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Publicado em número 366 - pp. 14-21

A FORMAÇÃO PRESBITERAL À LUZ DO PONTIFICADO DO PAPA FRANCISCO

Por Pe. Vagner João Pacheco de Moraes*

O artigo discorre sobre os desafios da formação presbiteral à luz do pontificado do papa Francisco, apresentando a necessidade de uma formação integral que contemple aspectos humanos, espirituais, intelectuais e pastorais nos dias de hoje. Refletimos sobre as demandas de uma Igreja em saída e o papel dos futuros sacerdotes como agentes de transformação e proximidade com o povo de Deus.

Introdução

A formação presbiteral é um processo fundamental para a vida e missão da Igreja, é o coração onde amadurecem as vocações. Sob o pontificado do papa Francisco, surgem novas reflexões e desafios que apontam para uma formação mais contextualizada e comprometida com a realidade. Buscamos explorar como as diretrizes do papa Francisco influenciam e inspiram o caminho formativo dos futuros sacerdotes, sublinhando a importância de uma formação integral e missionária em uma Igreja chamada a ser em saída.

1. A formação integral: uma exigência do tempo presente

A formação presbiteral não pode limitar-se apenas a aspectos acadêmicos ou sacramentais, pois isso pode levar o candidato a se fechar em realidades que nem sempre correspondem às necessidades concretas do povo. O papa Francisco demonstra preocupação e a necessidade de uma formação integral que contemple as dimensões humana, espiritual, intelectual e pastoral (Francisco, 2016). Segundo ele, “um bom padre é, antes de tudo, um homem de Deus, com profunda maturidade humana” (Francisco, 2013, p. 45).

A dimensão humana é a base de toda formação; “sem uma formação humana sólida, o sacerdote pode se tornar uma caricatura daquilo que é chamado a ser” (Francisco, 2015, p. 78), pois é nela que se desenvolvem a empatia, o equilíbrio emocional e a capacidade de relação interpessoal, áreas que serão fundamentais para o presbítero na vida pastoral e comunitária. O papa alerta para o perigo de formar sacerdotes isolados ou incapazes de dialogar com o mundo. A formação humana integral também deve incluir reflexões sobre o autoconhecimento, a maturidade emocional e a vivência do celibato, com acompanhamento espiritual adequado e próximo. O diálogo entre o candidato e a formação torna-se fundamental, baseado na confiança. É essencial aprofundar cada vez mais a capacidade de estabelecer relacionamentos saudáveis, lidar com a solidão e desenvolver resiliência diante das dificuldades, para que o sacerdote seja um verdadeiro testemunho de vida.

Além dessa dimensão, é essencial o cultivo de uma espiritualidade profunda e autêntica, sendo o candidato igualmente responsável por essa busca e vivência. Francisco ressalta que os seminaristas devem aprender a rezar e a discernir a presença de Deus na vida cotidiana, pois essa maturidade torna o candidato mais preparado para abraçar sua vocação e missão. “Não se trata de formar especialistas em espiritualidade, mas homens de oração” (Francisco, 2018, p. 56).

No âmbito intelectual, o estudo não deve ser encarado como uma obrigação, mas como uma manifestação do amor a Deus e à Igreja. Sendo parte integrante da vocação, deve haver maior compromisso com ele em vista do serviço ao povo de Deus. Exige-se uma formação acadêmica robusta, mas também aberta ao diálogo com as ciências e a cultura contemporânea, evitando fundamentalismos que muitas vezes isolam o candidato em uma realidade paralela. Por fim, e não menos importante, a dimensão pastoral prepara os futuros sacerdotes para serem “pastores com cheiro de ovelha” (Francisco, 2013, p. 67), ou seja, próximos do povo e atentos às necessidades da comunidade.

2. A igreja em saída e os novos desafios pastorais

O conceito de Igreja em saída, central no pontificado de Francisco, também molda a formação presbiteral. Ser sacerdote hoje implica estar disposto a sair do conforto e ir ao encontro das periferias existenciais (Francisco, 2013). Isso exige uma formação que privilegie a solidariedade, a escuta e o compromisso social, sobretudo em meio aos desafios modernos.

