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Publicado em número 171 - (pp. 17-22)

A violência presente no ser humano

Por Maria Elci Spaccaquerche Barbosa

Falar sobre agressividade e violência é abranger uma vasta área do comportamento humano que não é possível englobar num só artigo. De qualquer forma tentaremos colocar aqui alguns aspectos desse tema para possível reflexão.

Em geral aceita-se que a agressividade é um impulso existente em todos nós. Sem ele não faríamos muita coisa. Não iríamos ao trabalho diariamente, nem teríamos ânimo de lutar contra as adversidades, e nem mesmo teríamos ambição para construir nossas vidas.

Ao sondar a origem e história da agressividade humana deparamo-nos não só com fontes de energias dinâmicas e úteis, como também com manifestações bastante violentas da mesma. De tempos em tempos manifestações irrompem na psique humana com tal intensidade que acaba por constituir um dos grandes problemas da humanidade saber enfrentá-las.

 

1. Importância do ambiente de vida

É sobejamente sabido que o ambiente em que crescemos desempenha papel vital no nosso desenvolvimento. Uma mãe e/ou pai amorosos, bons e compreensivos, constituem a base para que uma criança desenvolva segurança interna, o que em última análise constitui a base de seus recursos internos para enfrentar a vida. É, de fato, muito importante o tipo de vida que os pais levam, e o grau de sua própria honestidade psicológica. Uma pregação moralista de pais hipócritas faz maior mal do que se não houvesse pregação alguma. Como diz um antigo ditado popular: “A caridade começa em casa”. Da mesma forma, poderíamos dizer que a violência também começa em casa. Porém sabemos que nenhum ambiente é perfeito, e nem mesmo espera-se isso. Haver “tempestades” dentro de casa e enfrentá-las é necessário para a construção do próprio eu.

Enfrentar frustrações e aguentá-las sem comodismo é sempre necessário se se quer o desenvolvimento do indivíduo, e isso faz parte da jornada do herói, como observamos nos contos de fadas. Os heróis e heroínas têm sempre de enfrentar situações bastante difíceis, frustrantes e repetitivas, como, por exemplo, ir inúmeras vezes buscar água no poço, limpar escadarias de palácios, atravessar sete montanhas etc.

 

a) A presença da competição

Se, de um lado, é necessário que a relação paterno-filial seja amorosa e compreensiva, é também necessário, de outro lado, saber aguentar as frustrações e diferenças existentes nas relações. Entretanto, hoje em dia, não se observa essa resistência à frustração tão necessária à construção do caráter de um indivíduo. Além do mais, o que se vê é que independente do nível social, os indivíduos pouco desfrutam de um relaciona­mento amoroso e verdadeiro com ou sem “tempestades” dentro de seus grupos familiares e primários. A vivência das relações — ou a convivência — é substituída pela competição. A competição entre irmãos, entre pais, entre amigos. Raramente encontram-se grupos onde o compartilhar, o dividir com o outro, seja um hábito e uma atividade constantes. O que se encontra é o individualismo e o acumular indiscriminadamente. Assim, o estar com pessoas é substituído por um sair com pessoas, para um consumismo voraz de andanças; infindáveis em shoppings ou templos de consumo. E isso ocorre em todos os níveis sociais. Nas classes baixas os “templos” podem ser outros, mas eles existem, bem como a necessidade de consumo. O ter substitui o ser na sociedade como um todo. E ninguém parece aguentar as frustrações de não ter. A irritabilidade se torna geral. E parece que não ter, não conseguir o que se quer ao nível do ter, transforma todos (adultos, jovens e crianças) em indivíduos agressivos e intolerantes.

 

b) A presença da agressividade e da violência

Dois pontos importantes devem ser ressaltados até o momento: primeiro que a agressividade — e até mesmo a violência — faz parte da psique humana, ou seja, faz parte dos impulsos de todos nós, seres humanos; impulsos esses intrapsíquicos. O segundo aspecto é que a agressividade e a violência variam em níveis de manifestações conforme o ambiente em que o indivíduo vive, e conforme o grau de resistência a frustrações desenvolvido por esse indivíduo e pelo seu meio.

