Atualidades

Bebês reborn: fenômeno social, saúde mental e o olhar católico-Franciscano secular

10/06/2025

Paulo C. Lino, OFS*

*Psicanalista clínico, terapeuta, teólogo, pós-graduado em Ciências da Religião, professor de filosofia e catequista.

 

Eis o artigo:

É impossível abordar o tema dos bebês reborn sem perceber que, por trás de cada boneca, há histórias de dor, esperança e busca de sentido. Em minha experiência como psicanalista clínico e franciscano secular, tenho acompanhado de perto famílias e indivíduos que depositam nesses objetos um pedido de acolhimento diante do vazio existencial que marca a nossa época. Não se trata apenas de um fenômeno de saúde mental, mas de um reflexo das mudanças profundas em nossa cultura e dos desafios enfrentados pela Igreja Católica na tarefa de acolher, discernir e orientar. Este artigo, atravessado por relatos, inquietações e pela sensibilidade franciscana, procura refletir sobre os limites e possibilidades desse fenômeno, propondo caminhos para o cuidado e o amor autêntico em meio ao sofrimento contemporâneo.

1. Introdução
Durante os atendimentos clínicos e nos diálogos com outros profissionais de saúde, frequentemente me deparo com histórias em que o bebê reborn aparece como símbolo de algo maior: solidão, saudade, desejo de reparação. É notável como, para muitas pessoas, essas bonecas se tornam ponto de apoio emocional, especialmente diante de lutos não elaborados ou vínculos afetivos rompidos. Em casos recentes, vi situações que chegaram à Justiça, como a disputa pela posse de um bebê reborn e de um perfil digital (UOL, 16 maio 2025), ou relatos de busca por atendimento de urgência para essas bonecas (Metrópoles, 2 maio 2024). Ao olhar para esse fenômeno, percebo que a questão transcende o objeto em si: envolve saúde mental, dinâmica familiar, influência midiática e o papel da fé. A partir desse contexto, este artigo propõe uma análise que une ciência, ética e o olhar acolhedor do franciscano secular, buscando promover um cuidado que seja, ao mesmo tempo, sensível e lúcido diante das dores do nosso tempo.

2. O olhar da saúde mental: entre o cuidado e o alerta
Como psicanalista clínico e franciscano secular, observo que muitos pacientes buscam no bebê reborn uma forma de aliviar a dor da perda ou de carências afetivas profundas. Em certos contextos, o reborn pode servir como objeto transicional, favorecendo a reorganização emocional. Contudo, é fundamental ressaltar que tal recurso, por mais realista que seja, jamais substitui vínculos humanos autênticos e, sem acompanhamento, pode postergar o enfrentamento do luto.

Segundo a psicóloga Maria Fernanda Carvalho, “o risco está justamente em transformar a boneca em um substituto permanente do vínculo humano. Quando o reborn ocupa o espaço do outro, a tendência é a negação do sofrimento, o que pode perpetuar quadros de depressão e solidão” (O Tempo, 6 maio 2025).

O psiquiatra Dr. André Luís Mendonça complementa:
“O uso contínuo de objetos hiper-realistas pode retardar o enfrentamento do sofrimento e mascarar sintomas de transtornos mentais mais graves” (O Tempo, 6 maio 2025).

Em todos os casos acompanhados, é indispensável acolher a dor, mas orientar o paciente a reconstruir laços reais e buscar, quando necessário, o acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, evitando a dependência simbólica.

3. Casos Recentes: Judicialização, SUS e Mídia

O alcance público do fenômeno reborn evidencia como a dor subjetiva ganhou espaço nas esferas social, jurídica e midiática. Em maio de 2025, um casal em separação judicial disputou não só a posse de um bebê reborn, mas também o perfil da boneca nas redes sociais (UOL, 16 maio 2025). Já em 2 de maio de 2024, uma influenciadora levou sua boneca reborn para atendimento em uma UPA, fato que foi amplamente noticiado (Metrópoles, 2 maio 2024). Segundo as reportagens, a mulher apresentava histórico de luto não elaborado, mas não há diagnóstico psiquiátrico divulgado oficialmente. A cobertura midiática de episódios como esse revela, por vezes, uma tendência à espetacularização do sofrimento e, em certos momentos, à patologização da fé e da dor, convertendo episódios delicados em motivo de debate público ou entretenimento.

O Ministério Público, diante dessas demandas, reforçou que a prioridade do SUS é a saúde da infância real, sem negar, porém, a necessidade de acolher manifestações legítimas de sofrimento (UOL, 18 maio 2025). O desafio está em encontrar o equilíbrio entre o direito ao acolhimento e o uso ético dos recursos públicos.

4. O olhar Católico e franciscano secular: ternura, verdade e limite


4.1. Mídia, fé e acolhimento: padre Fábio de Melo e padre Juan

O tratamento dado pela mídia aos gestos de fé e fragilidade é notório nos casos envolvendo o padre Fábio de Melo e o padre Juan. Quando o padre Fábio adotou uma boneca reborn com síndrome de Down, a mídia não apenas noticiou, mas também ironizou e colocou em xeque sua saúde mental e autenticidade da fé:

Padre Fábio de Melo adota bebê reborn com síndrome de Down nos Estados Unidos (CNN Brasil, 3 maio 2024).

Nas próprias redes sociais, padre Fábio expôs sua humanidade:
“Eu também sofro, eu também estou doente. Não sou o super-homem da fé, sou humano e frágil” (MELO, 2024, Instagram).