A formação presbiteral no contexto de uma Igreja em saída, como proposta pelo papa Francisco, deve considerar as profundas mudanças culturais e tecnológicas que marcam a contemporaneidade. A CNBB, nas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2019-2023, reforça a necessidade de a Igreja ser “missionária, acolhedora, misericordiosa e promotora da dignidade humana” (CNBB, 2019a, p. 15). Essa abordagem exige que os seminaristas estejam preparados para lidar com as novas periferias existenciais, incluindo as que emergem no ambiente digital. O papa Francisco destaca que o sacerdote deve “sair de si mesmo e ir ao encontro do outro”, sendo ponte de comunhão e testemunho de acolhimento (Francisco, 2013, p. 25).

A Igreja em saída é a comunidade de discípulos missionários que primeireiam, que se envolvem, que acompanham, que frutificam e festejam. Primeireiam – desculpai o neologismo –, tomam a iniciativa! A comunidade missionária experimenta que o Senhor tomou a iniciativa, precedeu-a no amor (cf. 1Jo 4,10), e, por isso, ela sabe ir à frente, sabe tomar a iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos.  Vive um desejo inexaurível de oferecer misericórdia, fruto de ter experimentado a misericórdia infinita do Pai e a sua força difusiva. Ousemos um pouco mais no tomar a iniciativa![1]

Outro desafio são as redes sociais e a co­municação digital, que também estão no radar da formação presbiteral e precisam de atenção. Cabe considerar seriamente os impactos da tecnologia na vivência da fé, dedicando atenção a questões como o excesso de informações, a manipulação da verdade e o isolamento causado pelo uso inadequado dessas ferramentas. Os formandos devem ser capacitados para discernir essas realidades e utilizá-las como instrumentos de evangelização. é necessário formar líderes que saibam atuar com maturidade e responsabilidade nas redes digitais, promovendo valores cristãos e combatendo a cultura da superficialidade.

O mundo contemporâneo é marcado pela influência das redes sociais, que trazem tanto oportunidades quanto desafios, especialmente em um ambiente formativo e comunitário. A crise de ansiedade, o isolamento e a depressão estão entre os problemas mais comuns que impactam a formação dos futuros sacerdotes. Além disso, o excesso de informações e a manipulação da verdade através de fake news exigem uma postura crítica e atenta.

Francisco alerta sobre o perigo de viver em um mundo de aparências, dominado por likes, onde muitas vezes a identidade é moldada por padrões superficiais. “O sacerdote deve ser autêntico, um testemunho de verdade em meio ao mundo da manipulação” (Francisco, 2017, p. 98).

Em uma época em que estamos cada vez mais divididos, em que cada pessoa se retira na sua própria bolha filtrada, as redes sociais tornam-se um caminho que leva muitos à indiferença, à polarização e ao extremismo. Quando os indivíduos não se tratam uns aos outros como seres humanos, mas como meras expressões de um certo ponto de vista que não compartilham, testemunhamos outra expressão da “cultura do descarte”, que prolifera a “globalização” – e a normalização – “da indiferença”. Retirar-se no isolamento dos próprios interesses não pode ser o caminho para restabelecer a esperança. Pelo contrário, o caminho a percorrer é o cultivo de uma “cultura do encontro”, que promova a amizade e a paz entre pessoas diferentes.[2]

A identidade presbiteral, que por muito tempo esteve associada a uma posição de autoridade moral e social, agora precisa se adaptar a um papel mais humilde, frequentemente de diálogo e colaboração com a sociedade civil, bem como de discernimento para habitar os ambientes digitais. Francisco enfatiza que “o padre é um servo, não um príncipe” (Francisco, 2015, p. 112).

3. A sinodalidade como paradigma formativo

A sinodalidade, ou seja, o caminhar juntos, é outro pilar do pontificado de Francisco e deve ser refletida na formação presbiteral. “A formação não pode ser individualista, mas deve promover a colaboração e o espírito de comunhão” (Francisco, 2020, p. 120). Sobre a comunhão – “a fraternidade é um dom que precisa ser cultivado continuamente” (Francisco, 2018, p. 75) –, o papa sublinha a importância de superar desafios como a competição, a fofoca e o individualismo. Visões pastorais fundamentalistas também devem ser evitadas para promover uma verdadeira fraternidade presbiteral.