Como dissemos, esse impulso para a ação é bastante necessário para a luta cotidiana. Uma pessoa de “garra” é alguém cujo impulso é forte e que não torna a agressividade algo contra os outros ou contra si, mas uma força para batalhar na vida.

É interessante exemplificar tais aspectos com dois fatos que podem nos levar à reflexão: os indivíduos que sofreram e resistiram às frustrações nos campos de guerra, e tiveram muita “garra” para lutar até os limites humanos pela sua sobrevivência e, com o exemplo oposto, as crianças da classe média de nossas cidades, que não “resistem” a um não dos pais diante de uma compra, explodindo a agressividade em crise de “violência”.

Como será que foi canalizado o impulso agressivo nesses dois casos?

Para uma reflexão melhor ainda acerca de nossa sociedade, poderíamos levantar a questão: o que acontece com essa sociedade, em que existe um elevado grau de apelo ao consumo, onde o ser é ter e que, ao mesmo tempo, o Estado (com sua política econômica) retira a possibilidade do “ter” de pelo menos 90% da população? Creio que podemos deduzir o que acontece. É como tirar o doce da boca de uma criança. Imaginemos alguém dizendo a outrem: “Olhe, você tem de comprar isso para ser alguém importante. Mas, saiba, você não terá meios econômicos e legais para tal! Mas, bem, você não se importa, não é mesmo?”

Uma dicotomia flagrante é gerada no indivíduo. Ele fica como que puxado por opostos de que nem tem consciência! E as frustrações advindas daí nem sempre conseguem ser contidas. Elas acabam, certa­mente, gerando agressividade e violência.

 

c) Indivíduos reconhecidos como números

Além desse aspecto social do consumo que desemboca na dissonância psíquica entre ser e ter, um outro aspecto sociológico pode ser citado. É o aspecto de vivermos numa sociedade onde o indivíduo nada mais é do que um número no RG, outro no CPF e outros mais nas estatísticas econômicas e mercadológicas. Ser somente um número na multidão é extremamente desalentador. Se o indivíduo se percebe somente como um número, um carneiro a mais no rebanho, sua vida pode se tornar extremamente sem graça, sem sentido, vazia. Ora, tal processo de se tornar um número não ocorre de uma hora para outra, mas lentamente na vida do indivíduo. A princípio ele até fica orgulhoso de receber um número, em geral o RG, sua carteira de identidade. Fica orgulhoso na ilusão de ser alguém na sociedade. Orgulhoso de estar inserido no social e logo ele se vê pensando segundo o coletivo e seu grupo de referência. Seus valores, suas ideias e sentimentos são aqueles ditados pelo grupo. Em nossa sociedade, a mídia, e mais especificamente a televisão, determinam o que pensar. Aliás, não só isso, mas também o que sentir, o que comer, o que vestir, chegando mesmo a estabelecer os padrões de reações comportamentais diante de situações conflitivas.

Recuando na história, veremos que, mesmo nas culturas mais primitivas — ou principalmente nessas — onde as sociedades eram pequenas e ligadas a tradições muito estreitas, sempre existiram pressões para o conformismo. Pressões para o indivíduo se, comportar — e se conformar — segundo determinados modelos sociais. Hoje em dia, a mídia é basicamente o principal veículo de pressão para o conformismo a determinados valores. Nos tempos antigos, as pressões eram impostas a partir das tradições e das leis daquele grupo social. O indivíduo em qualquer sociedade, ao introjetar os valores sociais, tende a agir em conformidade com os mesmos dentro de um padrão considerado ideal. Só que a grande diferença, parece-nos entre as sociedades anteriores e as atuais, é que, basicamente, hoje em dia, o indivíduo é um número na estatística social. Seus valores não se baseiam mais em tradições, mitos de origem, reverências a ancestrais etc., mas em valores de compra e venda — valor do ter. O ser humano parece ter perdido suas raízes e com isso sua finalidade e seu sentido de vida. Não sabe mais acerca da natureza, dos mistérios da vida e da morte, dos mistérios do sentir e do ser.

