Roteiros homiléticos

Publicado em janeiro-fevereiro de 2026 - ano 67 - número 367 - pp. 39-42

11 de janeiro – BATISMO DO SENHOR

Por Junior Vasconcelos do Amaral*

Eis o meu servo, eis o meu eleito!

I. INTRODUÇÃO GERAL

Jesus é batizado no Jordão, embora não necessitasse ser batizado, pois não era pecador. Contudo, o sentido que Jesus dá ao batismo nos faz lembrar de sua solidariedade para com os que procuravam o batismo no tempo de João Batista – os pecadores e pobres – e, até os dias de hoje, para com aqueles que são congregados e enxertados na vida da fé da Igreja. O batismo é nossa participação no mistério da paixão, morte e ressurreição do Senhor. Pelo batismo, morremos para o pecado e ressurgimos para a vida nova dos eleitos, a fim de servirmos o mundo com nossos dons e testemunho.

Na primeira leitura, o profeta Isaías, no cântico do Servo, dá testemunho acerca daquele que é o Servo de Deus para servir o povo, como eleito; não como um privilégio, mas como uma missão. O Servo de Adonai, que será no Novo Testamento (NT) Jesus Cristo, é constituído, de acordo com a segunda leitura, como Ressuscitado, Senhor de todos. Jesus, segundo o Antigo Testamento (AT), foi ungido para fazer o bem e salvar a todos, expulsando os demônios. Ele é o eleito de Deus que desejou ser batizado para solidarizar-se com seu povo, o qual procurava João no Jordão para redimir-se de seus pecados, de acordo com o Evangelho deste domingo. Jesus, em seu batismo, aproxima-se dos pecadores, pois sua missão é salvar a todos, curando os que estavam feridos no coração.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Is 42,1-4.6-7)

O profeta Isaías, no primeiro cântico do Servo (Is 42), fala a respeito do Servo de Deus, o eleito do Senhor, sobre quem o Espírito de Deus pairou – assim como em Jesus, no Evangelho desta festa (Mt 3,16). A eleição é a imagem tipológica para pensar, desde o AT, a pessoa de Jesus, que desce ao rio Jordão para ser batizado por João. A eleição, na Sagrada Escritura, não é sinal de honra, mas de serviço. O Servo do Senhor é uma figura isaiana corporativa, que cumpre uma missão, a vontade de Deus; ele é o Eved Adonai. Quatro são os cânticos dedicados ao Servo (Is 42,1-7; 49,1-6; 50,4-9; 52,13-53,12), o qual constitui um personagem revelador do conhecimento de Deus, de sua misericórdia e fidelidade. Ele é símbolo da aliança (Berit) entre Deus e o povo, a fim de restaurar a paz e trazer a felicidade aos oprimidos. O contexto do exílio babilônico deve ser levado em consideração na composição literária dessa figura teológica, que testemunha o Deus verdadeiro no meio das nações. O Servo é sinal de Deus, não apenas seu Servo, mas deve ser luz para as nações (cf. Is 49,1-6).

2. II leitura (At 10,34-38)

O texto de Atos é, por natureza, querigmático e anuncia do início ao fim a paixão, morte e ressurreição de Jesus, o mistério pascal, que pode ser considerado o evento fundador do NT. O querigma significa, para o início do cristianismo e seu desenvolvimento até os dias hodiernos, uma espécie de baliza e fundamento para a fé. Seguimos não dogmas, mas uma pessoa: Jesus Cristo, que viveu, morreu e ressuscitou para nossa salvação. O dogma que surge da relação que os primeiros cristãos têm com Jesus Cristo serve para que, no depósito da fé, todos nos enriqueçamos com a profissão de fé dos primeiros apóstolos, os que acompanharam Jesus em sua itinerância até a ressurreição. O relato deste domingo está enxertado na catequese de Pedro na casa de Cornélio, centurião romano pagão (At 10,34-43). Os v. 37-43 constituem uma espécie de resumo do Evangelho de Marcos, que foi inspirado por Pedro. Marcos teria sido o hermeneuta de Pedro, interpretando o sensus fidei e inspirando também Lucas, que tem como fonte o Evangelho marcano.

O presente relato de Atos serve como modelo paradigmático para o anúncio cristão. A entonação é universalista, pois Pedro anuncia a missão de Jesus, o Messias e Filho de Deus, a partir de sua investidura, o batismo, que pode ser entendido como o empoderamento de Jesus para sua missão soteriológica de salvar a humanidade do pecado, que Adão instaurou por sua liberdade arruinada. Jesus é aquele que livremente assume o projeto salvífico pretendido por Deus, o Pai, e seu batismo constitui a porta de entrada para uma vida devotada a Deus. Por isso, nós, cristãos, ao sermos batizados, somos enxertados na nova vida que é de Cristo e temos como “sobrenome e identidade” o termo “cristão”, que significa ungido, enviado para uma missão – a de continuar a missão de Jesus Cristo, colaborando para que outros e outras encontrem também a salvação querida por Deus.

