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Publicado em número 086

Dom Luciano fala sobre Puebla

Por Dom Luciano

Vida Pastoral entrevistou Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo, responsável pela Região Episcopal do Belém, na mesma Arquidiocese, ele que foi um dos mais ativos membros da Conferência Episcopal Latino-Americana, reunida em Puebla (México), de 27 de janeiro a 12 de fevereiro deste ano. Queríamos saber como se preparou e realizou essa reunião.

Vida Pastoral: Porque os bispos celebraram agora sua reunião em Puebla?

Dom Luciano: A Conferência de Puebla é a terceira conferência geral do episcopado latino-americano. A primeira foi no Rio de Janeiro, em 1955; a segunda, em 1968, em Medellín. Dez anos depois dela, já era tempo para uma revisão do trabalho do episcopado na América Latina com um novo planejamento para os novos problemas; além disso, como Medellín tinha aprofundado e aplicado o Concílio Vaticano II ao nosso hemisfério, a Evangelii Nuntiandi (encíclica de Paulo VI sobre a evangelização) devia receber um esforço de adaptação às necessidades concretas de nosso ambiente.

VP: Quais foram os participantes da Conferência de Puebla e como foram escolhidos?

DL: Participaram da Conferência de Puebla os presidentes das Conferências Episcopais Nacionais e mais alguns bispos eleitos pelas mesmas Conferências na proporção do número de bispos de cada país. Além deles, alguns religiosos, religiosas e leigos, escolhidos de listas propostas pelas Conferências nacionais, aos quais se acrescentaram alguns bispos escolhidos pelo Santo Padre num total de 364 pessoas.

VP: É possível fazer uma comparação entre o número e a condição dos participantes na Conferência de Medellín com os membros da Conferência de Puebla?

DL: Para satisfazer sua curiosidade, é bom saber que exceto para os observadores não católicos, Puebla teve maior número de participantes em todas as categorias. Senão vejamos:

Medellín Puebla
Cardeais 6 21
Arcebispos 45 66
Bispos 86 131
Clero secular 41 45
Religiosos presbíteros 30 35
Religiosos não presbíteros 3 3
Religiosas 7 13
Leigos (homens) 13 23
Leigos (mulheres) 6 10
Observadores não católicos 12 5
Diáconos permanentes 4
Camponeses 4
Indígenas 4
Total de pessoas 249 364

VP: Como se preparou a Conferência de Puebla?

DL: A preparação da terceira conferência geral do episcopado latino-americano foi realmente notável. Dois anos de intensos trabalhos. As conferências episcopais se reuniram em quatro grandes grupos: o grupo da América Central insular (ilhas do mar das Antilhas e golfo do México), o grupo da América Central continental (México, Guatemala, Belize, Honduras, El Salvador, Nicarágua, Costa Rica, Panamá), o grupo dos países bolivarianos (Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia) e o “cone sul” com o nosso Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile. Orientados pela presidência do Celam, cada grupo reuniu as suas conferências episcopais em reunião conjunta e ofereceu sugestões para a elaboração de um documento de base que, depois de redigido pelo Secretariado do Celam, recebeu o nome de Documento de Consulta (DC ou livro verde — da cor da capa) enviado a todos os bispos no início de 1968 para a análise de cada conferência episcopal.

VP: Parece que esse Documento de Consulta recebeu várias críticas, não agradando a muita gente!

DL: Um documento de consulta é uma lista de propostas a serem estudadas, criticadas, aumentadas. O documento mesmo tinha como finalidade suscitar reações. Nada mais natural, pois, que ele recebesse complementação, crítica e aperfeiçoamento. Muitas propostas das Conferências Episcopais foram excelentes e com elas se redigiu um texto mais elaborado que foi enviado pelo meio do segundo semestre do ano aos futuros participantes da Conferencia para sua reflexão e aprofundamento: era o Documento de Trabalho (DT ou livro branco). Além desses dois documentos mais importantes, há a publicação das contribuições dos departamentos do Celam que tiveram também suas reuniões em nível continental. Houve também a contribuição de peritos, teólogos, entidades que foram reunidas no acervo da preparação a Puebla. Completando esse trabalho, houve a apresentação de um esquema geral — uma grande folha (logo apelidada de o “lençol”) dada a cada um dos participantes já no início dos trabalhos, contendo um resumo do que tinha aparecido no tempo da preparação sobre cada tema.

VP: Depois dessa preparação, como começou a Conferência?

DL: Deve-se considerar ainda como parte principal de preparação para a elaboração do documento da assembleia a palavra do Santo Padre João Paulo II, que abriu os trabalhos da conferência, dirigindo-se à assembleia e insistindo na tríplice verdade: Jesus Cristo, a Igreja, o homem.

VP: O que significou a presença do papa nessa Conferência?

DL: A presença do Santo Padre revela o grande interesse que João Paulo II tem pela América Latina e particularmente pela colegialidade do episcopado do continente. Foi realmente um acontecimento extraordinário: dezoito milhões de mexicanos viram o papa e puderam escutar várias vezes a sua palavra. Elas constituíram constante inspiração para os trabalhos da Conferência Geral.

