nos posicionarmos diante da incapacidade de falar com nosso próprio rebanho de uma forma que faça sentido para ele.
5. Como a iniciação à vida cristã poderia dar alguma resposta?
O porquê de alguém trocar a doutrina cristã católica pelo pentecostalismo passa pela ausência de uma base catequética sólida. Era e ainda é comum uma liderança ou mídia protestante-pentecostal difundir informações falsas, tais como “o papa é a besta” ou “católicos são idólatras”, e trabalhar com desinformações e distorções claramente anticristãs. Como não há uma mínima base catequética, quem é atingido por essas campanhas (que pode ser a mesma pessoa que compra a “vassoura ungida”, mas não apenas ela!) se encontra refém de um circuito fechado de apelo emocional e aversão ao catolicismo. Na cena seguinte, esses mesmos pentecostais convidam aquela pessoa para um culto mágico no qual aparecem personagens como “encosto”, “pombagira”, o próprio diabo, e são feitas “revelações” que convencem que a vida do visitante está tão prejudicada pelo fato de ele ser idólatra. A fatura não demora e Jesus é rifado ali mesmo, pelas campanhas, fogueiras santas, sacrifícios e “trízimos”.
De forma resumida, foi isto o que aconteceu no Brasil nas últimas décadas: por um lado, pessoas vivendo em situações de exclusão, com pouca ou nenhuma formação (sobretudo religiosa), e literalmente esperando algum milagre no horizonte; por outro, grupos religiosos pentecostais (não confundir com as comunidades protestantes ecumênicas e sérias) atuando mediante estratégias de marketing agressivo, teatro de supostas curas e notícias falsas.
6. O que a catequese de IVC tem de especial?
A rigor, a iniciação catecumenal tem sido realizada em doses homeopáticas, a conta-gotas e com cautela, pelas dioceses e paróquias. É compreensível pela prudência, mas censurável pela urgência. É desejável acelerar sua aplicação e aprimoramento. Na forma como o processo catecumenal tem sido entendido, atualmente há uma mescla do modo habitual de catequizar com alguns toques de IVC.
Em sua configuração original, conforme o Rica e a Tradição propõem, acrescidos das inspirações dadas pelo Diretório Nacional de Catequese e pelo Diretório da Catequese, o processo catecumenal precisaria ser um pouco diferente, propondo:
a prevalência da experiência sobre as aulas;
a progressão dos sentidos mediante os ritos no lugar das “formaturas de sacramentos”;
a profundidade das/os catequistas em territórios como Bíblia e doutrina (para que a catequese não fique refém das dinâmicas);
a duração maior do percurso (conforme o Rica orienta) em vez do “cursinho” de dois ou menos anos;
a formação de laços de fé e vida;
a preparação para a missão;
a densidade da experiência mística pela mistagogia;
os elementos lúdicos voltados a formar uma comunidade fortalecida;
uma só trajetória catequética unificada do querigma à mistagogia (como observei na diocese de Parintins, Amazonas);
uma ou um só catequista durante todo o processo iniciático (conforme vi na arquidiocese de Porto Velho, Rondônia), a fim de superar a estrutura escolar atual, que divide o processo catequético em “séries” de Eucaristia, crisma e, às vezes, perseverança;
a tão mencionada correção da ordem sacramental na sequência “batismo, crisma, Eucaristia” (como ocorre na diocese de Caçador, Santa Catarina).
O catecumenato poderá, por si só, salvar a catequese e fazer que aconteça uma evangelização completa? Atenção a este ponto. Por si só, ele não poderá mudar a situação. Uma diocese que resolva adotar esse estilo de catequese e não prepare suas e seus catequistas não colherá frutos. Uma catequista que aplicar em sua missão a inspiração catecumenal, mas continuar utilizando metodologias e estratégias de “sala de aula”, também não conseguirá sucesso.
7. O que isso muda?
Voltemos alguns passos sobre o que se entende por evangelizar: é mostrar o caminho e providenciar experiências para que todas as pessoas se realizem e sejam felizes em sua humanidade, tornando-se completas em sua vida, vocação, ministério e missão. A fé precisa fazer sentido para os catequizandos e precisa fazer a diferença na forma como veem o mundo. Os processos de catequese que usamos atualmente não preparam as pessoas para uma vida em Cristo.
Um catequizando que passe por uma experiência unificada de IVC vivenciará o processo iniciático em cinco dimensões essenciais que a catequese precisa ter: a dimensão formativa (ou doutrinária), a mistagógica (ou espiritual), a lúdica (ou comunitária), a caritativa e a missionária. Esse conjunto de experiências abrirá para ele a possibilidade de identificar-se com Jesus e amá-lo profundamente, bem como sua Igreja. O catequizando entenderá que ele próprio e sua vida são um projeto de Deus, pois estará preparado para viver a plenitude dessa aventura radiante da vida. Nesse nível, a IVC ensina, especialmente aos mais jovens, que devem se realizar nos aspectos humanos, como professores, médicas, engenheiras, o que desejarem, sem se esquecerem de Jesus e da Igreja, mas vivendo ativamente sua fé como pessoas de vida apostólica.