3. Evangelho (Mt 3,13-17)

O batismo de Jesus é a porta de entrada para sua vida pública. Jesus desce ao Jordão para recordar que o povo de Deus também passou pelo Jordão, liderado por Josué (cf. Js 3), cujo nome tem a mesma raiz do nome Jesus, que lembra “Deus salva”. Josué passa pelo Jordão para ressignificar a passagem pelo mar Vermelho, lugar onde Deus salvou seu povo da opressão egípcia. O batismo é o mergulho na morte para o pecado com Cristo e o ressurgir para uma vida nova, na ressurreição à qual ele nos destina. Pelo batismo, todo cristão é lavado da antiga culpa e ressurge para a vida nova em Cristo.

O batismo é narrado por Mc 1,9-11, Mt 3,13-17 e Lc 3,21-22 e é ministrado por João Batista, o precursor de Jesus e supostamente seu mestre, a quem Jesus se dirigiu para iniciar seu ministério, sinalizando o início de seu messianismo nas águas do Jordão. Trata-se de um ato público, com efeitos essenciais na vida de Jesus, que, a partir daquele momento, assume uma missão soteriológica (para a salvação de todos).

A narrativa proposta para este domingo, a versão mateana, é a mais rica em detalhes, que abarcam tanto o sentido literário como o teológico, trazendo a incompreensão de João Batista e a certeza manifestada por Jesus de estar cumprindo a justiça de Deus (tsedakah, no hebraico; dikaiosyne, no grego; iusticia, em latim). Tal termo pode ser entendido como retidão, cumprimento da vontade de Deus por parte de seu servo. Jesus é o Servo de Adonai e cumprirá todo o programa estipulado por Deus, seu Pai. Para o Evangelho de Mateus, Jesus é o novo Moisés, aquele que vem cumprir a justiça estipulada por Deus.

A cena do batismo se passa em um cenário que é, para além de geográfico, teológico: o Jordão, o local para o qual se encaminham os pecadores a fim de ouvirem a voz do profeta que fala aos corações, convidando-os à metanoia, ao arrependimento, que leva a ultrapassar os pensamentos e ações que levam ao pecado. Jesus não carecia de conversão por ser o Filho de Deus, mas se faz solidário e próximo dos pecadores. Ele é, na perspectiva tardia, o Cordeiro de Deus que vem tirar o pecado do mundo (Jo 1,29), por isso o quarto Evangelho acena para um homem que se aproxima dos pecadores do mundo. Jesus é ainda próximo dos marginalizados e pobres, sobretudo dos que são excluídos pela religião oficial da época.

A cena do batismo no Jordão apresenta figuras importantes: João, o Batista; Jesus, o Filho de Deus; o Espírito em forma corpórea de pomba (Yonah, em hebraico; peristerán, no grego); a voz do céu (foné ek ton ouranón), para simbolizar o Pai. O Espírito, simbolizado na pomba, faz-nos recordar o Espírito que, em Gn 1,2, pousava sobre as águas na criação, o que recorda o batismo como fonte de nova criação para os cristãos. Do batismo Jesus será enviado para o deserto para ser tentado (Mt 4,1), iniciando sua vida ministerial. Em Gn 8,6-11, Noé, na nova criação, no recomeço, envia uma pomba para trazer o ramo de oliveira, símbolo da aliança que Deus estabelece com seu povo. Em Mt 10,16, no discurso apostólico, Jesus envia seus discípulos em missão para serem simples como as pombas. Elas são símbolo da simplicidade e, com seu arrulhar, parecem estar em oração suplicante. Por fim, são também símbolo da realidade que permanece, pois fazem seu ninho num local fixo e voltam todo ano para lá viverem a experiência da fecundidade. A voz que veio do céu é a do Pai, que elege seu Filho agraciado. Jesus é aquele que cumpre a vontade do Pai. Em toda sua vida, ver-se-á descortinar a vontade de Deus, a qual se realizará plenamente no amor derramado na cruz.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Levar a comunidade a perceber a relação entre as leituras, desde o profeta Isaías, que fala da missão a partir de uma eleição, ao Evangelho, que evidencia ser Jesus o eleito do Pai para cumprir uma missão soteriológica, culminando com sua morte e ressurreição – o conteúdo anunciado pela segunda leitura. Esta celebração pode ser uma grande mistagogia batismal, levando a comunidade cristã a revisitar o sentido teológico e pastoral do sacramento do batismo, que nos incorpora a todos na missão de Cristo, no povo de Deus, no corpo místico de Cristo, a Igreja, tornando-nos templos do Espírito Santo. Desse modo, percebe-se que toda vivência espiritual do cristão é trinitária, desde o nascimento para a fé até sua total acolhida no coração da Santíssima Trindade. Relembrar que o batismo nos constitui a todos sacerdotes, profetas e pastores para cuidar deste mundo, testemunhando o amor de Deus pela humanidade.

Junior Vasconcelos do Amaral*

*é presbítero da arquidiocese de Belo Horizonte-MG e vigário episcopal da Região Episcopal Nossa Senhora da Esperança (Rense). Doutor em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), realizou parte de seus estudos de doutorado na modalidade “sanduíche”, estudando Narratologia Bíblica na Université Catholique de Louvain (Louvain-la-Neuve, Bélgica). Atualmente, é professor de Antigo e Novo Testamentos na PUC-Minas, em Belo Horizonte, e desenvolve pesquisa sobre psicanálise e Bíblia. É psicanalista clínico. E-mail: [email protected]