VP: Como se desenrolou depois a Conferência?

DL: Uma das características da terceira Conferência Geral foi a esmerada preparação da técnica de trabalho. Uma comissão encarregada da dinâmica da assembleia assegurava os passos segundo rigoroso cronograma. A elaboração do documento foi obtida mediante o trabalho de comissões e plenários. Inicialmente os membros foram distribuídos pela ordem alfabética dos nomes em vinte comissões, e fizeram nelas a elaboração do roteiro inicial selecionando temas e assuntos. Estabelecida a sequência de temas, formaram-se novas comissões, vinte e uma desta vez, e cada um escolheu a comissão que tratava do tema no qual julgasse poder melhor trabalhar. A distribuição livre se fez rapidamente, contando cada um desses grupos uns vinte membros mais ou menos. Cada comissão discutia seu tema e preparava um texto.

VP: Se cada comissão trabalhava uma parte do texto, não houve certo isolamento entre elas?

DL: As comissões eram as principais responsáveis de seus textos. No entanto, desde o início foi assegurado o intercâmbio entre as comissões mediante a formação de grupos de trabalho em “grade”, quando duas ou mais comissões com temas afins se encontravam para porem em comum suas descobertas e cotejarem seus textos. As redações eram também postas por escrito e distribuídas a todos que podiam então apresentar por escrito suas propostas de modificação (modos) à comissão encarregada. Além disso, embora poucos, os plenários em que a palavra era livremente concedida a todos, deu à assembleia uma consciência ainda maior do conjunto dos temas tratados.

VP: Todos os bispos puderam apresentar, suas sugestões de modificação aos textos das comissões. Quem é que fez a escolha ou a rejeição dessas modificações?

DL: Em primeira instância era cada comissão que fazia esse julgamento. Para obviar a um juízo por demais interior a cada comissão, ficava facultado ao membro desejoso de ver um diferente julgamento de sua proposição, apelar para o plenário. Na redação final, este caso aconteceu em relação a alguns modos considerados principais pela própria comissão que devolveu ao plenário o julgamento sobre a sua inclusão ou não.

VP: O texto que nós conhecemos foi impresso como texto provisório. Haverá alguma modificação que poderá ser feita nele?

DL: O texto como foi publicado no Brasil recebe a denominação de provisório. Em primeiro lugar, falta ao texto atual uma introdução que será elaborada pela presidência do Celam ou talvez contará o documento com a palavra introdutória do próprio Santo Padre. Dado que o texto reflete a redação final de toda uma assembleia, pode ocorrer uma ou outra imperfeição de estilo, ou até necessitar de esclarecimento de conteúdo. Daí segue-se que o texto em sua forma definitiva poderá ser aperfeiçoado. Difícil prever o que se passará; no entanto, o Santo Padre João Paulo II expressou a sua confiança nos trabalhos da Conferência Geral. O texto atual conserva seu valor histórico como resultado direto dos trabalhos da assembleia.

VP: Ainda uma pergunta, talvez indiscreta: antes de Puebla, a imprensa falou muito dessa reunião, durante o acontecimento o noticiário era farto, mas saídas as conclusões parece que se fez um silêncio quase completo. Não interessa mais?

DL: Deve-se dizer que a acolhida dada pela imprensa a Conferência Geral foi superior à expectativa. É certo que isso se deve de um modo especial à palavra e à presença do Santo Padre João Paulo II. Deve-se também ao temário da própria Conferência Geral. Creio que raramente um acontecimento de Igreja pôde contar com tal cobertura jornalística. No entanto, terminada a Conferência Geral e explorada a novidade do evento, compreende-se que a cobertura jornalística fique reservada aos períodos de maior penetração doutrinal e, portanto, de menos divulgação. Talvez na ocasião da publicação do texto definitivo, o documento alcançará maior interesse para o grande público. No âmbito das comunidades eclesiais, pelo contrário, há uma grande acolhida do texto e multiplicação de estudos em forma de cursos em todo o nosso continente. Nenhum documento até o momento alcançou tal audiência e repercussão.

VP: E agora, Dom Luciano, depois de Puebla?

DL: A Conferência de Puebla foi preparada e realizada num clima de fé e união. Mas todo este esforço não se conclui com a publicação de um documento. Nasce agora uma nova etapa para a vida eclesial de nosso continente. É preciso que todos possamos ouvir a palavra do Santo Padre e do episcopado como um eco da própria mensagem de Jesus Cristo que nos envia a evangelizar: “Ide e pregai o Evangelho a todos os povos”.

Temos que assimilar e interiorizar o documento de Puebla em todos os níveis de vida de nossas comunidades. Na oração e no discernimento espiritual, vamos aprofundar as orientações pastorais que recebemos de modo a revitalizar a ação evangelizadora na América Latina.

Os Bispos do Brasil, em suas assembleias, estão discernindo os caminhos mais aptos para concretizar em nível nacional as linhas pastorais de Puebla. Procuremos, pois, assumir com alegria e entusiasmo nossa parte na grande missão que a Igreja reunida em Puebla nos confia.

Dom Luciano