Publicado em maio-junho de 2025 - ano 66 - número 363 - pp. 35-37
4 de maio – 3º DOMINGO DA PÁSCOA
Por Pe. Francisco Cornélio*
Amar, seguir e testemunhar Jesus, o Cordeiro imolado que ressuscitou
I. Introdução geral
A liturgia deste domingo é verdadeira síntese da missão cristã no mundo, pois recorda a centralidade que o Cristo ressuscitado e sua força transformadora devem ocupar na vida de cada pessoa e na Igreja. Na primeira leitura, vemos o corajoso testemunho dos apóstolos diante das perseguições sofridas nos primórdios da Igreja; perante as autoridades religiosas de Jerusalém, eles reafirmam a opção radical de obedecer a Deus antes que aos homens, condição indispensável para o discipulado. Na segunda, Jesus é apresentado como o Cordeiro imolado que, tendo vencido a morte, é glorificado e adorado pelos anjos, pelos santos e pela inteira criação. O Evangelho mostra que a missão da Igreja só tem sentido se for orientada por Jesus. Sem ele, tudo não passa de ativismo estéril. E o critério para manter-se fiel ao seu projeto é o amor, o qual deve ser renovado constantemente, tendo em vista as fragilidades humanas. É isso o que revela o diálogo sincero de Jesus com Pedro, por meio do qual o apóstolo foi reconciliado e reabilitado ao seguimento.
II. Comentários dos textos bíblicos
1. I leitura: At 5,27b-32.40b-41
A primeira leitura dos domingos do tempo pascal é sempre tirada de Atos dos Apóstolos, alternando-se os textos de acordo com o ano litúrgico. O texto de hoje pertence à primeira parte do livro (At 1,1-8,4), que retrata os primórdios da Igreja em Jerusalém. Lucas, o autor, apresenta esse período com bastante entusiasmo, mostrando o contínuo crescimento da comunidade cristã, sob a liderança dos apóstolos. Animados pelo Espírito Santo, eles não cessavam de anunciar e testemunhar o Cristo ressuscitado. Isso gerava perseguições da parte das mesmas autoridades que tinham crucificado Jesus.
O trecho lido nesta liturgia faz parte do relato do segundo processo sofrido pelos apóstolos perante o sinédrio (At 5,17-42). No primeiro, apenas Pedro e João foram punidos (At 4,1-22); no segundo, parece que todos foram envolvidos, como mostra o texto. Eles foram encarcerados pelos chefes religiosos (v. 17), mas libertados pelo anjo do Senhor, que lhes deu a ordem de irem de novo ensinar no templo (v. 19-21a). Por causa disso, foram denunciados e obrigados a comparecer diante do sinédrio, para serem interrogados (v. 21b-27). É neste ponto que começa a leitura: os apóstolos são acusados de ensinar em nome de Jesus, mesmo tendo sido severamente proibidos pelas autoridades religiosas (v. 28). Ao invés, porém, de se intimidarem com a acusação, aproveitam a ocasião para confirmar o testemunho, renovando as convicções da missão e a fé na ressurreição de Jesus (v. 29-32).
O ponto alto da leitura é a afirmação de Pedro de que é necessário obedecer antes a Deus do que aos homens (v. 29); nela está a síntese de todos os efeitos que a ressurreição de Jesus deve provocar na Igreja e em cada pessoa. Significa a disposição de assimilar os ensinamentos e o estilo de vida de Jesus, a disposição de anunciar sua mensagem libertadora e a coragem de assumir as consequências dessas opções. Tudo isso, obviamente, gera perseguição. E, apesar de punidos (v. 40b), os apóstolos saem felizes do julgamento (v. 41), não porque tenham prazer pelo sofrimento, mas porque sabem que este é consequência da fidelidade a Jesus e a seu projeto libertador. Assim deve ser a postura da Igreja em todos os tempos.
2. II leitura (Ap 5,11-14)
Do 2º ao 6º domingo da Páscoa – no ano litúrgico C –, a segunda leitura é tirada do Apocalipse de São João. Apesar de ser equivocadamente associado a catástrofes e tragédias, o Apocalipse é, acima de tudo, um livro de resistência e esperança. Foi escrito já nos últimos anos do século I, para animar as comunidades da Ásia Menor que, na época, sofriam com as perseguições do imperador romano Domiciano. O autor foi um profeta cristão, discípulo do apóstolo João, cujo nome adotou, mediante o fenômeno literário da pseudonímia, a fim de conferir autoridade à obra. Fazendo uso intenso de imagens e símbolos, como é típico do gênero literário apocalíptico, ele quis transmitir aos seus leitores esperança e confiança no Senhor como artífice e condutor da história, não obstante as hostilidades sofridas.
