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RENOVAÇÃO DA FACHADA DA IGREJA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO NO TATUAPÉ – SÃO PAULO- SP ENTREVISTA COM O ARTISTA ERASMO DE ABREU – AMACOM RELAÇÃO FOTOGRÁFICA ENTRE AS OBRAS DE ARTE SACRA

28/10/2025

Marcos Oliva[1]

 Eis a entrevista:

O AMACOM – Ateliê de Mosaicos da Amazônia e Comunhão, vinculado à Igreja Católica na Diocese de Castanhal, no Pará – é uma instituição artística baseada na comunhão e vida em comunidade e que segue as diretrizes do Concílio Vaticano II para produção de suas obras de arte sacra. Dentre suas produções destacam-se os mosaicos da Catedral Santa Mãe de Deus, em Castanhal – PA e a colaboração nos mosaicos das fachadas do Santuário de Aparecida – SP, projeto conduzido pelo Centro Aletti[2], direcionado pelo artista esloveno Pe. Marko Ivan Rupnik[3].

O Ateliê esteve em São Paulo por duas semanas trabalhando na renovação da fachada da igreja da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, no bairro do Tatuapé, em São Paulo – SP. A igreja local está passando por reformas e convidou o AMACOM para a implantação de um novo mosaico na entrada do templo.

Eu visitei o canteiro de obras da fachada no momento da finalização do trabalho e entrevistei o artista Erasmo de Abreu, ele é coordenador do AMACOM e responsável por esse projeto artístico da fachada da igreja que está na praça Silvio Romero, um dos locais mais movimentados do Tatuapé, bairro da zona leste da capital paulistana. Ele teve uma parte de sua formação artística no Centro Aletti, em Roma, onde aprendeu as técnicas de mosaico diretamente com o Pe. Rupnik e os irmãos artistas que lá vivem em comunidade cristã.  O mosaicista falou sobre o início do AMACOM, sua referência artística no Concílio Vaticano II e no Centro Aletti, e, enquanto observava e mostrava as obras da fachada, comentou sobre o símbolo e a importância de contemplar as obras de arte sacra de forma integrada e não individual. Também falou sobre Cláudio Pastro[4], expoente artista sacro contemporâneo, brasileiro, responsável pelo projeto iconográfico do interior da Basílica de Nossa Senhora Aparecida – SP, e da importância do cuidado artístico com o espaço litúrgico.


[1] Jornalista, graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Nove de Julho, pós-graduado em Cinema, Fotografia e Vídeo: Criação em Multimeios pela Anhembi Morumbi, pesquisador dos Grupos de Pesquisas “Arte Sacra Contemporânea: Religião e História” e “Cinema, Filosofia e Religião” do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.

[2] O Centro Aletti é um ateliê de arte sacra localizado em Roma, Itália, dedicado à preservação e promoção da tradição artística cristã através de sua produção de obras, formação de artistas e difusão cultural. Influenciado pela tradição da arte sacra bizantina e pelo patrimônio cultural e espiritual da Igreja Católica, os projetos do Centro Aletti incluem a restauração de igrejas e monumentos históricos, a produção de arte sacra para uso litúrgico e a realização de exposições e eventos culturais. TOMMASO, Wilma. 2023.

[3] Marko Ivan Rupnik (1954-), artista e teólogo esloveno.

[4] Cláudio Pastro (1948-2016), artista plástico, dedicou-se exclusivamente à arte sacra por 40 anos. Era paulistano e católico. Os três grandes alicerces de sua obra foram a arte e a fé cristã, o monaquismo e o Concílio Ecumênico Vaticano II.

[5] O Concílio Ecumênico Vaticano II, convocado em 25 de dezembro de 1961, é considerado um dos maiores acontecimentos da Igreja no Século XX. Constitui também um dos maiores feitos do pontificado de Angelo Giuseppe Roncalli, o Papa João XXIII, e trouxe grandes renovações para a Igreja Católica. O Concílio é a assembleia de todos os bispos do mundo ou de uma representação dos bispos do mundo inteiro que, em comunhão com o Papa, procura esclarecer questões de fé, de moral ou da vida prática da Igreja. ALVES, André – Repórter da Canção Nova – 2014.

