Roteiros homiléticos

Publicado em novembro-dezembro de 2023 - ano 64 - número 354 - pp.: 58-60

24 de dezembro – Missa da noite – NATAL DO SENHOR

Por Izabel Patuzzo*

Nasceu-vos hoje um Salvador, o Cristo Senhor!

I. INTRODUÇÃO GERAL

A liturgia desta noite nos fala de um Deus que se faz muito próximo de nós, porque nos ama de modo muito concreto. Não é um amor só de palavras, mas amor capaz de grandes gestos de doação; amor que supera as barreiras existentes entre a divindade e o ser humano. Jesus se encarna na realidade humana com todas as consequências. Deus não nos deixa órfãos, perdidos ou abandonados. Envia um menino, que é luz para todas as nações. Ele é o portador da verdadeira paz.

Na primeira leitura, o profeta Isaías anuncia a chegada de um menino da descendência de Davi, dom de Deus para toda a humanidade. O Emanuel, Deus-conosco, vem para eliminar todas as formas de divisões, guerras, ódio, sofrimentos e inaugurará um novo tempo, marcado pela paz e alegria. A segunda leitura nos aponta caminhos para viver uma vida cristã autêntica e comprometida. A exemplo de Jesus Cristo, nossa morada neste mundo é passageira. Por isso, somos convidados a trabalhar pelos valores que não passam.

O Evangelho apresenta a realização da promessa profética: em Belém de Judá, nasceu um menino, o Príncipe da paz. Deus vem ao encontro do ser humano, sobretudo dos que mais sofrem, dos mais abandonados. Na simplicidade de uma criança, Deus oferece sua proposta de salvação; não pela força, mas pelo amor e ternura.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Is 9,1-6)

O texto de Isaías anuncia o nascimento de um príncipe real, que significou uma esperança para o povo abalado pelas invasões assírias por volta do ano 730 a.C. Seu nascimento trouxe a esperança de que Israel teria um soberano para governar a terra. Por isso, o profeta descreve esse grande acontecimento em forma de oráculo. O menino aqui referenciado, da descendência de Davi, está relacionado com as esperanças messiânicas da chegada do Emanuel, alimentada pelos profetas.

Na realidade, a situação do povo era de opressão, de frustração, de desespero, de falta de perspectivas, pois estava subjugado ao poder violento de forças estrangeiras. Nesse cenário, de repente aparece uma luz e acende-se uma esperança, que faz o povo se alegrar. O profeta Isaías descreve, de forma alegórica, que a comunidade desanimada estava caminhando nas trevas, nas sombras da morte, mas eis que surge uma luz. Essa imagem sugestiva assemelha-se à festa das Colheitas, quando o povo se reunia para celebrar a abundância dos alimentos, num momento de júbilo.

O oráculo de Isaías descreve a transformação de uma realidade caótica em uma nova ordem. Isso porque Deus envia um menino, com a missão de resgatar o direito e a justiça. Os títulos atribuídos a ele são dons divinos: Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz. Ele é dom de Deus para a vida de seu povo.

2. II leitura (Tt 2,11-14)

A carta a Tito é uma das cartas pastorais, endereçada ao herdeiro de Paulo no cuidado pastoral da comunidade de Creta. Tito se converteu ao cristianismo mediante a pregação de Paulo. O texto escolhido para esta liturgia fala da alegria da salvação, do momento novo que começou com o nascimento de Jesus Cristo. O verdadeiro centro e coração de toda carta são as razões que seu autor aponta para uma vivência cristã autêntica e comprometida. A primeira razão é o amor, a graça de Deus que foi oferecida a todas as pessoas. É esse amor que possibilita a renúncia a toda forma de hostilidade, ao orgulho, à prepotência, e a busca por justiça, solidariedade, compaixão, enfim, por uma vida nova em Cristo.

