Publicado em maio-junho de 2025 - ano 66 - número 363 - pp. 45-48
1º de junho – ASCENSÃO DO SENHOR
Por Pe. Francisco Cornélio*
Da missão de Jesus à missão da Igreja
I. Introdução geral
A solenidade da Ascensão completa o sentido da Páscoa, pois indica o destino do Ressuscitado: ele retornou ao mundo do Pai e confiou à Igreja a continuidade do seu projeto de libertação. Neste ano litúrgico C, temos a oportunidade de ler o relato da ascensão duas vezes: na primeira leitura e no Evangelho, textos escritos pelo mesmo autor – Lucas –, embora com perspectivas diferentes, apesar de complementares. No Evangelho, o objetivo do relato é recordar o cumprimento da missão terrena de Jesus, mostrando a ascensão como meta. Na primeira leitura, a finalidade é mostrar o início da missão da Igreja e sua continuidade com a de Jesus, o que faz da ascensão um ponto de partida. Em forma de hino, a segunda leitura apresenta a realidade celebrada na ascensão como manifestação do poder de Deus, que fez o Cristo sentar-se à sua direita nos céus, constituído Senhor do universo e cabeça da Igreja. A Igreja celebra este domingo também como o Dia Mundial das Comunicações Sociais, ocasião especial para rezar por todas as pessoas que trabalham no mundo da comunicação e recordar o compromisso com a verdade como princípio de todo ato comunicativo.
II. Comentários dos textos bíblicos
1. I leitura (At 1,1-11)
A primeira leitura é o início do livro dos Atos dos Apóstolos, que, junto com o Evangelho de Lucas, forma uma única obra em dois volumes. Embora já estejamos bastante familiarizados com esse livro, uma vez que sua leitura vem sendo feita desde a Vigília Pascal, somente neste domingo, já quase na conclusão do tempo pascal, temos a oportunidade de ler seu início. Assim como o Evangelho (Lc 1,3), trata-se de um escrito dedicado a Teófilo (v. 1), um personagem de identidade misteriosa, que divide a opinião dos estudiosos: para uns, era um homem ilustre e influente da administração romana, que foi iniciado no cristianismo, e Lucas quis aprofundá-lo na fé; para outros, é um personagem fictício, proposto como paradigma para os leitores da obra, conforme a etimologia do nome Teófilo, que significa “amigo de Deus”.
O trecho relata os últimos momentos do Ressuscitado junto aos seus discípulos, antes de sua partida para o Pai, e a ascensão propriamente dita. É composto de duas partes: a primeira compreende o prólogo (v. 1-5), no qual Lucas sintetiza brevemente o conteúdo do seu Evangelho, recordando o ministério de Jesus, desde o início até as aparições pós-pascais, incluindo a promessa do Espírito Santo; a segunda corresponde ao relato mesmo da ascensão (v. 6-11), preparado pelo envio dos discípulos, que são encarregados de dar testemunho do Ressuscitado até os confins da terra.
O principal objetivo do autor é apresentar a missão dos discípulos como continuação da missão de Jesus. Para isso, emprega forte simbologia, a começar pela referência aos quarenta dias (v. 3), que significam, no judaísmo, o tempo necessário para a assimilação de um ensinamento importante; é o tempo suficiente para um discípulo aprender e repetir o que o mestre ensinou. Assim, é dito que todo o ensinamento da Igreja, desde as suas origens, deve estar em sintonia com o que Jesus mesmo ensinou. Quem garante essa continuidade é a força do Espírito Santo, como ele promete (v. 5.8). Isso exige dos discípulos de todos os tempos uma abertura universalista, incompatível com as pretensões nacionalistas que ainda alimentavam, ao almejarem a restauração do reino de Israel (v. 6), uma proposta reprovada com veemência por Jesus.