 Fachada da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, no Tatuapé – SP, com painéis do AMACOM

Como começou o projeto AMACOM, quanto tempo vocês têm de atuação e qual é a relação dele com o padre Rupnik?

 

O AMACOM nasceu depois que conhecemos o padre Rupnik. É um projeto do bispo da Diocese de Castanhal que, em diálogo com o Centro Aletti, me enviou para a Itália com o objetivo de viver a experiência de morar em comunidade de arte e de vida litúrgica e voltar ao Brasil para fundar um instituto voltado para esse seguimento da Igreja de preparar espaços litúrgicos. É um trabalho de discipulado. Nós demos início ao Projeto AMACOM no ano de 2019 e hoje colaboramos nos trabalhos de adequações litúrgicas em algumas igrejas da nossa região e no Brasil.

Como era o teu contato com a arte antes de conhecer o Centro Aletti?

 

Desde pequeno eu já desenhava. As minhas aulas de desenho vieram da minha mãe. Eu fiquei um pouco no Realismo; descobri um pouco da pintura na minha adolescência, mas o estourar aconteceu ao conhecer o meu bispo que é um artista músico e arquiteto, tudo isso por grande dom que ele possui. Ele viu que eu sabia trabalhar com arte e que tinha a consciência de Igreja e a preocupação com o espaço e a arte dela, então me propôs aprofundar mais, ir para Roma e me dedicar à arte litúrgica, a arte sacra. Eu morei no Centro Aletti três anos e meio, onde aprendi a essência de equipe, de grupo, de comunidade e como aproveitar o melhor das pessoas que estão nesse grupo para desenvolver um processo de trabalho voltado para a Igreja.

 

É teu primeiro trabalho em São Paulo dentro do projeto AMACOM?

Nós participamos em Aparecida, contribuindo diretamente com o Centro Aletti, mas esse é o primeiro trabalho como instituição AMACOM.

 

Como chegou até você esse projeto da renovação da fachada da Igreja Nossa Senhora da Conceição aqui no Tatuapé e como foi a concepção dele?

 

O convite foi do pároco, padre José Mário. No ano passado, ele me convidou para vir conhecer o local. Já existia um trabalho de modo muito estilizado e que, com o passar dos anos estava perdendo algumas peças e o pároco não tinha mais o interesse de restaurá-lo. Fazendo uma análise litúrgica, os desenhos eram muito solitários e a proposta da Igreja como arte sacra litúrgica é de que apresente, já no desenho, essa imagem de comunidade para que as imagens não estejam sozinhas, para que, inconscientemente, alguém que olhe não tenha a percepção que a Igreja é feita de individualismo ou de uma pessoa que caminhe sozinha. Nós temos que aprender essa consciência de comunidade que precisa do outro para caminhar e que se ajuda no decorrer desse processo. A salvação não vem de modo solitário para ninguém, mas comunitariamente, quando nós crescemos com os irmãos, quando nós nos encontramos juntos. A única figura que, talvez, seja mais solitária no novo painel é o de Maria quando escuta o anúncio do anjo, mas, nesse momento, ela tinha um outro projeto de vida. Ela estava prometida em casamento e tinha um projeto que toda jovem daquele tempo teria, porém ela está virada em uma direção e volta o seu rosto para o anjo quando ele faz o anúncio. Nesse momento todo o rumo da sua história mudou, graças a Deus. A partir disso os painéis continuam em cenas comunitárias, onde já não tem ninguém mais sozinho. Maria se transforma em igreja para nós.

 Fachada da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, no Tatuapé – SP, antes da renovação

O painel a que você se refere tem a Virgem Tecelã que é encontrada pelo anjo Gabriel para receber a anunciação, “Salve Agraciada”.

Exatamente. E nós bebemos muito da iconografia para colocar o novelo na altura do ventre da Virgem, porque mostra que ela está tecendo o filho de Deus a partir do momento da anunciação. Ela está sentada dentro do pergaminho da palavra, mostrando que ela está dentro do projeto de Deus. Por isso o fio vermelho sobe e começa a fazer parte da borda do pergaminho.