A mídia, por vezes, explora essa vulnerabilidade, lançando dúvidas sobre a fé católica ou reduzindo o gesto ao patamar de polêmica (Terra, 4 maio 2024).

O episódio do padre Juan Carlos Ramírez, que negou o batismo a uma boneca reborn, também foi apresentado de modo tendencioso:

Padre nega batismo a bebê reborn e causa polêmica entre fiéis (BBC, 10 maio 2024).

O próprio sacerdote fundamentou sua decisão nos documentos e ritos da Igreja:
“O batismo é um sacramento reservado à pessoa humana. Não se pode estender a graça sacramental ao que não tem vida” (JUAN CARLOS RAMÍREZ, Pe., entrevista à BBC, 10 maio 2024).

Ambos os casos demonstram que, enquanto a sociedade exige respostas rápidas e muitas vezes superficiais, a Igreja propõe um discernimento mais profundo: acolher com amor, mas orientar para a verdade.

4.2. O amor católico e franciscano secular

O magistério católico reafirma, por meio de documentos como Fratelli Tutti, Evangelii Gaudium e Gaudium et Spes, a importância do acolhimento compassivo e do compromisso com a verdade:
“A compaixão não pode ser confundida com a manutenção de estados doentios. O verdadeiro amor é aquele que acolhe e ao mesmo tempo convida à superação” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 2004, p. 452).

Como franciscano secular, busco viver o exemplo de Francisco: acolher a dor sem perpetuar o sofrimento, apoiar sem iludir, amar sem deixar de chamar à vida. A fraternidade franciscana secular é chamada a estar ao lado dos mais frágeis, ajudando-os a reencontrar dignidade e esperança (FRANCISCO, Fratelli Tutti, n. 62-68).

5. Considerações finais
O fenômeno dos bebês reborn desafia profissionais de saúde, agentes pastorais e a sociedade a praticar um discernimento ético e amoroso: acolher sem reforçar patologias, orientar sem excluir. O olhar católico e franciscano secular é o de uma ternura firme: acolhe, mas desperta; respeita o tempo da dor, mas aponta para a vida plena e para o reencontro com a dignidade. O papel do psicanalista clínico, do terapeuta e do franciscano secular, em sintonia com a Doutrina Social da Igreja, é estar ao lado de quem sofre, ajudar a reconstruir vínculos e defender a esperança, para que ninguém fique prisioneiro do vazio contemporâneo.

E que nossa ação nunca se aparte da radicalidade do amor franciscano, pois “onde houver ódio, que eu leve o amor; onde houver desespero, que eu leve a esperança”. Porque, como testemunhou Francisco, só o amor é digno de fé.

 

Referências

CARVALHO, Maria Fernanda. Tratar bebês reborn como crianças reais é risco para a saúde mental, explica especialista. O Tempo, 06 maio 2025. Disponível em: https://www.otempo.com.br/brasil/2025/5/6/tratar-bebes-reborn-como-criancas-reais-e-risco-para-a-saude-mental-especialista-explica. Acesso em: 20 maio 2025.

MENDONÇA, André Luís. Tratar bebês reborn como crianças reais é risco para a saúde mental, explica especialista. O Tempo, 06 maio 2025.

O Tempo. Tratar bebês reborn como crianças reais é risco para a saúde mental, especialista explica. 06 maio 2025. Disponível em: https://www.otempo.com.br/brasil/2025/5/6/tratar-bebes-reborn-como-criancas-reais-e-risco-para-a-saude-mental-especialista-explica. Acesso em: 20 maio 2025.

UOL. Casal disputa bebê reborn. 16 maio 2025. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2025/05/16/casal-disputa-bebe-reborn.htm. Acesso em: 20 maio 2025.

UOL. Bebês reborn: “criança real deveria ser foco”, diz ex-secretário da Infância. 18 maio 2025. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2025/05/18/bebes-reborn-crianca-real-deveria-ser-foco-diz-ex-secretario-da-infancia.htm. Acesso em: 20 maio 2025.

Metrópoles. Mulher leva bebê reborn para receber atendimento em UPA. 02 maio 2024. Disponível em: https://www.metropoles.com/brasil/mulher-leva-bebe-reborn-para-receber-atendimento-em-upa-muita-dor. Acesso em: 20 maio 2025.

CNN Brasil. Padre Fábio de Melo adota boneca com síndrome de Down nos Estados Unidos. 03 maio 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/padre-fabio-de-melo-adota-boneca-com-sindrome-de-down-nos-estados-unidos/. Acesso em: 20 maio 2025.

MELO, Fábio de. Instagram. 2024.

Terra. Vontade de deixar de viver: Padre Fábio de Melo revela luta contra a depressão. 04 maio 2024. Disponível em: https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/saude-mental/vontade-de-deixar-de-viver-padre-fabio-de-melo-revela-luta-contra-a-depressao-veja-video. Acesso em: 20 maio 2025.

BBC. Padre nega batismo de bebê reborn e causa polêmica entre fiéis. 10 maio 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/ce3nxwk95l3o. Acesso em: 20 maio 2025.

JUAN CARLOS RAMÍREZ, Pe. Entrevista à BBC, 10 maio 2024.

PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ. Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2004. p. 452.

FRANCISCO. Fratelli Tutti: Carta Encíclica sobre a fraternidade e a amizade social. Vaticano, 2020.

FRANCISCO. Evangelii Gaudium: Exortação Apostólica sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. Vaticano, 2013.

CONCÍLIO VATICANO II. Gaudium et Spes: Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo de hoje. Vaticano, 1965.