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Publicado em março-abril de 2024 - ano 65 - número 356 - pp.: 12-17

Vida religiosa e comunicação na era digital

Por Ir. Neusa Santos*

Com base no documento intitulado “Rumo à Presença Plena”, do Dicastério para a Comunicação do Vaticano – um estudo pastoral que reflete sobre a atuação e a presença nas redes sociais –, este artigo oferece um diálogo sobre as interações entre a comunicação e a era digital, conferindo especial ênfase à participação da vida religiosa nos meios digitais.

 

Introdução

A comunicação é um processo fundamental, que envolve a troca de informações, ideias, pensamentos, sentimentos ou mensagens entre indivíduos e grupos. É parte essencial da vida humana para o funcionamento da sociedade e pode ocorrer de várias maneiras: por meio de ações verbais (fala), escritas (textos, cartas, e-mails), visuais (imagens, gráficos, sinais) e não verbais (gestos, expressões e linguagem corporal).

A comunicação na era digital refere-se ao processo de troca de informações, ideias, mensagens e conteúdos por intermédio das tecnologias digitais e redes de comunicação, como a internet, os dispositivos móveis, as redes sociais e os aplicativos de mensagens. Partindo do princípio de que as tecnologias digitais da informação e comunicação (TDICs) fazem parte do nosso cotidiano, é interessante observar como elas têm contribuído para uma nova relação entre a sociedade e seus usuários. Dentre as novas experiências, destacam-se os novos usos do espaço público e as diferentes formas de relações sociais e de comunicação inseridas na sociedade em geral.

A transformação digital é um conceito amplo e importante nos dias contemporâneos, pois reflete a necessidade de as instituições e comunidades se adaptarem às mudanças tecnológicas a fim de se manterem relevantes e visibilizadas nos propósitos carismáticos ou comerciais. A transformação digital compreende a integração e o uso estratégico da tecnologia digital em todos os aspectos de uma organização. Isso envolve uma redefinição dos processos internos das instituições na adoção das novas tecnologias de comunicação para aproximar-se mais das diferentes realidades locais ou globais. “O advento da comunicação digital e seu desenvolvimento vêm forjando uma nova realidade mediática e contemporânea com grande transformação na constituição de imaginários e narrativas nas tecnologias comunicativas” (SANTOS, 2020, p. 69).

A comunicação na era digital é articulada pela velocidade dos media e das redes digitais, uma forma de comunicação que se tornou ubíqua e teve impacto significativo na maneira de as pessoas se conectarem, se comunicarem e reunirem informações. Há algumas características e alguns aspectos importantes da comunicação na era digital que precisam ser considerados, por exemplo a instantaneidade. É uma comunicação que se concentra em equilibrar as dimensões globais e locais nas interações e nas mensagens. Na era da globalização, essa comunicação pode viajar pelo mundo inteiro, mas também precisa ser adaptada para atender às necessidades e expectativas das comunidades locais. Ela permite a troca de mensagens em tempo real, independentemente da distância entre as partes envolvidas. Além da instantaneidade, existem vários outros pontos que tornam a comunicação na era digital uma forma poderosa de interação, tais como a acessibilidade e a globalização.

A acessibilidade diz respeito a uma comunicação amplamente disponível para grande parte da população, graças especialmente à disseminação de dispositivos móveis e do acesso à internet. A globalização refere-se às características de interconexão e interdependência crescentes dos meios de comunicação, das informações e das culturas em escala global. Ela é impulsionada, sobretudo, pela rápida evolução da tecnologia de comunicação e pela disseminação global das redes de comunicação, como a internet, as redes sociais, a televisão por satélite e os telefones móveis. Esse processo tem impactos significativos em vários aspectos da sociedade, incluindo o acesso à informação. A globalização na comunicação tornou possível o acesso a informações do mundo todo em tempo real. As notícias, o entretenimento, a educação e a cultura de diferentes partes do mundo estão ao alcance de qualquer pessoa com acesso à internet.

Outro elemento de destaque é o intercâmbio cultural na comunicação, que se refere à troca de elementos culturais, valores, ideias, tradições, linguagem e expressões entre diferentes culturas pelos meios de comunicação, como a televisão, o cinema, a música, a literatura, a internet e as mídias sociais.