Cena da Anunciação de Maria, a Virgem Tecelã, pelo Anjo Gabriel na fachada da Paróquia N.S. da Conceição no Tatuapé – SP

O Logos se fazendo carne.

Exatamente.

Nitidamente, essa Virgem Tecelã é uma referência da Virgem que está na fachada do Santuário de Aparecida tecendo o tecido do Tabernáculo. Quais ligações podemos fazer com essas duas obras?

Os grandes “tecitores” que ganham referência nas passagens bíblicas são aqueles que construíam tendas. Ela torna-se a grande morada quando começa a tecer o Filho de Deus. Davi fez um templo para Deus, também tinham as tendas que seguiam a Arca da Aliança, mas Maria se torna a maior tenda, porque agora ela está portando o filho de Deus, o maior para a nossa salvação e nossa história. Aquilo que ela está tecendo é uma simbologia daquilo que ela é. Ela é a maior tenda, a maior casa. Ela é o tabernáculo perfeito onde Deus se encontra para nos encontrar.

Já havia um brieffing e uma expectativa do pároco ou teve um trabalho conjunto sobre a concepção do projeto iconográfico dos mosaicos da fachada?

Todos os projetos sempre são concebidos em conjunto. O pároco nos diz o que deseja e nós procuramos colocar dentro da linguagem iconográfica e bíblica aquilo que ele pede e aquilo que nós podemos propor. É um diálogo, uma conversa de mão dupla. É assim que os nossos projetos acontecem, de modo que, no final, tenhamos algo que converse com aquilo que a igreja está pedindo a partir do Concílio Vaticano II[5].

Já que você citou o Concílio Vaticano II, depois de mais de 60 anos, nós no Brasil ainda estamos passando por processos de adequação quanto à arte nas igrejas. Como você enxerga esse avanço no Brasil? Está muito demorado ou está mais avançado?

Nós, brasileiros, somos muito partidários, isso faz com que o processo demore mais ainda ou, talvez, nunca aconteça totalmente, porque, sempre que nós temos um percentual que lê, se aprofunda e compreende, porque o mais importante é compreender e colocar em prática, existe um outro grande número de pessoas que está mais aplicado em retomar outros Concílios ou adotar outras vertentes da Igreja que, às vezes, fala um tanto diferente ou então não ajuda alguém se encontrar dentro do espaço litúrgico de modo objetivo como a Igreja gostaria. A catequese tem que ser direta, o evangelho é direto, as imagens que nós propomos precisam ser diretas para que não se exija muita explicação. E, às vezes, enquanto nós fugimos do Concilio Vaticano II e colocamos coisas que precisam de muita explicação para se compreender que é um símbolo, se perde muito, porque se perde tempo. Se nós olharmos para Jesus Cristo nos evangelhos, vemos que ele evangelizou da forma mais simples possível. O Concílio Vaticano II tenta trazer essa simplicidade para que o espaço litúrgico ofereça um encontro com o fiel. E nós, muitas vezes, somos mais adeptos ao complicado, ao rebuscado, ao que é feito de muitos caminhos para entregar uma única coisa, porque nós caminhamos em mil, três mil caminhos para chegar num único Cristo; É melhor fazer um caminho direto e o espaço litúrgico bem-preparado cria esse atalho; não um atalho de facilidades, mas de provocação a um encontro para que a pessoa não se perca nessa busca.

O símbolo se explica sozinho para um leigo e para alguém que não professa a fé cristã e passa aqui diante da fachada?

Não e nem é necessário que se explique. Muitas vezes para nós cristãos também. Não é que a gente vem atrás de símbolo quando vimos na igreja para missa ou para olhar uma obra; se a gente vem atrás do Cristo, eu posso me sentar diante de uma figura trezentas vezes e, talvez, na vez de número trezentos é que eu vou encontrar o símbolo que eu estava precisando encontrar. A gente participa da missa todos os dias, mas tem dia que aquele evangelho que nós já escutamos durante todo o percurso da nossa vida nos toca mais. O símbolo se faz presente quando se faz necessário. É um pecado nosso chegar numa igreja e ficar “escavacando” símbolos para tentar achar defeitos ou entender alguma coisa. O símbolo precisa estar e é necessário que ele esteja presente; nós caminhamos com o símbolo, mas, mais do que o símbolo, nós temos o Cristo para encontrar e o Cristo se sobrepõe aos símbolos. Às vezes a gente vê o Cristo muito antes do que o símbolo que estamos procurando. Esse é o mais necessário.