A descrição da ascensão enquanto elevação aos céus também é simbólica, inspirada provavelmente no relato do arrebatamento do profeta Elias (2Rs 2,9-15). A imagem da nuvem significa a presença de Deus (v. 9) e aqui expressa a comunhão profunda entre a divindade e a humanidade, proporcionada por Jesus na totalidade da sua pessoa. Os dois homens vestidos de branco (v. 10) são mensageiros divinos que visam conscientizar os discípulos da missão recebida de transformar o mundo por meio do testemunho do Ressuscitado, o que exige grande responsabilidade. Por isso, não devem ficar parados, olhando para o céu (v. 11), mas devem estar empenhados em tornar realidade o projeto libertador de Jesus, vivendo como ele viveu e fazendo as mesmas opções que ele fez. Isso faz da ascensão uma festa comprometedora. Celebrá-la é olhar para o mundo, com seus dilemas, contradições, problemas e desafios concretos, e empenhar-se em transformá-lo à luz da mensagem libertadora de Jesus, até que ele retorne.
2. II leitura (Ef 1,17-23)
A carta aos Efésios, da qual é tirada a segunda leitura, é uma espécie de carta circular, dirigida a diversas comunidades da Ásia Menor. Apesar de atribuída a Paulo, sua autoria tem sido bastante discutida nos últimos anos. O importante, no entanto, é que ela exprime a mentalidade e o estilo de Paulo, mesmo que não tenha saído de sua própria pena. O trecho lido nesta liturgia expressa, em forma de oração, hino e confissão de fé, ao mesmo tempo, o que a primeira leitura afirma em forma de relato.
Na primeira parte (v. 17-19), o autor pede a Deus, o Pai, um espírito de sabedoria que faça os cristãos conhecerem cada vez mais seu mistério, quer dizer, o agir de Deus no mundo. Pede também abertura de coração para que conheçam e possam contemplar a glória de Deus, e saibam que a mesma força e potência manifestadas em Jesus Cristo estão à disposição de todos os que creem nele. Isso significa que também nós somos herdeiros do céu, ou seja, temos a glória como destino.
Na segunda parte (v. 20-23), o autor reafirma a manifestação da força e do poder de Deus em Cristo, unindo a ressurreição e a ascensão como componentes de um mesmo mistério: “o ressuscitou dos mortos e o fez sentar-se à sua direita nos céus” (v. 20). Assim, ele reconhece que a soberania de Cristo transcende o tempo e o espaço (v. 21), pois tudo o que pertence ao Pai lhe foi submetido, constituindo-o Cabeça da Igreja. Como membros do corpo que é a Igreja, os cristãos também estão destinados à mesma glória da qual já goza a Cabeça, Cristo. Isso é o que mais carrega esta solenidade de alegria e esperança.
3. Evangelho (Lc 24,46-53)
O Evangelho compreende os últimos versículos do Evangelho de Lucas, que constitui uma única obra com os Atos dos Apóstolos, cujo elemento de transição é exatamente o relato da ascensão. Esse relato funciona como uma dobradiça, unindo duas partes diferentes, porém inseparáveis. Incomparável na criatividade literária, o evangelista Lucas consegue narrar o mesmo evento duas vezes sem parecer monótono nem repetitivo. No relato do Evangelho, a ascensão acontece no dia mesmo da ressurreição, e não quarenta dias depois, como em Atos. A aparente contradição faz parte dos objetivos traçados para cada volume de sua obra. No Evangelho, a ascensão tem a função de marcar a conclusão da missão terrena de Jesus; já em Atos, tem o propósito de preparar a missão da Igreja e mostrá-la em continuidade com a do seu Mestre.
O texto começa com a continuação das palavras do Ressuscitado em sua manifestação aos discípulos reunidos em Jerusalém (Lc 24,36-49), após o episódio do caminho de Emaús (Lc 24,13-35). Na ocasião, ele transmitiu-lhes a paz (v. 36), mostrou-lhes as marcas da cruz, demonstrando que o Ressuscitado e o Crucificado são um só (v. 39), comeu um pedaço de peixe (v. 43) e logo começou a dar-lhes as últimas instruções, explicando as Escrituras (v. 44-49). Na linguagem do Novo Testamento, as Escrituras significam o conjunto literário que hoje chamamos de Antigo Testamento. Em sua explicação, Jesus se apresenta como o verdadeiro cumprimento das Escrituras, partindo de uma visão global, sem prender-se a citações específicas. Assim, ele mostra que, do começo ao fim, as Escrituras apontam para sua vida e missão, cujo ápice é o mistério da paixão, morte e ressurreição, e é nesse ponto que começa o Evangelho deste dia (v. 46).