Na perspectiva da carta, o nascimento de Jesus Cristo envolve a todos nós, uma vez que é uma manifestação da bondade de Deus, nosso salvador. Enviar seu Filho amado ao mundo é a maior expressão de seu amor à humanidade. A leitura destaca a gratuidade divina: Deus não nos salvou por causa de nossos atos de justiça, mas por sua misericórdia, que se tornou presente em nós pelo Espírito Santo que recebemos no batismo, sinal da vida nova em Jesus Cristo.

3. Evangelho (Lc 2,1-14)

Ao narrar o nascimento de Jesus, o evangelista Lucas é o mais preocupado em oferecer as informações históricas desse acontecimento central para as comunidades cristãs. Ele situa esse evento tão importante no espaço e no tempo. Desse modo, dá a entender que estamos diante de um fato real, e não lendário, pois é algo que faz parte da história da humanidade. No entanto, algumas informações históricas são imprecisas, pelo fato de Lucas ter sido um cristão de origem grega que não viveu na Palestina no tempo em que Jesus exerceu seu ministério público. Exemplo dessa asserção é a referência ao recenseamento que teria sido ordenado pelo governador Quirino no ano em que Jesus nasceu. Parece que esse evento ocorreu, na verdade, alguns anos depois, quando Quirino foi nomeado governador da Síria pelo imperador romano. De qualquer forma, Lucas teve essa preocupação de situar o nascimento de Jesus na real história da Palestina.

A primeira informação é a respeito do lugar do nascimento de Jesus. Belém de Judá tem um sentido mais teológico que geográfico. A cidade de Belém é mencionada nas Escrituras como o lugar de onde virá o Salvador, pois o Messias seria um descendente da casa de Davi, da terra de Judá. Lucas descreve também, com pormenores, a pobreza e a simplicidade que rodeiam a vinda de Jesus. A ausência de lugar na hospedaria, o local improvisado para seu nascimento, próximo de animais, a visita dos pastores: tudo isso retrata que ele vem na humildade, na simplicidade e na pobreza. O modo como Deus oferece a salvação à humanidade foge dos esquemas humanos, fundados no aparato do poder, na força das armas, no dinheiro e em muita propaganda publicitária. Deus vem ao encontro do ser humano no silêncio, na ternura de um menino nascido em absoluta pobreza.

Uma terceira informação que Lucas oferece, na narrativa do nascimento de Jesus, é a visita dos pastores, como testemunhas desse grande evento. Esse grupo de pessoas era desprezado pela sociedade de seu tempo porque, muitas vezes, tinha apenas os rebanhos, mas não possuía terra e, durante a noite, conduzia as ovelhas para pastarem em terra alheia. Por isso, eles eram considerados pecadores, como os cobradores de impostos. Então, para eles, a chegada de um Messias nascido em seu meio foi uma grande notícia e motivo de grande alegria. Quando os anjos anunciam que nasceu o Salvador, os pastores se apressam em visitá-lo. Esse título era atribuído ao imperador romano, mas Lucas inverte a história para anunciar que o único Salvador é Jesus Cristo.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

No seu conjunto, as leituras desta liturgia nos apresentam Jesus como o menino que dá sentido às profecias de Isaías, como aquele que vem dissipar as trevas, as sombras da morte, com sua luz, instaurando um mundo de paz, justiça e amor. Contemplar o presépio nos leva a pensar que a lógica de Deus não corresponde à lógica do mundo, a qual se fundamenta, muitas vezes, em encontros entre alguns poucos poderosos, que tomam grandes decisões, de impacto para muitos. Deus vem ao encontro da humanidade na fragilidade, na ternura de uma criança recém-nascida.

Podemos nos interrogar: Qual lógica norteia minha vida? A celebração do nascimento de Cristo nos anima a acolher concretamente a proposta evangélica que ele oferece ao mundo? Como lidamos com situações de violência, discriminação, indiferença... e com todas as obras e atitudes que são trevas?

Izabel Patuzzo*

*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada - PIME. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção. Doutoranda em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. em São Paulo. E-mail: [email protected]