 

Falamos sobre o primeiro painel, pode me falar um pouco sobre o segundo?

No primeiro painel temos o Anúncio e depois temos a Sagrada Família. Nesta fachada nós trouxemos algumas passagens bíblicas onde temos em destaque a figura de Maria.  Antes de uma figura histórica colocada na cena, Maria é a imagem da Igreja todas as vezes que vem representada nas figuras iconográficas. Quando nós olhamos a composição da Sagrada Família vemos o Cristo já vestido de sacerdote. Ele já começa a vencer a morte porque nós colocamos o túmulo atrás da cena. A mão de Deus na parte de cima mostra que toda a nossa salvação é um projeto dele. Esse painel tem uma composição de vida de Igreja porque esse Cristo que está na cena não é uma fotografia da Sagrada Família, mas é o Cristo que está dentro da nossa família hoje. A Sagrada Família traz presente o Cristo que nós precisamos trazer presente em nossas vidas. Tem José que cuida, tem Maria que é mãe, mas tem o Cristo que se manifesta por causa da mãe. Quem é a nossa mãe? A Igreja. Quem é o Cristo? Aquele que vence a morte. Quando nós estamos com Cristo, nós também vencemos a morte porque nós também ganhamos a vida. São detalhes diretos. Eu gostaria que as pessoas não olhassem apenas como episódio histórico, mas como um sentido a ser adotado em suas vidas.

Cena da Sagrada Família, na fachada da Paróquia N.S. da Conceição no Tatuapé – SP

 

Na cena da crucificação, temos Maria, João e o lado de Jesus rasgado. Nesse momento, em que sentido você pensa em Maria?

Também como Igreja. É muito interessante que, quando Jesus está ao lado de Maria como Igreja, o Cristo olha para João e diz: “Filho, eis aí tua mãe” e, olhando para Maria, diz: “Mãe, eis aí teu filho”. Ele não fala só para João, ele fala para nós. A partir do momento que o Cristo nos deixa e depois se manifesta através do Espírito Santo, ele nos entrega para a Igreja. Nós vamos ter sempre a mãe, nós vamos ser sempre filhos. Ele também fala para a Igreja, porque ela também é convidada a cuidar dos seus filhos. Essa conversa que Jesus tem com o filho e a Igreja não é uma entrega solitária e sem sentido, mas uma entrega do filho para a mãe e da mãe para o filho.

Cena da crucificação de Jesus, na fachada N.S. da Conceição, no Tatuapé – SP

  

E essa conversa, necessariamente, passa por Jesus no meio.

 

Sim. É ele que delega de modo mais esplêndido, mais bonito e mais rico. E nós colocamos acima da cruz a Jerusalém Celeste, porque o Cristo nos promete sempre uma morada junto de Deus, mas ele cumpre isso no momento que ele morre e ressuscita; tanto que nós nem colocamos o Cristo morto na Cruz, mas nós colocamos um Cristo que está conversando, está chamando o filho para apresentar à mãe e a mãe para apresentar ao filho. Ele é o Cristo que dialoga. O Cristo, em nenhum momento na cruz, embora possamos ver Ele de olhos fechados ou morto, está em silêncio; mesmo a morte dele nos fala muito. Se nós somos pessoas que lemos símbolos, nessa cena também há um símbolo: o Cristo na cruz é a nossa salvação e a nossa salvação se completa quando nós alcançamos a Jerusalém celeste, que é a nossa morada preparada em Deus.

Por fim, temos a cena de Pentecostes.