Esse aspecto é uma parte importante da globalização na comunicação, pois as tecnologias modernas permitiram que as culturas de todo o mundo interagissem e se influenciassem mutuamente de maneiras sem precedentes. Em campos como a música e o entretenimento, artistas de diferentes partes do mundo podem criar obras que combinem elementos de várias culturas, tais como a música pop latina ou a música eletrônica mescladas a influências africanas, por exemplo. É nesse processo de desenvolvimento tecnológico que nós, seres humanos, também nos transformamos em meio às evoluções tecnológicas. A era digital está girando de acordo com padrões muito diferentes de outras eras. É um desafio diário descobrir caminhos para entender a esfera digital.

A vida religiosa e a esfera digital

Um dos desafios mais significativos enfrentados pela vida religiosa é a necessidade de testemunhar a Boa-nova do Evangelho em meio à cultura digital. Como podemos ser um exemplo de esperança e comunhão quando as dinâmicas das mídias digitais, muitas vezes, promovem o individualismo? Como podemos abordar as questões sobre comunhão e participação, bem como as interações nas redes sociais, sem nos perdermos nesse cenário? Esse desafio nos convida a refletir sobre como a vida religiosa pode se adaptar e incorporar os valores do Evangelho em um mundo cada vez mais voltado para o isolamento e a superficialidade das interações on-line. É um chamado a equilibrar a presença nas redes sociais com a presença real e significativa na vida das pessoas, buscando construir comunidades autênticas e promover a solidariedade em um ambiente digital muitas vezes marcado pela desconexão emocional. Nesse sentido, a vida religiosa enfrenta a tarefa de encontrar maneiras eficazes de conectar-se com as pessoas nas redes sociais.

Para responder a essas e a outras perguntas, a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) e a Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação (Fapcom), desde agosto de 2023, oferecem um curso on-line de comunicação aos religiosos e religiosas que buscam aprimorar a comunicação na era digital. Nesse contexto, a comunicação assume um papel fundamental. Em um mundo cada vez mais conectado, onde a tecnologia e a internet desempenham papéis essenciais, compreender e dominar as ferramentas e estratégias de comunicação é imprescindível para a eficácia do trabalho na vida religiosa, seja em âmbito interno ou externo, como a potencialização dos carismas congregacionais.

A comunicação efetiva é a ponte que conecta pessoas, comunidades e instituições. Ela permite que os valores e princípios da vida religiosa sejam transmitidos de forma clara e inspiradora, alcançando um público amplo e diversificado. Além disso, a era digital oferece oportunidades inigualáveis para disseminar a mensagem e criar um impacto positivo na sociedade, como aponta o papa Francisco (2014): “[…] a internet pode oferecer maiores possibilidades de encontro e de solidariedade entre todos; e isto é uma coisa boa, é um dom de Deus”.

A iniciativa supracitada visa promover a educação e o diálogo entre a vida religiosa e a esfera digital, oferecendo às instituições religiosas ferramentas e insights para compreender e responder, de maneira estratégica, aos desafios contemporâneos da comunicação no contexto digital. Busca aprimorar as habilidades de comunicação da vida religiosa, tornando-a mais relevante e acessível às necessidades do mundo contemporâneo.

O Dicastério para a Comunicação do Vaticano lançou, no primeiro semestre de 2023, o documento Rumo à Presença Plena: uma reflexão pastoral sobre a participação nas redes sociais, que analisa a “influência digital” e está dividido em quatro grandes partes. A parte I reflete sobre as “ciladas nas rodovias digitais”, abordando os efeitos da digitalização, da revolução digital e do desenvolvimento da inteligência artificial, um processo que o documento reconhece que já vem ocorrendo ao longo das últimas três décadas, mas foi acelerado pela pandemia (n. 7). A parte II desenvolve o tema “Da consciência ao verdadeiro encontro”, afirmando que a boa comunicação começa pela escuta e pela consciência de que há outra pessoa diante de mim.

O texto enfatiza que cada cristão é um influenciador, independentemente do número de seguidores nas plataformas digitais, e deveria estar ciente de seu potencial de influência. Daí a necessidade de tomar consciência do papel central que a liderança religiosa desempenha, para que haja boa comunicação. É hora de valorizar a missão da comunicação, alimentando a vida religiosa de uma cultura consciente da comunicação digital. É necessário acompanhar a era da digitalização de forma profissional, sobretudo em termos de comunicação institucional. Revela-se como algo crucial ter uma boa comunicação interna antes da comunicação externa. “Ao se valer da existência humana como fonte para a construção de suas narrativas, a sociedade midiatizada ancora-se nas imagens e nos significados como repertório compartilhado, como forma de estabelecer contato com a experiência de vida das pessoas” (SANTOS, 2020, p. 76).

