Publicado em janeiro-fevereiro de 2026 - ano 67 - número 367 - pp. 44-47
25 de janeiro – 3º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Por Junior Vasconcelos do Amaral*
“Segui-me, e eu farei de vós pescadores de homens”
Deus convida seu povo a ser luz nas trevas deste mundo. Somos todos vocacionados à vida, ao seguimento de Jesus e ao serviço. Nossa missão inicia-se com o batismo, nutre-se na Eucaristia e desemboca em serviço na vida da comunidade cristã. A missão de todo cristão é ser como Cristo, luz do mundo. Jesus, no Evangelho deste domingo, convida seus discípulos à conversão (metanoia) e ao seguimento, a fim de que possam pescar homens, resgatando das incertezas do mundo (simbolizado pelo mar) aqueles que são destinados à salvação, à nova criação.
Na primeira leitura, o profeta Isaías, retomado também no Evangelho, evoca Zebulon e Neftali, cidades humilhadas pelo Senhor, que, em seu modo de agir, cobre de glória o caminho do mar. O mar é a incerteza do mundo, e eis que surge uma luz para iluminar o mundo em suas trevas.
Na segunda leitura, Paulo convida a Igreja de Corinto a viver a unidade na diversidade e pluralidade, evitando as dissensões, brigas e contendas. Os cristãos de Corinto são chamados a ser todos de Cristo, fazendo que as divisões sejam superadas.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Is 8,23b-9,3)
Isaías inicia evocando a humilhação que Deus fez a Zabulon e Neftali, bem como a glória com a qual cobriu o caminho do mar, do além-Jordão e da Galileia das nações. O profeta fala das contradições que Deus é capaz de realizar (v. 23b). Por isso, o povo que anda na escuridão é capaz de ver uma grande luz. A luz resplandece aos que andam nas trevas, na sombra da morte (Is 9,1). Deus transforma as realidades à sua volta. O que era antes exultado é agora humilhado, e o que estava na tristeza é capaz de vislumbrar a alegria. Deus faz crescer a alegria e aumentar a felicidade. Na presença do Senhor, todos se alegram, como os que colhem em dia de fartura, como os soldados quando terminam a guerra e dividem os despojos dos que foram derrotados. Somente Deus é capaz de transformar as realidades do seu povo, que antes se via oprimido, carregando sobre os ombros seus fardos. Deus abate o orgulho dos fiscais e o jugo que oprimia o povo, como na jornada de Madiã, daqueles que, além de cultuarem a Adonai, também cultuavam outros deuses.
2. II leitura (1Cor 1,10-13.17)
Em tom exortativo, Paulo convida a Igreja de Corinto à concordância, que é a via contrária dos que viviam na discórdia, cultivando facções e separações. Ele convida os membros da Igreja, em nome de Jesus Cristo, a viver em concórdia uns com os outros e não admitir divisões entre eles. É preciso que existam a harmonia e a unidade, tanto no pensar quanto no falar. Havia, é certo, na comunidade coríntia divisões históricas e rivalidades entre as pessoas. Alguns da família de Cloé informaram o apóstolo de que a divisão gerava contendas entre os membros da Igreja (v. 11). Uns afirmavam ser de Paulo, outros de Apolo e outros ainda de Cefas, ou de Cristo. Paulo os questiona: “Será que Cristo está dividido?” Não foi Paulo crucificado por amor a eles nem foi em nome de Paulo que foram batizados. O apóstolo afirma que Cristo não o enviou para batizar, mas para pregar a Boa-nova da salvação, sem se valer dos recursos da oratória. A cruz de Cristo, segundo Paulo, tem sua própria força.
As divisões internas na comunidade de Corinto estavam associadas, como afirmam alguns estudiosos de Paulo, às ênfases doutrinárias características dos líderes mencionados por ele: havia os que tendiam a um cristianismo mais judaico e rígido, ligado à figura de Pedro, beirando certo legalismo; os que seguiam as tendências teológicas de Paulo, mais abertos, enfatizando a missão, a fé sem a necessidade de obras; e outros que tendiam para a figura de Apolo, ligado à hermenêutica alegórica eloquente, pois era alexandrino. Não há, em 1Cor 1-4, a menção à existência de partidos teológicos ou escolas no sentido clássico da palavra, mas adeptos desses líderes.
3. Evangelho (Mt 4,12-23)
Após a morte de João Batista, Jesus deixa Nazaré e vai morar em Cafarnaum. Ele passa a habitar o entorno do mar da Galileia, que será o cenário principal para sua ação missionária, taumatúrgica, de ensino e outras ações, como exorcismos. O mar da Galileia é onde Jesus inicia o chamado para o discipulado, que consistirá em um convite para que as pessoas o sigam e aprendam com ele novo modo de ser fiel a Deus. O v. 15 retoma o texto de Isaías acerca de Zabulon e Neftali, o caminho do mar, a Galileia dos pagãos. Mateus, assim como Marcos e Lucas, assinala que a Galileia é o território escolhido por Jesus para iniciar seu ministério. Mateus ressalta a Galileia dos pagãos, demonstrando, à sua maneira, a universalidade da missão e da mensagem de seu mestre, embora o Evangelho seja dirigido a judeus que estão aderindo a Jesus e à sua mensagem.