 

Ela é uma cena cheia, muito rica. Nós temos a presença do Espírito sobre todos os presentes. A coluna que está acima da porta da paróquia tem a Trindade. Nós temos Deus, que mostra que tudo é projeto seu, temos o filho e nós temos o Espírito Santo na mesma coluna. Isso não é algo feito ao acaso, mas é algo que nos mostra que nós podemos viver uma vida de comunidade; no início existe uma cena em que Maria aparece solitária, mas, em todo o restante, ela aparece em comunidade e o exemplo de comunidade mais completo e mais rico é a Santíssima Trindade. Nós nos espelhamos em Deus para sermos comunidade. Deus não vive de modo isolado, nem sozinho, mas ele vive nessa junção de pessoas que nos ajudam a ser pessoa também e nós somos pessoas quando nós encontramos o outro. Sem o outro eu não me realizo e eu não sou quem sou porque, quem diz quem eu sou, é o outro.

Coluna acima da porta com a Trindade representada nos painéis da Sagrada Família e Pentecostes, na fachada da Paróquia N.S. da Conceição, no Tatuapé – SP

Cena de Pentecostes, na Fachada da Paróquia N.S. da Conceição, no Tatuapé – SP

 

Nas fachadas de Aparecida, há essa comunicação que você se referiu em que, em um lado da parede aparece, por exemplo, o profeta Jonas no grande peixe, enquanto no outro lado da parede há uma referência sobre águas. Essa comunicação entre as obras dos painéis é uma característica que vem do Centro Aletti e que passa para o AMACOM?

 

Sim, do Centro Aletti. mas a linguagem iconográfica sempre foi assim. Ela nunca está sozinha. A iconografia e a arte sacra não nascem da ideia de ninguém, ela vem do contexto bíblico, nem um evangelho é isolado do outro. Nenhuma imagem do evangelho é isolada da outra, todas possuem uma ligação e uma comunicação para que mostre que nada é feito separadamente. Acredito que nenhum artista sacro e nenhum teólogo podem adotar nada de si. Nós somos uma Igreja de tradição. Uma Igreja que transmite aos outros que virão amanhã aquilo que nós aprendemos até hoje. É isso, sempre. Aquilo que você encontra nas paredes de Aparecida em que nenhuma imagem é isolada da outra ocorre porque nós bebemos do evangelho para fazê-las. Por mais que ela tenha sido criada, aparentemente, isolada, ela não está, porque o contexto bíblico a liga à outra imagem.

Isso tem a ver com o que você está explicando desde o início de nossa entrevista. As imagens não estão sozinhas para mostrar que o cristão não caminha sozinho, ele caminha em comunidade. Você foi para Roma e aprendeu a arte em comunidade e a vida comunitária no meio artístico e, nessa fachada, os painéis estão “falando” isso artisticamente. Em todo o momento é o cristão em comunidade. Jesus Cristo veio trazer uma “Igreja Una” em que um cuida do outro, certo?

 

Sim. Quero comentar um desejo: que nós possamos, vendo aquilo que Deus nos diz através das imagens, caminhar e fazer que os outros caminhem. Que a beleza nos traga proximidade e não distância. A simbologia não precisa ser explicada, nunca; mas uma hora ela chega para nós. Eu gosto muito de quando converso com as crianças, porque elas encontram, dentro das imagens, muitos elementos que nós não tínhamos dito ainda, mas elas conseguem fazer a leitura. As pessoas conseguem fazer a leitura. Isso para mostrar que nenhum artista sacro é autor daquilo que ele está fazendo, mas ele se deixa ser canal; Deus faz muita coisa através das mãos dele. Por isso que as pessoas encontram coisas que nós não sabíamos que estávamos dando. Essa é a riqueza da graça quando Deus age, através do Seu Espírito e das nossas mãos.

O Espírito Santo que faz com que vocês produzam a obra é o mesmo que as interpreta para quem as lê.

 

Exatamente. E, às vezes, as pessoas nos falam algo que não sabíamos que estávamos entregando.

Há alguma coisa que você gostaria de dizer sobre a experiência de trabalhar com o Pe. Rupnik na obra de Aparecida e enquanto esteve no Centro Aletti e como isso influencia a tua produção artística junto com o AMACOM?

