Roteiros homiléticos

Publicado em novembro-dezembro de 2023 - ano 64 - número 354 - pp.: 62-64

31 de dezembro – SAGRADA FAMÍLIA

Por Izabel Patuzzo*

Quem honra a família acumula tesouros nos céus!

I. INTRODUÇÃO GERAL

A liturgia deste domingo nos fala da missão da família de Jesus como modelo para todas as famílias cristãs. A exemplo de Maria, José e Jesus, que constituíram uma família na qual cada um se pôs a serviço do Reino de Deus, todas as famílias são convidadas a se porem a serviço de Deus e dos irmãos e irmãs.

A primeira leitura situa-nos na ética familiar do povo de Jesus, realçando o dever dos filhos para com os pais, sobretudo em sua idade avançada, quando precisam de maiores cuidados. A segunda leitura sublinha a dimensão do amor, que deve brotar naturalmente dos gestos de quem se coloca no caminho do discipulado do Senhor. A vida nova em Cristo nos insere nessa dinâmica, que começa no espaço familiar e se estende ao âmbito da comunidade de fé, traduzindo-se em atitudes de compreensão, bondade, respeito, partilha e serviço.

O Evangelho narra a apresentação de Jesus no templo. A cena descreve uma família que escuta a Palavra de Deus, procura concretizá-la em sua vida, preserva as tradições religiosas mais importantes e consagra a Deus seu filho. Maria e José se encontram com dois anciãos tementes a Deus: Simeão e Ana. Esses dois profetas visionários são capazes de perceber os sinais divinos no menino Jesus e louvam a Deus por poderem testemunhar sua presença libertadora no meio do povo.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Eclo 3,3-7.14-17a)

O livro de Ben Sirac, também denominado Eclesiástico, pertence ao gênero literário sapiencial, cujo objetivo é conduzir os leitores e ouvintes no caminho da sabedoria que vem da meditação e da prática da Lei de Deus. O livro contém um conjunto de indicações da arte de viver com sabedoria. Essa obra é atribuída a Ben Sirac, um sábio israelita que viveu por volta do século II a.C.

O texto proposto para a liturgia desta festa fala do amor prático pelos pais como uma regra para bem viver em sociedade de geração em geração, pois, em conformidade com o ciclo natural da vida, os jovens de hoje um dia se tornarão idosos e precisarão dos cuidados de seus filhos ou dos membros mais jovens da família. Em suma, a leitura trata da observância do quarto mandamento do Decálogo, com exemplos concretos da vida.

Ben Sirac instrui a comunidade dos fiéis em um contexto em que a convivência com os selêucidas, que governavam a Palestina, trouxe costumes estrangeiros para o meio do povo. Essa influência cultural provocou mudanças na tradição judaica, e muitos judeus se sentiram atraídos pela cultura grega, abandonando os valores tradicionais, fundamentados na prática do Decálogo. É nesse contexto que o livro do Eclesiástico convida a comunidade dos fiéis a conservar os valores de sua tradição religiosa, pois nisso consiste viver com sabedoria, preservando sua identidade religiosa e cultural.

2. II leitura (Cl 3,12-21)

A segunda leitura, tirada da carta destinada à comunidade de Colossas, é um belo texto sobre o amor que deve reinar no seio da comunidade cristã, como uma família de amor. A comunidade dos fiéis de Colossas foi fundada por Epafras, companheiro de missão de Paulo, por volta do ano 56/57 d.C. Uma das grandes dificuldades dessa comunidade era a influência de certas doutrinas pagãs, que faziam especulações acerca de cultos oferecidos a anjos e seus papéis na salvação das pessoas. O sincretismo religioso trouxe muitos conflitos e dúvidas para os novos membros da comunidade. Por isso, sem refutar essas doutrinas, o autor da carta afirma a absoluta suficiência da fé em Jesus Cristo como caminho de salvação.