O amor aos irmãos não se fabrica, não é fruto do nosso esforço natural, mas exige uma transformação do nosso coração egoísta. Nasce então espontaneamente a célebre súplica: “Jesus, fazei o nosso coração semelhante ao vosso”. Por isso mesmo, o convite de São Paulo não era: “Esforçai-vos por fazer boas obras”. O seu convite era mais precisamente: “Tende entre vós os mesmos sentimentos de Cristo Jesus” (Fl 2,5).[3]

Nesse sentido, nos seminários, é essencial criar um ambiente que promova a vida comunitária, pois “a convivência fraterna é uma escola de paciência, humildade e amor” (Francisco, 2018, p. 65), favorecendo amizades saudáveis que tenham reflexos positivos no presbitério. Francisco apresenta a importância da formação permanente para os sacerdotes, lembrando que “a vocação é um caminho que dura toda a vida” (Francisco, 2016, p. 47).

A CNBB também reforça a importância da sinodalidade e da fraternidade na formação presbiteral. No documento Diretrizes para a formação dos presbíteros no Brasil, é destacado que a formação deve ser integral, abrangendo não apenas o aspecto intelectual, mas também o humano, espiritual e pastoral, como já abordamos. “A formação presbiteral deve ser sempre uma experiência de caminhada conjunta, onde se fortalece a comunhão e a corresponsabilidade” (CNBB, 2019b, p. 33).

Além disso, a CNBB, em seu documento Fé e política: caminhos para o diálogo, ressalta que os presbíteros devem ser formados para a participação ativa na vida da Igreja e da sociedade, com uma consciência crítica e solidária. “A sinodalidade é a chave para uma pastoral mais inclusiva e engajada, onde todos os membros da Igreja caminham juntos na missão” (CNBB, 2022, p. 78).

4. O papel dos formadores

Os formadores desempenham um papel crucial na formação presbiteral. Mais do que estimular o crescimento intelectual e espiritual, sua missão é discernir as motivações dos candidatos, promovendo valores como fé coerente, gratuidade, generosidade, dedicação ao serviço da Igreja, sensibilidade ao clamor dos pobres e disponibilidade missionária.

Os formadores devem estar preparados para criar uma cultura formativa que integre diversos aspectos essenciais ao processo de formação, cientes dos desafios da geração de vocacionados que acolhem. Isso inclui a promoção de um discernimento vocacional maduro, que permita ao candidato compreender sua vocação e missão. Além disso, é fundamental oferecer uma formação humana próxima e acolhedora, que desenvolva as virtudes e habilidades necessárias para uma vida plena e madura. Outro elemento indispensável é o acompanhamento adequado, garantindo um suporte constante e individualizado ao longo da jornada formativa.

Considerações finais

Os desafios da formação presbiteral no pontificado do papa Francisco exigem uma abordagem renovada, que integre dimensões diversas e prepare os futuros sacerdotes para serem pastores em um mundo em constante mudança e carente de referências. A inspiração de Francisco convoca a Igreja a formar padres comprometidos com o Evangelho e com o povo de Deus, capazes de viver e anunciar a Boa-nova com alegria, coragem e proximidade, superando os desafios da contemporaneidade.

Referências bibliográficas

CNBB. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil: 2019-2023. Brasília: Edições CNBB, 2019a.

CNBB. Diretrizes para a formação dos presbíteros no Brasil. Brasília: Edições CNBB, 2019b.

CNBB. Fé e política: caminhos para o diálogo. Brasília: Edições CNBB, 2022.

DICASTÉRIO PARA A COMUNICAÇÃO. Rumo à presença plena: uma reflexão pastoral sobre a participação nas redes sociais. Vaticano, 2022. Disponível em: https://www.vatican.va/roman_curia/dpc/documents/20230528_dpc-verso-piena-presenza_pt.html. Acesso em: 21 fev. 2025.

FRANCISCO. Discurso aos seminaristas e formadores. Vaticano, 2015.

FRANCISCO. Evangelii Gaudium: Exortação Apostólica sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. São Paulo: Paulus, 2013.

FRANCISCO. Gaudete et Exsultate: Exortação Apostólica sobre o chamado à santidade no mundo atual. São Paulo: Paulus, 2018.

FRANCISCO. Homilia na missa crismal. Vaticano, 2017.

FRANCISCO. Mensagem para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações. Vaticano, 2020.

FRANCISCO. Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis: o dom da vocação presbiteral. Vaticano, 2016.

Pe. Vagner João Pacheco de Moraes*

*reitor do Seminário São José, diocese de Osasco, presidente da Organização dos Seminários e Institutos do Brasil (Osib) e secretário da OSLAM (Organização dos Seminários Latino-Americanos).