Publicado em julho-agosto de 2025 - ano 66 - número 364 - pp. 49-52
27 de julho – 17° DOMINGO DO TEMPO COMUM
Por Gisele Canário*
A oração como diálogo transformador
I. INTRODUÇÃO GERAL
As leituras de hoje são um convite para compreendermos mais a respeito da oração. Não se trata apenas de palavras ditas ou rituais cumpridos, mas de um diálogo corajoso e honesto que exige fé e provoca mudanças. Abraão, em sua intercessão por Sodoma, nos ensina que o diálogo com Deus pode ser insistente e questionador, sem perder o respeito e a esperança na justiça que vem de Deus. Já no pai-nosso, Jesus nos convida a uma relação próxima e confiante com o Pai, pedindo aquilo que é essencial: sustento, perdão e direção.
O convite é para voltarmos o olhar para nossas próprias práticas de oração. Como nos colocamos diante de Deus em um mundo marcado por tantas desigualdades e urgências? Estamos dispostos a sair da passividade e assumir um papel ativo em nosso relacionamento com Deus? A oração pode ser apenas um ato devocional; mas ela é mais, é um espaço onde ousamos conhecer mais a respeito da nossa própria história, intermediada pelo conhecimento que vem do amor e da intimidade com Deus.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Gn 18,20-32)
A narrativa de Gn 18,20-32 foi escrita no período monárquico de Israel e se utiliza de narrativas antigas para buscar explicar a relação entre Deus e a humanidade. A destruição de Sodoma e Gomorra era uma narrativa conhecida, utilizada para ensinar sobre justiça e pecado.
Abraão, descrito como amigo de Deus, exerce o papel de intercessor em um diálogo extremamente humano. Linguisticamente, o verbo hebraico nagash, usado para “aproximar-se”, indica uma postura respeitosa, mas ousada. A insistência de Abraão, diminuindo o número de justos de cinquenta para dez, aponta para o reconhecimento de que Deus é justo e misericordioso.
Arqueologicamente, evidências de destruições massivas em regiões como Tell el-Hammam (próximo ao mar Morto) são interpretadas como possíveis bases para essas narrativas, ainda que não haja consenso definitivo. O texto é claro ao enfatizar que Deus ouve e considera as orações dos justos, reafirmando a aliança e proximidade dele com os fiéis.
2. II leitura (Cl 2,12-14)
Esta carta, possivelmente escrita no contexto da expansão missionária paulina ou por um discípulo de Paulo, confronta influências filosóficas que ameaçavam a compreensão cristã de redenção. O batismo, descrito aqui como uma participação na morte e ressurreição de Cristo, é a chave para entender o que autor deseja transmitir aos destinatários dessa carta.
A expressão grega synthaptō, traduzida como “sepultados com Cristo”, sublinha a união entre o cristão e o Redentor. O termo cheirographon, usado para “conta a ser paga”, remete à cultura legal romana, na qual dívidas eram canceladas publicamente. Essa imagem ilustra a graça divina que elimina o pecado.
Eis aqui, nesse trecho, um apelo à comunidade cristã para compreender que a cruz transcende a Lei mosaica e é a manifestação definitiva da graça redentora.
3. Evangelho (Lc 11,1-13)
O Evangelho de Lucas apresenta Jesus como um mestre da oração, inserindo o pai-nosso em um contexto pedagógico. A narrativa aborda a prática judaica de orar em comunidade, mas também introduz uma relação de conhecimento próximo com Deus, retratado como Pai (patēr).
A estrutura linguística do pai-nosso é clara e direta, utilizando imperativos como “santificado seja” (hagiasthetō) e “venha o teu Reino” (elthetō), que expressam urgência e esperança no cumprimento das promessas divinas.
O trecho subsequente sobre pedir, buscar e bater (aiteite, zēteite, krouete) destaca a perseverança na oração. Arqueologicamente, o exemplo da porta fechada à noite reflete as práticas das aldeias judaicas, onde as portas eram trancadas para segurança e abrir uma porta simbolizava hospitalidade excepcional.
A mensagem central do Evangelho deste domingo é que Deus, como Pai amoroso, concede o bem maior: o Espírito Santo. Esta promessa foi importante para que a esperança escatológica do grupo de Lucas se mantivesse sempre alerta à plenitude do Reino.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
Diálogo com Deus. Abraão demonstra que a oração é um diálogo que se traduz em confiança e ousadia. Como podemos interceder pelos outros, através do nosso testemunho, com a mesma coragem e fé?
A nova vida em Cristo. O batismo é o ponto de partida para o conhecimento mais aprofundado no seguimento de Jesus. Estamos vivendo de acordo com essa iniciativa que vem do Reino de Deus?
Perseverança na oração. Jesus nos convida a buscar com insistência. Como nossa vida de oração reflete a confiança em vivermos no projeto de Jesus e por meio dele?
IV. CONCLUSÃO
As leituras de hoje nos apresentam a oração como parte essencial do plano do projeto de Jesus. Abraão nos ensina a interceder com coragem; Paulo nos lembra da graça que recebemos em Cristo; e Jesus nos convida a confiar plenamente no amor e na bondade do Pai por meio de seu projeto de amor.
Que possamos, inspirados por essas palavras, renovar nosso compromisso com a oração, vivendo uma relação de confiança profunda com Deus, que nos ama e nos concede aquilo de que realmente necessitamos.
Gisele Canário*
*é mestra em Teologia (Exegese Bíblica Antigo Testamento) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui graduação em Teologia pela Instituição São Paulo de Estudos Superiores e licenciatura em Geografia pela Universidade Cruzeiro do Sul. É assessora no Centro Bíblico Verbo onde atua com a orientação de comunidades eclesiais e cursos bíblicos, para estudos bíblicos, gravação de vídeos, formação em material para leitura online desde 2011.