O texto exorta a comunidade dos colossenses a se revestirem dos sentimentos de novas criaturas em Cristo, adotando um estilo de vida expresso em um conjunto de virtudes evangélicas, como mansidão, bondade, misericórdia, paciência. Essas virtudes fazem parte do modo de vida do cristão, e o perdão é outra exigência fundamental para todos os batizados. Todas essas exigências se fundamentam na íntima relação com Cristo, pois viver nele implica inspirar-se em seu modo de vida. Cristo, sendo de condição divina, fez-se servo de todos. Por isso, as recomendações aos esposos e aos filhos são as atitudes de quem vive o amor em todas as suas relações. É desse modo que, no ambiente familiar, se manifesta a nova criatura, o ser humano transformado por Cristo e que vive segundo Cristo.

3. Evangelho (Lc 2,22-40)

A narrativa da apresentação de Jesus no templo liga-se às exigências da Lei mosaica, que prescrevia resgatar, por um sacrifício, todo filho primogênito. Simbolicamente, resgatava-se o filho mediante um sacrifício oferecido no templo. De acordo com o livro do Levítico (Lv 12,2-8), quarenta dias após o nascimento do filho primogênito, a criança deveria ser apresentada no templo, onde a mãe ofereceria um ritual de purificação. Para os pais pobres, como era o caso de José e Maria, esse sacrifício podia ser um par de rolinhas.

Maria e José encontram-se com Ana e Simeão, judeus piedosos que assiduamente frequentavam o templo para fazer suas orações. Nesse encontro, Simeão anuncia a Maria que seu filho passará por sofrimentos e será um sinal de contradição. Ele prediz que a missão de Jesus comportará sofrimentos.

O gesto de Maria e José de apresentar seu filho a Deus nos ajuda a compreender a missão dos pais cristãos de consagrar os filhos a Deus e inseri-los em uma comunidade de fé, para que possam, no futuro, participar da missão da Igreja. A família é o lugar da primeira experiência de fé; é no seio familiar que as crianças recebem a primeira catequese. A educação familiar tem um papel muito importante na formação das crianças, para que, na idade adulta, sejam pessoas que contribuam para a sociedade e para a Igreja. A leitura do Evangelho proposta para este domingo termina com uma referência ao resto da infância do menino Jesus, afirmando que ele crescia em graça e sabedoria. Sua missão neste mundo foi cumprir a vontade do Pai, pondo sua vida a serviço do plano salvífico de Deus.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Na tradição religiosa judaica, todo primogênito deveria ser consagrado ao Senhor. Maria e José são fiéis observantes das tradições de seu povo, por isso cumprem todos os preceitos e costumes de pessoas tementes a Deus. Eles assumiram com fidelidade as exigências da missão de pai e mãe. Na festa da Sagrada Família, a Igreja recorda a todas as famílias quanto é importante se preocupar com a educação integral das crianças, a qual inclui a educação para os valores cristãos e sua prática. Seguindo o exemplo da família de Nazaré, podemos interrogar-nos: no seio de nossas famílias, existe uma preocupação com a formação para a fé e em proporcionar aos filhos verdadeira educação para a vida cristã e os valores evangélicos? Nossas famílias assumem o papel de serem as primeiras catequistas das crianças ou delegam essa responsabilidade à comunidade cristã?

A Sagrada Família esteve sempre atenta aos apelos de Deus e se empenhou cuidadosamente em observar os preceitos do Senhor. O evangelista Lucas faz notar como Maria e José cumpriram, em todos os detalhes, os preceitos da Lei. Em primeiro lugar, eram pessoas atentas aos apelos de Deus, por isso responderam com fé, para assumir a missão tão especial que Deus lhes confiou. Qual é a importância da Palavra de Deus em nossas famílias? Encontramos tempo para, como família, reunir-nos em torno da Palavra de Deus? Esforçamo-nos para que cada membro de nossa família cresça na sensibilidade à Palavra de Deus e seus desafios?

Izabel Patuzzo*

*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada - PIME. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção. Doutoranda em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. em São Paulo. E-mail: [email protected]