Na medida em que as Escrituras respaldam a missão de Jesus, delas emerge também a missão da Igreja, que consiste no anúncio e no testemunho (v. 47-48). A razão primordial da missão da Igreja é oferecer a reconciliação a todos os povos, sem distinção, humanizando-os. Nada de proselitismos nem doutrinação. A primeira obrigação da comunidade é oferecer ao mundo o amor misericordioso de Deus, fonte de conversão e perdão, como Jesus fez em seu curto ministério, e Lucas fez disso o tema central de seu Evangelho. A missão da Igreja consiste, portanto, em continuar na história a missão de Jesus, oferecendo os frutos da Páscoa a todos os povos. Para cumpri-la, é necessária a força do alto, o Espírito Santo, como ele promete (v. 49). Com efeito, o próprio Jesus só iniciou sua vida pública após o batismo, quando desceu sobre ele o Espírito Santo (Lc 3,22); ao pregar pela primeira vez na sinagoga de Nazaré, ele declarou estar revestido do Espírito Santo e, por isso, autorizado para anunciar a libertação dos pobres (Lc 4,18). Sem o Espírito Santo, portanto, não haveria missão. Por isso, os discípulos devem esperar seu envio, como Lucas ilustrará tão bem com a narrativa de Pentecostes (At 2,1-13).
Depois de dar as últimas instruções aos discípulos, o Ressuscitado os põe novamente em movimento, levando-os para perto de Betânia (v. 50). Com isso, ele refaz o caminho da entrada triunfante em Jerusalém, mas em sentido contrário. De fato, quando veio da Galileia para viver a paixão, ele parou perto de Betânia para solicitar o jumentinho e ali iniciar a grande marcha de entrada na cidade (Lc 19,29-30). Assim, Jesus entra na glória no mesmo lugar de onde tinha partido para a cruz. E seu último gesto, diante dos discípulos, é conferir a bênção (v. 51). Na linguagem bíblica, a bênção é realidade performativa, que transmite a essência daquele que abençoa. Abençoados, os discípulos irão irradiar essa bênção por todo o mundo.
Fortalecidos pela bênção e convictos da missão, os discípulos adoram Jesus e voltam para Jerusalém com grande alegria (v. 52), uma característica marcante do Evangelho de Lucas, desde o anúncio do anjo a Maria (1,47), passando pelos pastores e pelos anjos (2,8-20), até a conclusão. Os discípulos já não sentem medo. Estão dispostos a assumir os desafios e as consequências da missão e serão habilitados para isso pelo Espírito Santo. Essa alegria brota da fé e da certeza de que, de agora em diante, a presença do Ressuscitado será ainda mais eficaz.
III. Pistas para reflexão
Antes de tudo, é importante recordar que a ascensão de Jesus não implica ausência. Antes, é condição para uma presença mais plena, já não condicionada às circunstâncias de tempo e espaço. Cabe à Igreja continuar sua missão, mediante o testemunho, animada pelo Espírito Santo. As leituras mostram muito bem isso; portanto, é importante explicá-las bem e relacioná-las entre si, evidenciando a esperança que suscitam na vida cristã de hoje. Recordar o Dia Mundial das Comunicações Sociais e rezar pelos profissionais da comunicação, para que se mantenham fiéis aos princípios éticos e ao compromisso com a verdade.
Pe. Francisco Cornélio*
*é presbítero da diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia pela Universidade Católica de Salvador-BA. É professor de Teologia no Centro Universitário UniCatólica do RN. [email protected]