Roteiros homiléticos

Publicado em janeiro-fevereiro de 2026 - ano 67 - número 367 - pp. 42-44

18 de janeiro – 2º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Junior Vasconcelos do Amaral*

Eu te farei luz das nações!

I. INTRODUÇÃO GERAL

Após o Batismo de Jesus, celebrado no domingo passado, em que renovamos nossa missão batismal, a Igreja nos convida a voltar ao Tempo Comum, espécie de kairós catequético no qual a Palavra de Deus vai ecoar no meio de nós e em nosso coração. Somos animados a deixar brilhar em nós a luz de Deus para que, com nosso auxílio, outros também creiam. Todo cristão batizado, desde a Igreja antiga, é considerado um “iluminado”, que deve fazer brilhar no mundo a luz de Cristo. Neste 2º Domingo do Tempo Comum, a liturgia nos fala dessa luz, que, para o profeta Isaías, é Israel durante o exílio. Israel deve reluzir, por meio de sua fé em Deus, essa relação substancial com Ele, que alimenta a esperança de novos céus e nova terra – nesse caso, o retorno para Judá. A segunda leitura, de Paulo falando aos coríntios, é uma exortação inicial da carta que convida à unidade em Cristo. Mesmo em meio à divisão encontrada em Corinto, Paulo decide-se por anunciar a unidade perfeita em Cristo, pelo vínculo indefectível do amor. No Evangelho, João anuncia Jesus como Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Para o quarto Evangelho, o Logos, existindo antes dos tempos, assume a carne humana em Jesus, fazendo-se resgatador da salvação, como Cordeiro que redime, com seu próprio sangue, os pecados da humanidade, pois sua morte é vicária, “no lugar de”.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Is 49,3.5-6)

A presente passagem de Isaías traz o segundo cântico do Servo de Adonai e inspira seus ouvintes e leitores a pensar que, para além de servo, Israel é chamado a ser luz para as nações (v. 6). Não basta ser servo, há que se fazer luz a fim de restaurar as tribos de Jacó e reconduzir para Jerusalém os exilados livres do cativeiro. O povo de Deus, vivendo escravizado durante cinquenta anos na Babilônia, agora deve voltar para Judá. O personagem corporativo que é o Servo de Deus, de Adonai, deve ser um sinal de esperança que ilumina os caminhos para os que estão extraviados e desencaminhados, submersos na desesperança. Ele deve lançar luzes às estradas dos exilados para que seus pés não tropecem e eles não venham a sofrer ainda mais do que sofreram na Babilônia. A luz é um elemento vital. Jesus também utiliza a imagem desse elemento para falar ao coração de seus discípulos, exortando-os: “Vós sois a luz do mundo” (Mt 5,14). Sendo luz para Jacó, Israel, o Servo do Senhor vai congregar seu povo e levá-lo para a terra do serviço a Deus e à fraternidade, Judá (cuja capital é Jerusalém).

2. II leitura (1Cor 1,1-3)

Esses são os primeiros versículos, ou seja, o prólogo, da primeira epístola de Paulo aos irmãos e irmãs de Corinto. Os cristãos da Igreja de Deus que está em Corinto são chamados a viver na santidade, pois foram santificados por Jesus Cristo, aquele que é Santo. Paulo escreve juntamente com o irmão Sóstenes aos coríntios, que vivem em uma cidade importante da Ásia Menor, uma cidade portuária. Sabia-se que em Corinto existia uma confluência de culturas e credos, religiões de mistério, bem como filosofias oriundas de várias partes. Corinto era a capital da província romana da Acaia, que abrangia a parte antiga da Grécia, ao sul da Macedônia, atraindo diversas pessoas do império.

O adágio “viver à coríntia” dizia muito sobre aquela cidade, significando viver lascivamente, de forma imoral. Paulo, assim, encontrou dificuldades em Corinto, imoralidades, dissensões, oposições e resistências, sobretudo por causa dos falsos ensinamentos que ali pululavam. O v. 2 mostra que Paulo está se dirigindo a todos os que, de qualquer lugar, invocam o nome de Jesus Cristo. O apóstolo pretende fundamentalmente promover em Corinto a união, pois os atos imorais, os falsos profetas e anticristos e os ensinamentos contrários à fé cristã dissuadiam muitos de viver a unidade da fé em Jesus Cristo. É desejo de Paulo que a fé em Cristo leve todos a viver o dom da unidade, no vínculo perfeito do amor.