Mateus recupera a teologia de Isaías, ressaltando a missão do Servo de Adonai, que vem para transformar o mundo envolto em trevas. A imagem utilizada é a da luz, que reaparecerá no primeiro discurso do Evangelho, “da montanha” (Mt 5-7), em Mt 5,14. O elemento que simboliza o discípulo de Jesus é a luz. Os cristãos sempre compreenderam que, ao passar pelo batismo, se tornavam iluminados e deveriam sinalizar essa luz no mundo. A luz é um elemento vital. Sem o sol, não haveria a vida sobre a terra. Desse modo, a luz é um símbolo vital, que perfaz a existência. Quando nascemos, diz-se que viemos à luz ou que nossa mãe “nos deu à luz”. Portanto, Jesus deseja que seus discípulos e nós, hoje, possamos iluminar o mundo com a sabedoria do Evangelho.
A partir do v. 17, o relato assume um tom exortativo e Jesus convida à conversão. Esse versículo marca a passagem do sentido histórico-teológico para o sentido existencial prático, fundado no seguimento de Jesus. O verbo no presente imperativo ativo, metanoeite, designa uma reconsideração que deve ser feita pelo discípulo, convocado para deixar para trás seu modo de ser, pensar e agir a fim de seguir Jesus, que propõe não reinos pessoais, mas o Reino de Deus, que está nos céus. O discípulo, agora convidado por Jesus, deverá deixar seu autodomínio para ser dominado por Deus. Deus é o Senhor da vida do discípulo que segue Jesus. Portanto, a proximidade do Reino dos Céus passa a ser um elemento vital da pregação de Jesus, motivo pelo qual os discípulos devem viver o arrependimento, a mudança de pensamento, a fim de acolher o Reino dos Céus, que é o domínio de Deus sobre a humanidade.
A cena seguinte, iniciada no v. 18, é marcadamente vocacional. Nos primeiros atos do messianismo de Jesus, ele convida homens para segui-lo. O verbo “ver” (“viu”), utilizado tanto por Mt quanto por Mc, consiste em uma espécie de identificação com os discípulos. Não se trata de um convite como um passe de mágica, mas sim de um processo de escolha e confiança desenvolvido na relação que Jesus estabelecerá com os dois irmãos, Simão e André, bem como com os demais a serem por ele convidados. Jesus confia a Simão e André, que estavam lançando a rede ao mar, pois eram pescadores, uma nova missão: pescar homens (v. 19). A condição de possibilidade para tal missão é “segui-lo”, em grego opisō mou. Seguir Jesus é a condição fundamental para se tornar pescador de homens, retirando pessoas das incertezas do mar para levá-las à vida nova que nasce do batismo.
Os discípulos imediatamente deixaram as redes e seguiram Jesus (v. 20). O mesmo ato de convidar se dá no v. 21, quando Jesus vê outros dois irmãos, Tiago e João, filhos de Zebedeu, que estavam na barca com o pai, consertando as redes. Jesus os chamou. O mesmo gesto dos outros dois irmãos aqui se repete: eles imediatamente deixaram a barca e o pai e o seguiram. O texto se conclui (v. 23) dizendo que Jesus andava por toda a Galileia, ensinando nas sinagogas dos judeus e pregando o Evangelho do Reino, curando todo tipo de enfermidade. Mateus, como os dois outros sinóticos, ressalta a taumaturgia de Jesus como elemento fundamental da cristologia do NT. Para Mateus, Jesus é o Messias que veio curar e salvar a todos, e sua missão se estenderá e se efetivará com o auxílio de seus discípulos, a Igreja por ele constituída (cf. Mt 16,18).
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
É possível perceber a integração desta liturgia com a dos domingos anteriores, desde o batismo de Jesus, ministrado por João Batista, e o testemunho do precursor sobre quem Jesus é: o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo (domingo passado). Após seu batismo, Jesus inicia sua missão pública, convidando discípulos para o seguimento. Estimular a comunidade a perceber que todos somos chamados à missão de ir ao encontro dos/as irmãos/ãs a fim de retirá-los de seus sofrimentos com a mensagem do Evangelho: a proximidade do Reino de Deus, sua hegemonia sobre a vida humana, pois Deus quer que todos sejam salvos. Ajudar a comunidade a viver a comunhão e a unidade em meio à diversidade. O que não podemos permitir é que nossas diferenças se tornem divergências e não aceitemos o outro como nosso irmão.
Junior Vasconcelos do Amaral*
*é presbítero da arquidiocese de Belo Horizonte-MG e vigário episcopal da Região Episcopal Nossa Senhora da Esperança (Rense). Doutor em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), realizou parte de seus estudos de doutorado na modalidade “sanduíche”, estudando Narratologia Bíblica na Université Catholique de Louvain (Louvain-la-Neuve, Bélgica). Atualmente, é professor de Antigo e Novo Testamentos na PUC-Minas, em Belo Horizonte, e desenvolve pesquisa sobre psicanálise e Bíblia. É psicanalista clínico. E-mail: [email protected]