Diante de tais percepções do nosso contexto social, podemos nos perguntar, então: “O que acontecerá com esse ser humano frustrado e sem sentido de vida? Qual será sua moral e sua ética? Qual será o resultado dessa equação social a que fomos submetidos todos nós?”. A resposta parece estar aí nos fatos da vida. Os modelos para saber como reagir a seus conflitos e ansiedades, ele vai buscá-los muito provavelmente nos modelos sociais impostos pela propaganda e pelas personagens da televisão, nos atores, naquilo que escrevem sobre eles etc., enfim, na mídia. O indivíduo também pode procurar entre as pessoas de seu convívio aqueles que possuem os mesmos sentimentos. Formarão grupos, gangues ou lobbies, conforme o nível social. Uns provados pela elite dirigente, outros talvez não. Mas o que é menos provável é que o indivíduo procure dentro si mesmo sua veia humana, suas crenças, seus sentimentos e valores do ser que estão escondidos, senão esmagados. Ele se aparta de seus próprios sentimentos e, muitas vezes, nem chega a conhecê-los pois seu modo de ver o mundo, de raciocinar, é estático também. Ele é um número, mas o outro também é. E apesar do problema da estatística não ser simplesmente uma meia verdade, mas como diz Toynbee, uma completa mentira, esse indivíduo acredita no raciocínio estatístico. Ele se tornará um indivíduo frio e calculista tanto em relação ao mundo como em relação a si mesmo, afastando-se da sua função sentimento que lhe poderia dar significado às coisas e à vida, função que pode fazer dele um ser único quando amado. Assim sendo, ele não se confronta com o paradoxo de ser um na multidão e, ao mesmo tempo, único em si mesmo. A não vivência dos sentimentos também o priva da vivência de sua unicidade. Para ele a vida perde sentido. Sente um enorme vazio. Parece esvair o fluxo vital que os sentimentos promovem na sua relação com o mundo.

Nessa vivência destituída do colorido do sentimento e do significado, o ser humano, ferido no âmago de sua alma, passa a ser um destruidor de si e da vida existente nos outros e na própria natureza da terra em que habita. Ele se toma um cínico ou um suicida. Ele é só um número mesmo, não importa o que faz. E ele o faz sem se importar. E, novamente, a caridade que não começa em casa (no próprio indivíduo) não poderá existir em relação aos outros.

 

2. A violência que bate à porta

Como se pode observar através dos fatos, as manifestações da agressividade como um dinamismo psíquico propulsor das ações humanas, necessário à sobrevivência e mesmo à criatividade, não é a mais preponderante em nossa sociedade atual. A agressividade eclodiu em violência. São manifestações extremadas de agressão contra o indivíduo — inclusive contra o próprio autor da agressão — e contra o mundo. Pelo que se diz, a violência tem chegado a níveis cada vez mais alarmantes, mesmo considerando que a mídia gosta de se alarmar com a violência. Exageros à parte, fato que a violência tem batido à porta de todos nós! Não há ninguém que já não tenha sofrido alguma violência. Não aquelas mais abstratas, anteriormente mencionadas, e mais difíceis de se detectar — a violência do sistema de consumo, a violência da coisificação do indivíduo. Essas todos nós sofremos em alguma medida. Mas todo o mundo já passou concretamente por algo muito agressivo à sua integridade pessoal, como um assalto, roubo, morte de ente querido por acidente violento, lesões físicas por atos violentos de outros etc. Sofremos a violência como únicos, apesar de sermos um número na multidão. O que será que tudo isso significa? Mais uma vez nos confrontamos com o paradoxo de ser ninguém e de ser exclusivo! Só que agora não através do amor, mas do ódio (o que não deixa também de ser um sentimento malvindo!). E o que é mais interessante é que, mesmo confrontando-se com a violência e com o paradoxo, ainda assim a maioria das pessoas acha que a violência é algo externo a elas. Como se houvesse um mundo onde existem vítimas de um lado e algozes de outro. Aí parece estar a raiz do pensamento que cinde a sociedade em bons e maus. E constatamos que essa mesma sociedade produz armas ao lado de hospitais para tratar os feridos!

Consideremos o pronunciamento de A. Huxley: “É extremamente importante qualquer pessoa ligada à educação, às letras e à religião tentar fechar essa fissura esquizofrênica da nossa sensibilidade moral”.

