Eliseu Wisniewski*
*Presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul, mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Eis o artigo:
A obra Formação presbiteral diocesana: perspectivas e desafios (Paulus, 2025), escrita por Humberto Robson de Carvalho e Caio Henrique Esponton, insere-se em um campo de reflexão teológico-pastoral de grande relevância para a Igreja atual: o da formação dos presbíteros no contexto diocesano. A proposta central do livro consiste em examinar as dinâmicas, os desafios e as perspectivas que permeiam o processo formativo dos futuros presbíteros, articulando as dimensões: teológica, eclesiológica, espiritual e social, à luz da ação do Espírito Santo e do Magistério da Igreja.
A metodologia adotada pelos autores baseia-se no método teológico-pastoral “ver, julgar e agir”, amplamente consagrado nas Conferências Episcopais Latino-Americanas e Caribenhas desde Medellín (1968). Essa escolha confere à obra uma estrutura orgânica e coerente, que favorece a progressão da reflexão e reforça sua intencionalidade pastoral. O método permite aos autores realizar uma leitura da realidade vocacional e formativa atual, iluminá-la à luz da fé e propor caminhos concretos de ação e discernimento, o que aproxima o texto tanto do campo acadêmico quanto do âmbito da prática eclesial no tocante à formação presbiteral.
A ênfase na ação do Espírito Santo como protagonista do processo formativo é um dos aspectos mais notáveis da obra. A formação presbiteral é apresentada não como mera aquisição de competências filosóficas, teológicas, disciplinares e pastorais, mas como um processo de configuração a Cristo que se realiza na docilidade ao Espírito e na colaboração ativa do vocacionado. Essa perspectiva pneumatológica e cristocêntrica confere profundidade teológica à reflexão, evitando reducionismos institucionalistas ou psicologizantes. Ao mesmo tempo, os autores destacam o papel da comunidade eclesial como espaço concreto de discernimento e de amadurecimento vocacional, sublinhando a dimensão comunitária e sinodal da formação.
Outro aspecto relevante é a atenção ao contexto histórico e cultural dos novos candidatos ao presbiterado. Os autores reconhecem as transformações sociais e subjetivas que marcam os tempos atuais, caracterizada por fragmentação identitária, secularização e novas formas de sensibilidade religiosa. Essa leitura contextual permite compreender os desafios emergentes na formação presbiteral, como o individualismo, o clericalismo e a crise vocacional, e reforça a necessidade de processos formativos mais humanos, relacionais e enraizados na vida das dioceses. Nessa perspectiva, a formação do presbítero é compreendida como um itinerário existencial que deve integrar maturidade afetiva, discernimento espiritual e compromisso pastoral com o povo de Deus.
A dimensão eclesiológica da obra também merece destaque. Os autores retomam a teologia da diocesaneidade, entendendo o presbítero como servidor da Igreja local que lhe é confiada. Essa visão, inspirada na eclesiologia de comunhão e na espiritualidade do serviço, combate tendências isolacionistas/individualistas e autorreferenciais do ministério eclesial, promovendo uma concepção de presbítero inserido na vida e nas necessidades concretas de sua diocese. A esponsalidade com a Igreja local é apresentada como fundamento teológico e espiritual da vocação diocesana, expressão de um amor oblativo e fecundo à porção do povo de Deus confiada por Cristo.
Apesar de seus méritos teológicos e pastorais, a obra apresenta algumas limitações. O texto privilegia uma abordagem teórico-reflexiva, com menor diálogo com as ciências humanas e sociais. Embora identifique perfis e desafios dos candidatos ao presbiterato, a análise carece de dados empíricos mais precisos e de um diálogo interdisciplinar mais consistente com a psicologia, a pedagogia e a sociologia da religião, dimensões hoje reconhecidas como essenciais à formação integral do presbítero. Além disso, a obra poderia aprofundar a relação entre a dimensão espiritual e as condições institucionais da formação, como currículos, acompanhamento humano e estruturas pedagógicas dos seminários. Um diálogo mais explícito com documentos recentes da Igreja, como a Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis (2016), poderia também fortalecer o embasamento normativo e comparativo da reflexão.
Ainda assim, o livro oferece uma contribuição significativa para o debate atual sobre a formação presbiteral. Ao evitar tanto o tecnicismo formativo quanto a abstração espiritualista, os autores propõem um caminho de integração entre espiritualidade, teologia e pastoral. Sua leitura teológica da realidade vocacional contemporânea é lúcida, contextualizada e profundamente eclesial. O texto cumpre, portanto, seu propósito declarado: não ser um manual de formação, mas um instrumento de reflexão que estimula o diálogo e o discernimento no seio da Igreja.
Esta obra destaca-se como um texto maduro e coerente, que oferece fundamentos sólidos para repensar a formação dos presbíteros à luz das exigências do tempo presente. Seu aspecto mais significativo está em propor uma visão da formação como processo espiritual e comunitário, em que a docilidade ao Espírito e o compromisso pastoral se entrelaçam no serviço ao Reino de Deus. Apesar de certas lacunas metodológicas e da ausência de maior interdisciplinaridade, trata-se de uma leitura essencial para formadores, seminaristas e estudiosos interessados na teologia da formação presbiteral, contribuindo de modo relevante para a renovação eclesial e pastoral no contexto brasileiro.
10/11/2025 
