Carta do editor

Julho-Agosto de 2025

Desafios e perspectivas da formação religiosa e presbiteral

Prezadas irmãs,
prezados irmãos, graça e paz!

Ninguém nasce pronto e existir é complexo. Abaixo as visões simplistas, mágicas e dicotômicas da vida. Somos uma peça em constante construção, como bem invoca o salmista: “completai em mim a obra começada” (Sl 137). Essa complexidade consiste, fundamentalmente, no fato de que o ser humano, ao contrário dos outros animais, tem consciência da própria condição, que é frágil, precária e finita. O cachorrinho, o gatinho ou o jumentinho nada sabem de sua condição, não precisam de escola, de filosofia, de cultura, de arte, nem de religião. Nós precisamos de tudo isso e de muito mais, porque temos sede de eternidade. Talvez seja por isso que nosso primeiro gesto, ao chegarmos a este mundo, seja o choro. Nós choramos porque, se antes estávamos no conforto do ventre de nossa mãe, agora temos de respirar por nós mesmos, a temperatura ao alcance da pele é outra, a claridade nos dói os olhos e, para ampliar o quadro, nos cortam o cordão umbilical.

O choro já seria uma espécie de protesto ou contestação diante da nossa condição humana, a qual exige posicionamento e visão crítica; exige pés no chão e olhar na eternidade; exige manifestação contra aqueles que sepultam sonhos e traumatizam os pequenos; exige coragem, porque, como filosofou Teobaldo em Grande Sertão: Veredas: “Viver é muito perigoso; e não é não. Nem sei explicar estas coisas. Um sentir é o do sentente, mas outro é o do sentidor”.

Um sentir é do sentente, mas outro é do sentidor. Sentente e sentidor compartilham da mesma dor, mas cada um sabe da própria dor. Isso é compaixão. Nós precisamos de compaixão e de um coração capaz de se compadecer.

Somos resultado de uma concepção e de um parto que exigem todo cuidado e muito afeto, porque somos, dos seres, os mais frágeis. O cachorrinho, o gatinho ou o jumentinho não precisam de muito cuidado. Eles nascem e, em poucos dias, já estão fazendo as piruetas e algazarras próprias de bichos. Nós, ao contrário, precisamos de tempo para os primeiros passos e aos pouquinhos vamos tomando forma e ritmo no desenvolvimento humano, que é outro tipo de gestação. Existir é demorado.

Existir é demorado e aprender precisa de tempo. Por exemplo, até uma criança conseguir balbuciar e repetir “ba-ba”, querendo dizer “papai”, ou “ma-ma” para “mamãe”, ela passa por um processo sofisticado. Nesse processo, exige-se paciência e colaboração. Por isso, temos necessidade das instituições, como a família, a escola, a Igreja. O papel primordial das instituições deveria ser o de humanização, de integrar o ser humano para a boa convivência uns com os outros e com a totalidade da criação de Deus, a Casa Comum.

O poeta Manoel de Barros soube bem dizer a vida: “Entendo bem o sotaque das águas. Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que dos mísseis. Tenho em mim um atraso de nascença. Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos”. Gostar de passarinho é humanizar-se. O passarinho, tão pequeno e frágil, é capaz de alçar voos sem precisar de motor.  A pequenina ave é nossa sede de voar até o eterno.

Os seminários,  conventos e todas as casas de formação sejam, pois, em primeiro lugar, os canteiros e as sementeiras do jardim de Deus. De igual modo, o coração de cada um seja terreno da compaixão e da solidariedade e capaz de se alegrar com a alegria do outro, porque isso já é o começo do céu. “O Senhor formou o coração de cada um e por todos os seus atos se interessa” (Sl 32/33).

Boa leitura!

Pe. Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp

Editor