Esse apelo de Huxley, em conferência pronunciada em 1959, sobre guerra e nacionalismo, parece até agora não ter encontrado qualquer eco em nossa sociedade, ou em nós mesmos. Toda a vez que consideramos a violência fora de nós, eximimo-nos de nossa parcela de responsabilidade social. É muito provável que tentemos nos esconder atrás de frases como: “Mas eu não tenho culpa!” — “Eu não criei esse estado de coisas!”. Ocorre que esse tipo de atitude unilateral e escapista desemboca no fato de querermos eliminar radicalmente a violência em nossa sociedade, como se o mal pudesse ser extirpado de uma só vez.

 

a) A psicologia do “bode expiatório”

Essa não é uma ideia nova como se pode pensar, mas uma ideia antiga: a tentativa de extirpar o mal. Um dos rituais do antigo judaísmo era a purificação do coletivo reunindo o mal e o impuro sobre o “bode expiatório”, que, em seguida, era expulso para o deserto de Azazel. Com esse ritual o mal era expulso da comunidade. Como explica E. Neumann (Psicologia profunda e nova ética, Ed. Paulinas), os homens que compunham as coletividades primitivas tinham uma consciência fraca, e a única forma de desenvolver os valores exigidos pelo grupo era projetando o mal fora, pois só assim era possível desenvolver a consciência coletiva acerca do mal, ao ser este “lançado aos olhos” fora e apagado em grande solenidade. Dessa forma, o mal estava fora, nos inimigos, nas outras tribos, ou no outro. Era necessário encontrar alguém, ou um grupo que pudesse receber a projeção do mal. E tudo ficava como se, ao eliminar tal pessoa ou grupo, eliminar-se-ia o mal do mundo. Mas esse tipo de psicologia — a do “bode expiatório” — existiu e existe até hoje em todos os grupos sociais e sociedades, sejam elas do 1º ou 3º mundo. Alguns exemplos: a África do Sul e a questão do apartheid, a Iugoslávia e a questão entre a Bósnia e os Sérvios, e no Brasil os grupos de extermínio.

Mas como se sabe, através de toda a história da humanidade, o mal nunca foi eliminado, e o “bode expiatório” sempre serviu a um determinado grupo social. Existem até mesmo desenhos animados infantis como o He-Man, em que o mal — o Esqueleto — nunca morre. Ele é uma figura sinistra, é derrotado, se afasta e aparece novamente no episódio seguinte. O herói vence o mal, mas não o elimina. E em cada episódio, uma nova aprendizagem se efetua. A visão maniqueísta de um mundo dividido em bons e maus pertence a uma parte ética em que o indivíduo não é visto senão como parte do coletivo, servindo a um grupo social que pensa por ele. Porém, no momento em que nos confrontamos com os próprios sentimentos, percebemos que temos sentimentos bons e maus — independente da justificativa que se dê a eles. Temos de nos render aos fatos e do confronto com esses sentimentos podemos nos responsabilizar pelas nossas ações — boas ou más — e aprender com suas consequências.

Quem tem um jardim em casa e cuida de suas plantas sabe que é necessário estar constantemente tirando as “tiriricas”. Elas são ervas daninhas que nascem ao lado das flores. E, por mais que as tiremos, elas sempre nascem. Não é só nos jardins e na sociedade que existem as “tiriricas”, mas na alma de cada um de nós.

Na ética do “bode expiatório”, o indivíduo não tem o trabalho de confrontar-se consigo mesmo, com suas “tiriricas”. É mais cômodo para um certo nível de consciência deixar que o problema do mal seja resolvido pelas instituições sociais: legais ou religiosas Na verdade, até hoje o homem primitivo habita no homem grupal não reconhecendo o mal também como “mal pessoal”. Esse é experimentado como estranho. Consequentemente, todos os estranhos acabam sendo para o indivíduo figuras malévolas, recebem a projeção daquele mal inconsciente. Assim as minorias em quaisquer povos recebem tal projeção, fazendo surgir o racismo, as facções religiosas e os fanáticos de toda a espécie. Ocorre que é muito difícil para qualquer ser humano perceber que os defeitos que ele vê no vizinho fazem parte também de seu eu. É difícil para os ingleses da África do Sul perceberem o seu próprio complexo de inferioridade e insegurança quando eles projetam tudo isso nos negros. Guerra alguma seria levada avante, se não se fizesse do inimigo o portador de todo o mal que os indivíduos e a comunidade perceberam em si.