3. Evangelho (Jo 1,29-34)

A passagem do Evangelho tem como elemento fundamental a tradição sobre João Batista presente no quarto Evangelho, da comunidade do Discípulo Amado. A tradição sobre o Batista é frequente nos sinóticos (Mc, Mt e Lc) e no quarto Evangelho. Disso se pode deduzir que João Batista tenha influenciado decisivamente a vida e a missão de Jesus, configurando-se como seu mestre, como aquele a quem Jesus se dirige no início de sua vida ministerial como missionário itinerante e carismático.

No judaísmo, os discípulos procuravam os mestres (rabinos) com os quais desejavam aprender os ensinamentos da Torá e aquilo que era dito acerca da Lei, o que se pode chamar de midrash (interpretação). Jesus, dessa maneira, vai até João, que, ao batizá-lo nas águas do Jordão, marcará o início de seu ministério. João Batista tem em Jo 1,19-37 importante missão: apresentar o Messias, o “enviado” de Deus, Jesus Cristo. Para as fontes que alimentaram os sinóticos e o quarto Evangelho, o batismo é decisivo para a vida de Jesus, pois, logo após ser batizado, ele é levado pelo Espírito para o deserto a fim de ser tentado por satanás. Jesus permanece fiel a Deus e renuncia a todas as investidas do diabo.

Em Jo 1,19-28, encontra-se o testemunho acerca de João Batista. Os judeus e levitas, no v. 19, perguntam a João quem é ele. João diz não ser o Cristo (v. 20). Em seguida, diz de si mesmo: “Eu sou a voz que clama no deserto...” (v. 23). Na cena seguinte (o Evangelho deste domingo: v. 29-33), Jesus vai até João. O Batista afirma: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” Para João, Jesus é o homem, o varão, a serviço do qual foi enviado, pois ele, Jesus, lhe era preexistente. O evangelista está aqui recordando o tema da preexistência do Logos (1,1-2).

No quarto Evangelho, ao ir até João Batista, Jesus é apresentado por ele como o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. A cena em questão começa com uma sinalização temporal importante, “no dia seguinte” (v. 29). O Evangelho joanino marca uma espécie de semana inaugural para narrar a missão de Jesus. A participação de João Batista é marcante como testemunha no primeiro dia e decisiva no segundo dia, quando apresentará Jesus como o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo (v. 29.36). No comentário da Bíblia de Jerusalém (edição de 2002) sobre esse versículo, encontra-se preciosa chave de leitura: “O ‘pecado’ (no singular) por excelência é recusar reconhecer Cristo como enviado de Deus (15,22.24; 16,9; 8,21), que veio nos revelar a ‘verdade’ (8,32)”.

João Batista testemunha, além da preexistência do Logos, uma temática preponderante no quarto Evangelho – Jesus foi batizado pela ação do Espírito Santo –, pois viu e testemunhou que o Espírito desceu sobre ele como uma pomba do céu. João diz não conhecer anteriormente aquele que veio até ele, mas Deus, que o enviou para cumprir tal missão, lho deu a conhecer, por revelação. As palavras de Deus ao Batista acerca de Jesus são claras: “Aquele sobre quem vires o Espírito descer e permanecer, este é quem batiza com o Espírito Santo” (v. 33). João conclui em tom querigmático: “Eu vi e dou testemunho: este é o Filho de Deus”. Seu testemunho é imprescindível para o início do Evangelho joanino, assim como é o batismo de Jesus ministrado por ele nos sinóticos. No quarto Evangelho, além de batizar Jesus, João dá testemunho (em grego, memartyrēka, verbo no perfeito indicativo ativo, dando sentido de continuidade) sobre ele. Para o Batista, Jesus é o Filho de Deus; em sentido semítico, o próprio Deus no meio deles.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Esta liturgia está interligada com a do domingo passado, festa do Batismo de Jesus. A comunidade cristã pode, na liturgia deste domingo, meditar acerca de sua missão batismal, do que cada membro batizado na comunidade faz para a evangelização. Todos os fiéis batizados estão cooperando com o anúncio do Evangelho, na catequese, na liturgia, nas pastorais sociais? Meditar a importância da vida comunitária, como nos ensina a segunda leitura. Perceber a importância de que cada fiel ilumine o mundo com seu testemunho, com sua conduta e com o anúncio da Boa-nova de Jesus.

Junior Vasconcelos do Amaral*

*é presbítero da arquidiocese de Belo Horizonte-MG e vigário episcopal da Região Episcopal Nossa Senhora da Esperança (Rense). Doutor em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), realizou parte de seus estudos de doutorado na modalidade “sanduíche”, estudando Narratologia Bíblica na Université Catholique de Louvain (Louvain-la-Neuve, Bélgica). Atualmente, é professor de Antigo e Novo Testamentos na PUC-Minas, em Belo Horizonte, e desenvolve pesquisa sobre psicanálise e Bíblia. É psicanalista clínico. E-mail: [email protected]