 

Eu sempre vou ser muito grato ao padre Rupnik, porque ele é um grande artista e um grande sacerdote. Se hoje vivemos em comunidade foi pelo que ele nos transmitiu e nos transmite. Tenho muita amizade com ele, converso e procuro orientações com ele porque ninguém melhor do que ele sabe conduzir uma comunidade de artistas. É uma pessoa que se doa pela arte. Largou toda a sua vida artística para se dedicar à arte da Igreja. O que nós temos hoje como Centro Aletti, como comunidade, como AMACOM e como outros atelieres que existem pelo mundo, nós bebemos de uma mesma fonte que ele nos deu, que é o Cristo. Ele nunca disse “tem que fazer assim porque nós fazemos assim”, mas “tem que fazer assim porque o evangelho nos pede para fazermos assim”. Ele é muito concreto no que ele faz e diz. Eu o conheço pessoalmente e conheço o seu caráter e dos muitos frutos que dá. Um ditado muito popular diz que “a árvore que dá fruto é a que recebe as pedradas” e vai ser sempre assim na história da Igreja e nós também estamos prontos para isso. Não existe ninguém que tentou evangelizar ou fazer uma arte que não tenha sido perseguido, nem Pastro, nem ninguém; vamos sempre ser perseguidos porque a Igreja nasce da perseguição, cresce por causa da perseguição e sem ela muitas vezes o evangelho chega a ser monótono. Evangelizar é a coragem de enfrentar aqueles que são inimigos do evangelho. Muitas vezes não está muito distante de você. Evangelizar exige coragem porque a vida do cristão é dada por sacrifício. Temos que estar prontos. Bem-aventurados aqueles que forem perseguidos e maltratados porque o céu é prometido a esses.

Você citou Pastro, temos obras dele dentro dessa igreja. Podemos fazer alguma relação?

 

Pastro é um grande iconógrafo do Brasil, com seu estilo, com a sua leitura e profundidade. É alguém que eu cresci vendo, escutando, lendo e olhando a arte que realizava. Um homem corajoso que tinha uma visão muito limpa e ajustada para o espaço litúrgico na igreja. Nós precisamos respeitar aquilo que Pastro já fez e nos inspirar muito nele para aquilo que precisamos fazer. Ele vai ser sempre um dos grandes nomes; se a iconografia no Brasil ganha força, destaque e importância é porque ele teve coragem de beber nas suas fontes e voltar ao Brasil e propor, principalmente no Santuário de Aparecida e tantas outras igrejas, a obra que ele sempre nos entregava para evangelizar. Obras que são realizadas como as dele, as de Rupnik, e como as de qualquer um que esteja comprometido com a liturgia são onde estão os símbolos que nós precisamos encontrar para também encontrar o Senhor.

Presbitério da Paróquia N. S. da Conceição, no Tatuapé – SP, com obra de Cláudio Pastro

Temos alguns momentos artísticos nessa igreja: Pastro no presbitério da igreja e alguns de seus quadros nas paredes, datados de 1995; Romolo na capela do Santíssimo em 2018 e, agora, temos AMACOM na fachada. Isso tem a ver com o que você fala sobre a Igreja Una, sempre conversando e trazendo o mistério através da sua pluralidade de artes?

 

Sim. O que me agrada é que todos esses artistas que estão oferecidos nessa igreja são pessoas que estão comprometidas com a liturgia. Já me contento. Temos tanto para aprender ainda com a igreja do Brasil, mas é muito bonito que uma paróquia como essa tenha coragem de oferecer artes que ajudem as pessoas, de modo muito mais direto e simples, a se encontrarem com Deus. Fico muito feliz de encontrar [por meio das obras de artes] Romolo que é um amigo e artista contemporâneo e estarmos [através dessas obras] nos mesmos espaços, sem diferenciar na linguagem.

 

As cores nas vestes de Maria são frequentemente as mesmas utilizadas no Centro Aletti e no AMACOM. Nessa fachada, temos João que está vestido de verde ao lado da Cruz. Poderia falar sobre o significado das cores nas vestes?