A vida religiosa precisa de uma compreensão profunda do papel e da relevância da comunicação em todas as dimensões internas e externas da instituição. Certamente, entre os diversos grupos e congregações religiosas, existem muitos desafios quando se trabalha nas redes sociais, desde a falta de conhecimento técnico e linguístico até o analfabetismo digital. Essas dificuldades, muitas vezes, resultam na invisibilidade dos carismas, mesmo em países onde as congregações têm presença estabelecida.

Um dos desafios de hoje é estar nos ambientes digitais para ir ao encontro daqueles que, efetivamente, pedem evangelização. É necessário formar e informar a vida religiosa para que habite as redes sociais de forma consciente e efetiva. Na era digital, é-lhe fundamental equipar-se com ferramentas, canais e serviços técnicos para conectar-se com os indivíduos e as comunidades, usando todas as variáveis disponíveis, além de produzir novos conteúdos que acompanhem as mudanças da sociedade e do mundo em que vivemos, de modo que respondam às necessidades que impulsionam e movem as pessoas.

Certa vez, em um encontro com a vida religiosa, o doutor Paolo Ruffini, prefeito do Dicastério para a Comunicação do Vaticano, disse:

As mulheres e os homens consagrados podem ajudar toda a Igreja a tecer, por meio da comunicação, uma rede que não só se contenta em interligar, mas traduz a mensagem do Evangelho no mundo multimídia sem apagar as histórias e culturas de cada país e a especificidade de cada língua.1

Conclusão

Impõe-se o desafio de promover o encontro e superar as barreiras entre as redes sociais e as comunidades religiosas, empreitada que demanda uma abordagem cuidadosa, sensível e inclusiva. Trata-se de desafio constante, que requer paciência, compreensão e compromisso sincero com o diálogo e a colaboração. A “construção de pontes” entre esses dois universos distintos pode oferecer benefícios significativos à evangelização, fomentando o diálogo, a compreensão e a disseminação da fé.

A presença nas redes está se tornando uma extensão natural da vida religiosa para muitos, mas ainda há longo caminho a percorrer a fim de estabelecer conexões significativas e promover a comunhão. Conforme enfatizado no n. 45 do documento do Vaticano, a comunicação começa com a conexão e evolui para os relacionamentos, a comunidade e a comunhão. O que caracteriza uma presença plena nos ambientes digitais, portanto, é a habilidade de interagir, estabelecer rela-
cionamentos e gerar uma comum-unidade.

Referências bibliográficas

DICASTÉRIO PARA A COMUNICAÇÃO. Rumo à Presença Plena: uma reflexão pastoral sobre a participação nas redes sociais. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 28 maio 2023. Disponível em: https://www.vatican.va/roman_curia/dpc/documents/20230528_dpc-verso-piena-presenza_pt.html. Acesso em: 10 set. 2023.

FRANCISCO, Papa. Mensagem para o XLVIII Dia Mundial das Comunicações Sociais: comunicação a serviço de uma autêntica cultura do encontro (1 jun. 2014). Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 24 jan. 2014. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/communications/documents/papa-francesco_20140124_messaggio-comunicazioni-sociali.html. Acesso em: 13 set. 2023.

SANTOS, M. Neusa dos. Narrativas digitais nas redes sociais: a construção do imaginário religioso na visibilidade mediática. 2020. Tese (doutorado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2020.

Ir. Neusa Santos*

*é religiosa da CIIC, jornalista, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pela ESPM. É assessora de comunicação da Conferência dos Religiosos do Brasil, redatora da Revista Convergência da CRB, membro da Comissão de Comunicação e Cultura Digital da Confederação Latino-americana e Caribenha dos Religiosos (Clar), foi coordenadora da Comissão de Comunicação do Ano Vocacional da CNBB e do Observatório de Comunicação Religiosa (OCR), membro da equipe de colunistas do portal Global Sisters Report. E-mail: [email protected]