Desejar implementar a catequese de IVC sem esses cuidados é o mesmo que fazer o que Jesus disse em Marcos 2,22.
8. Quais avanços já aconteceram?
A lista não é pequena, e há mais motivos para alegria do que para lamentações. Em vinte anos de ensaio e erro, a IVC tornou-se mais familiar para o clero e para os catequistas, deixando de ser um susto para ser uma alternativa, ajustando-se às diversas realidades aos poucos. Trata-se de resultados pequenos, mas, ainda assim, de vitórias. A atuação atenta de bispos como dom Leomar Brustolin e outros, eventos promovidos pelos regionais e pelas dioceses, publicações nas editoras e até mídias, como o Catequista em Missão, voltadas para catequistas criaram um cenário favorável para o processo catecumenal. A aceitação dos padres também se ampliou nos últimos anos.
As comunidades católicas, cansadas de girar ao redor de si mesmas, começam a desenvolver uma musculatura missionária e incluir os bairros onde atuam em um protoprojeto de evangelização. Começa a fazer sentido o tão ignorado jargão “Igreja em saída” que o papa Francisco propagava.
O perfil dos catequistas de hoje também não é mais o mesmo que de dez anos atrás, passando de alguém que ensinava rudimentos da fé para mestras e mestres da vida espiritual, cujo testemunho inclui também profundidade na fé. A catequese de IVC incentiva os catequistas a alcançar as cinco fronteiras essenciais dessa missão: o conhecimento em Sagrada Escritura, em sagrada doutrina, em didática e metodologia, em estratégias de comunicação e em psicopedagogia catequética.
Se há motivos para uma preocupação séria, também existem razões para celebrarmos.
Conclusão: com crise se cresce
Grandes transformações não acontecem de repente nem por acaso, mas lentamente, fora dos nossos radares, um pouco por dia, ao longo de anos, décadas, séculos, até que se tornam visíveis. Não será de uma hora para outra. A maioria das dioceses ainda não conseguiu de fato implementar a inspiração catecumenal e fazer que ela produza frutos.
Não é um processo fácil; contudo, é projeto que dá frutos permanentes. Não se trata de encontrar culpados, mas sim de observar que todo o esforço feito nas últimas décadas não alcançou resultados satisfatórios na evangelização. Diante disso, não podemos continuar na acomodação, como se nada estivesse acontecendo. Toda conquista começa na decisão de tentar.
Essa árvore ainda precisará ser muito cultivada antes de dar suas primeiras flores, que possivelmente não veremos. Sejamos, porém, otimistas com o catecumenato, pois, só por ele mexer com nossa mentalidade engessada e paralisada, já está fazendo um grande milagre! Imaginemos, daqui a algumas décadas, quantas boas surpresas teremos! A catequese de IVC só poderá dar frutos se houver uma mudança na nossa mentalidade evangelizadora, que não responde aos desafios atuais.
Referências Bibliográficas
IBGE. Censo Demográfico 2022: religiões. Rio de Janeiro, 2025.
LELO, A. F. A aplicação do Rica no Brasil. Revista de Catequese, ano 27, n. 108, p. 5-20, out.-dez. 2004.
LELO, A. F. A iniciação cristã: catecumenato, dinâmica sacramental e testemunho. São Paulo: Paulinas, 2005.
LELO, A. F. A iniciação cristã no Brasil. Revista de Catequese, ano 27, n. 107, p. 5-18, jul.-set. 2004.
LIMA, L. A. Catequese com adultos e iniciação cristã. In: CNBB. Segunda Semana Brasileira de Catequese. São Paulo: Paulus, 2002. p. 318-354.
LIMA, L. A. Catequese: do Vaticano II aos nossos dias. São Paulo: Paulus, 2017.
LIMA, L. A. Memória do catecumenato na história. In: CNBB. Segunda Semana Brasileira de Catequese. São Paulo: Paulus, 2002. p. 229-244.
NERY, Irmão. Catequese com adultos e catecumenato: história e proposta. São Paulo: Paulus, 2001.
SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA O CULTO E OS SACRAMENTOS. Ritual de Iniciação Cristã de Adultos. São Paulo: Paulus, 2001.
Altierez dos Santos*
*já ajudou muitas paróquias e dioceses a implantar o processo de iniciação à vida cristã catecumenal. É doutor em Ciências da Religião, escritor e formador junto a catequistas, ao clero e a pessoas consagradas. É membro da Sociedade Brasileira de Catequetas, fundador da Rede Catequista em Missão, professor do Seminário São José da arquidiocese de São Paulo, editor-assistente e consultor para a catequese da Paulus Editora.