 

A riqueza da simbologia é essa: você percebe e começa a alimentar uma curiosidade e dentro da curiosidade vem a explicação do símbolo. Maria veste azul porque azul é a cor da humanidade. Ela é humana. O vermelho é a divindade, então ela é humana que se cobre com o Divino; a graça de Deus vem sobre ela para que a salvação venha até nós. João tem o verde que representa a natureza, mas as cores mais simbólicas estão no Cristo e Maria. O Cristo veste vermelho porque Ele é divino e o seu manto é azul porque ele assume a nossa humanidade. Veja que as cores entre ele e Maria se invertem. Ela veste azul e se cobre de vermelho e ele veste vermelho e se cobre de azul. Nele também colocamos a estola sacerdotal, que tem o dourado que é a cor da realeza e do sacerdócio. Isso ajuda as pessoas fazerem essa leitura dentro da figura. As figuras não estão só por estar. Maria, além de ser a imagem da Igreja, também é o retrato de que, sendo humana, é coberta com a divindade e isso é Igreja. É a graça de Deus sobre a Igreja que age sobre a nossa humanidade.

O Material utilizado é retirado do mesmo local onde fazem o material para o Centro Aletti?

 

Sim. Quando se vai ao Centro Aletti, você se familiariza com esse tipo de arte e com isso temos o contato com os mesmos fornecedores. Trazemos os materiais para o Brasil de navio, mas eles são de todos os lugares do mundo; o Brasil, por exemplo, é muito rico de pedras. Eu tenho procurado ter muita coisa daqui, mas, no momento, somos muito novos, portanto, ainda estamos nessa busca de materiais. A maioria eu trago da Europa; como ela é o berço da arte, as pessoas concentram os materiais de todos os países para que as pessoas adquiram. Nesta fachada temos pedras da Índia, da China, Mediterrâneo, Israel, pedras italianas e temos as pedras do Brasil chamadas de “azul-Bahia do Brasil” [O “Azul-Bahia do Brasil” é o azul que está nas vestes de Maria e de Jesus?] Sim. Exatamente. [O que mais temos de pedras do Brasil nos mosaicos?] Eu só tenho essa pedra. [interessante que temos justamente a pedra que veste Maria e Jesus] Sim, o mais importante está conosco [risos]. A gente tem uma junção de cores e tipos de pedras que conferem às imagens uma universalidade.

O Centro Aletti prepara algumas partes no ateliê, como os rostos, e levam prontas ao local da instalação da obra. Vocês fazem da mesma forma?

 

Rostos, mãos, pés e alguns vestidos nós não preparamos na parede porque é mais delicado, demanda muito tempo. Um rosto produzido em ateliê demora de uma semana a quinze dias com o conforto da mesa; no desconforto da parede gastaria mais tempo e não teria um resultado tão bom quanto é.

Ao final da entrevista, o Erasmo aponta para os painéis da Sagrada Família e de Pentecostes e explica: Aquilo que Deus estabelece conosco é muito direto [o artista faz uma linha vertical com sua mão iniciando da mão de Deus sobre a Sagrada família e desce até Maria em Pentecostes], mas o Espírito nos dá em movimento, Ele sopra. Porque você não vê o vento, ele sopra onde quer. Por isso fizemos esse movimento circular [Erasmo aponta para o círculo que envolve a cena de Pentecostes]. Os discípulos se encontravam fechados, estavam todos trancados com medo, mas, depois que receberam o Espírito, se abriram. Então fazemos o círculo, mas fechamos só um lado, deixamos um lado aberto.

Depoimento do Pe. José Mário, pároco da Paróquia Nossa Senhora da Conceição:

Essa renovação da fachada é um desejo meu e da comunidade, porque já tinha nessa fachada uma obra com pastilhas, mas algumas já estavam descolando e caindo. Achamos melhor fazer algo mais moderno que pudesse aconchegar o estilo da paróquia e que ajudasse as pessoas a se identificarem na oração. Nós não mudamos nenhum quadro, mas as figuras foram mudadas e aperfeiçoadas.