Na psicologia do “bode expiatório” o indivíduo vê uma parte de si mesmo. Normalmente sua parte mais superficial — a que entra em contato com os outros — a persona, enquanto seu outro lado permanece como parte desconhecida do inconsciente, no que chama “sombra” e só se revela quando projetada no outro. Como a pessoa só conhece de si uma parte, considerada “boa” pelo grupo, ela se identifica com essa parte considerando-se, pois, uma pessoa totalmente boa. Essa é uma inflação de ego bastante perigosa, pois exatamente por ser boa, a pessoa justifica ações violentas como necessárias. Ela legitima assim a guerra, o linchamento, a pena de morte e tudo o mais em nome do bem do qual ela se imagina arauto.

Pelo que vimos até aqui, do ponto de vista da psicologia, a questão da violência pode ser analisada como impulsos intrapsíquicos, dinamismos esses que, em confronto com o meio social, podem se desenvolver de maneira mais criativa ou destrutiva. E ainda mais que a questão do mal é a questão com que nos confrontamos atualmente através de toda a violência com que nos deparamos diariamente.

A psicologia do “bode expiatório” nos faz perceber que, ao aprofundarmos um pouco mais nossa consciência, veremos que o bem e o mal fazem parte de um único núcleo e pertencem juntamente a cada um e a todos nós. Essa reflexão nos faz ver que, enquanto buscamos somente nos outros os culpados, enquanto construímos mecanismos para acabar com o criminoso e não com a criminalidade, seremos todos nós participantes e coniventes de uma sociedade criminosa, onde a única diferença é que alguns matam fora da lei, outros dentro dela.

 

b) O segredo está no amor

No curso da vida somos todos dotados de desejos que nenhum ser humano pode realizar completamente, e a frustração desses desejos produz o ódio. Tal percepção do ódio em oposição ao sentimento de amor gera culpa. Se a culpa puder ser tolerada, então o indivíduo pode lamentar-se a si mesmo, sua ganância e seu ódio, e começar a se preocupar com o outro e apreciá-lo. Este é o cerne do amor humano, cuja força determinará até que ponto a agressividade é dominada. Na verdade, é opinião de muitos analistas que, desse conflito, provêm um forte desejo de efetuar reparação (reparar-se da própria culpa), o que constitui a base de todo o trabalho bom e da criatividade.

Como a culpa é dolorosa, o ser humano, a fim de evitar o sofrimento, utiliza defesas, e uma das defesas mais evidentes é o ataque ou agressão ao outro.

“Nossa natureza é tal que nunca podemos satisfazer inteiramente nossos anseios. Nossa consciência nos informa sobre isso. Ao mesmo tempo nascemos dependentes e nunca seremos totalmente autossuficientes a ponto de prescindirmos dos outros. Assim, defrontamo-nos com uma satisfação incompleta de nossas necessidades e com limitações em nossas realizações. Se essa consciência puder ser tolerada e o amor predominar, podemos ficar gratos por nossas provisões e ter humildade em nossas realizações, o que nos levará a nos esforçar por melhorar em ambos os sentidos” (Eric Brenman).

O mal e o bem não são aspectos externos ao indivíduo, mas resultam da sua própria relação consigo mesmo e com o meio que o circunda. A busca do autoconhecimento leva a confrontos por vezes dolorosos, bem como a níveis de integração do próprio eu que conduzem o indivíduo a uma libertação do ter e a uma vivência mais integral do ser, vivência essa ampliada pela realização mais plena de suas potencialidades; consequentemente, esse mesmo indivíduo, libertando-se a si, liberta o outro na sua possibilidade de ser e de realizar-se nesta vida.

Talvez o mais alto nível de consciência moral ou ética que encontramos não está contido nos grossos compêndios jurídicos ou filosóficos, mas existe numa frase pronunciada por Cristo há mais ou menos dois mil anos: “Ame o próximo como a si mesmo”. Sim o respeito ao outro e a mim mesmo, a compreensão da amplitude e do limite do meu ser e de cada um dos humanos, com todas as implicações que disso advêm. Amar não só o externo, mas a chama divina contida em todo o ser da natureza, que se revela em cada movimento de vida que como uma brisa balança as flores, roça nossas peles e embala nossa alma.

 

Maria Elci Spaccaquerche Barbosa