Um amigo meu, arquiteto que projetou a torre do sino dessa paróquia, me indicou o Erasmo. Ele veio na paróquia nos visitar e conversar sobre o projeto e, como eu já conhecia o trabalho dele em Aparecida, ficou mais fácil decidir pelo Centro AMACOM.

Os temas foram propostos pelo Erasmo considerando a obra que já existia. A anunciação, Maria aos pés do Cristo, a Sagrada Família e Pentecostes; isso agrega bastante ao que nós já temos na Paróquia, pois a padroeira é a Nossa Senhora da Conceição. Nós colocamos os vitrais com o tema de Pentecostes, também orientado pelo arquiteto. E agora colocamos a figura de Pentecostes e a figura da Sagrada Família, porque a comunidade é uma família. Queremos mencionar muito isso. Desejo que, quando as pessoas virem, percebam Nossa Senhora sentada e o anjo que anuncia. Isso tudo nos leva à oração; na praça Silvio Romero passam muitas pessoas e muita gente entra na igreja. Eu fico muito feliz que a obra nem terminou e as pessoas param aqui e ficam admirando a beleza, uma beleza imensurável que ajuda também as pessoas a entrarem na igreja e fizemos isso com esse propósito. Esses quadros estão do lado de fora, as pessoas param, observam e questionam. É um convite para elas entrarem na igreja. Não só os católicos, pessoas de todas as religiões que passam na praça e, às vezes, dizem que não acreditam em nada, mas a beleza meche com o interior da pessoa. A beleza das figuras encanta o coração.

Vitrais “Pentecostes” no interior da Paróquia N.S. da Conceição no Tatuapé – SP

A torre do Campanário, na Praça Silvio Romero, da Paróquia N.S. da Conceição no Tatuapé – SP

A Igreja Nossa Senhora da Conceição, no Tatuapé – São Paulo – SP, foi fundada em 8 de outubro de 1899, tendo como fundadores Cap. José Coelho de Souza, Servula R. Coelho de Souza e Manoel J. da Rocha Gomes.

Referências

A Arte sacra contemporânea a arte do Centro Aletti. TOMMASO, Wilma. 2023: https://offlattes.com/archives/15011#:~:text=O%20Centro%20Aletti%20%C3%A9%20um,de%20artistas%20e%20difus%C3%A3o%20cultural. Acessado em 18 de agosto de 2024.

Entenda o Concílio Vaticano II, convocado por João XXIII, ALVES, André. 2014: https://noticias.cancaonova.com/especiais/canonizacao-joao-paulo-ii-e-joaoxxiii/entenda-o-concilio-vaticano-ii-convocado-por-joao-xxiii/ . Acessado em 18 de agosto de 2024.

O artista. https://claudiopastro.com.br/o-artista/ . Acessado em 18 de agosto de 2024.

RUPNIK, Marko Ivan. A arte como expressão da vida litúrgica. Brasília: Edições CNBB, 2019.

 Relação fotográfica entre as obras da Paróquia Nossa Senhora da Conceição no Tatuapé – SP

 

“Que a beleza nos traga proximidade”

Erasmo de Abreu, artista sacro.

 

A crucificação de Jesus, de Cláudio Pastro, datada de 1995, no interior da igreja e a crucificação de Jesus, do AMACOM em 2024, na fachada:

 

Pentecostes representado nos vitrais, no quadro de Cláudio Pastro e no mosaico do AMACOM

“A iconografia e a arte sacra não nascem da ideia de ninguém, ela vem do contexto bíblico, nem um evangelho é isolado do outro”

Erasmo de Abreu, artista sacro

“Que nós possamos, vendo aquilo que Deus nos diz através das imagens, caminhar e fazer que os outros caminhem.”

Erasmos de Abreu, artista sacro.

Obras da AMACOM e de  Cláudio Pastro

A crucificação, na fachada, e os mistérios dolorosos no painel da Praça Silvio Romero, na entrada da igreja

 

Visão da igreja vista da praça Silvio Romero

 

 

Erasmo de Abreu e a equipe de mosaicistas do AMACOM, Darlyson Alves, Tarcísio Gama e Pedro Lopes.