O texto da liturgia faz parte da visão do trono e do Cordeiro (Ap 4-5), seção que introduz o “livro dos sete selos” (Ap 6,1-8,1) e toda a segunda parte da obra (Ap 4,1-22,5). Nela, Jesus é contemplado como o Cordeiro que foi imolado, mas venceu a morte e ressuscitou. Por isso, é o único ser habilitado a abrir e interpretar o livro lacrado com os selos (v. 1-2.5), que simboliza a história. A figura do Cordeiro evoca mansidão, fragilidade e impotência; é a imagem da vítima, não apenas no plano litúrgico, mas na concretude da história. Representa os pequenos e marginalizados. Logo, sua vitória sobre a morte é a vitória do bem sobre o mal, o triunfo dos pequenos sobre os grandes.
Para celebrar a vitória do Cordeiro, todo o universo se envolve numa solene ação litúrgica (v. 13), unindo a multidão de anjos, santos e todas as criaturas (v. 11.13). Isso quer dizer que toda a criação é beneficiária da ressurreição de Jesus e, logo, deve ser cuidada como dom de Deus. Os sete atributos dispensados ao Cordeiro (v. 12) expressam a plenitude da divindade e seu senhorio sobre o mundo; por isso, ele é adorado e glorificado para sempre (v. 14). Assim, o autor denuncia o culto imperial e adverte as comunidades destinatárias sobre não reconhecer nenhum traço de Deus no imperador romano ou qualquer sistema dominante.
3. Evangelho (Jo 21,1-19)
É quase unanimidade entre os estudiosos que a redação original do Quarto Evangelho termina em Jo 20,30-31, com o fim das aparições do Ressuscitado aos seus discípulos, em Jerusalém. O capítulo 21 foi acrescentado como epílogo, para responder às novas demandas das comunidades destinatárias, sem trair as intenções originárias do evangelista. É dele que é tirado o Evangelho desta liturgia.
O texto contém o relato da terceira aparição de Jesus ressuscitado aos seus discípulos, no Evangelho de João, seguida do diálogo reconciliador com Pedro. Ao contrário das duas primeiras, que aconteceram em Jerusalém numa sala fechada, durante a reunião da comunidade, em dois domingos consecutivos, conforme mostrou o Evangelho do domingo passado (Jo 20,19-31), a terceira aparição se dá no lago da Galileia, chamado de mar de Tiberíades, num dia comum, enquanto os discípulos pescam (v. 1). Já temos um primeiro elemento significativo: a presença do Ressuscitado não se restringe ao espaço litúrgico. Ele pode ser encontrado no cotidiano, durante o trabalho e em qualquer situação. Para reconhecê-lo, no entanto, é necessário viver com ele uma relação permanente de amor. Por isso, só o discípulo amado o reconheceu de imediato (v. 7).
A pesca era a atividade de boa parte dos discípulos antes do chamado e tornou-se imagem da missão da comunidade cristã (cf. Lc 5,1-11). O texto joanino mostra duas experiências de pescaria: na primeira, os discípulos se lançam ao mar por iniciativa própria, e o resultado é um fracasso (v. 3); na segunda, lançam a rede sob a orientação do Ressuscitado e obtêm peixes em abundância (v. 5-6). A lição é clara: a missão cristã, em todos os tempos, só tem sentido e eficácia se for guiada pelas palavras de Jesus. Só os esforços humanos não são suficientes. A grande quantidade de peixes, 153, simboliza a diversidade e universalidade que compõem a Igreja, enquanto a rede representa a própria Igreja (v. 11). Somente com coerência ao Evangelho é possível manter a unidade na diversidade. A pescaria se conclui com uma refeição que prefigura a Eucaristia: nela são partilhados os dons do Ressuscitado com os frutos do trabalho humano (v. 9-10). Trata-se de banquete inclusivo, ao qual todas as pessoas devem ter acesso, pois quem convida é o próprio Jesus (v. 12).
A última parte do texto é marcada pelo diálogo franco e sincero de Jesus com Pedro (v. 15-19), que marca a reabilitação do apóstolo. Com efeito, apesar da proeminência que ocupava no grupo, Pedro demonstrou grandes incoerências em sua trajetória de discípulo, sobretudo no contexto da paixão, com o protesto no lava-pés (Jo 13,6-8) e as três negações (Jo 18,15-27). A tríplice pergunta de Jesus sobre se Pedro o ama funciona, portanto, como reparação às três negações. É uma prova de que o Senhor não desiste do ser humano. Por isso, convicto de ter reconquistado o amor de Pedro, Jesus lhe confia o cuidado do seu rebanho e anuncia um destino semelhante ao seu: o martírio (v. 18-19), que significa o testemunho até as últimas consequências. O diálogo conclui-se com o renovado convite ao seguimento, cuja exigência é o amor.
III. Pistas para reflexão
Mostrar a relação entre as três leituras, enfatizando o trinômio amor-seguimento-testemunho. Lembrar que o Ressuscitado se deixa encontrar em qualquer tempo e espaço; a condição essencial para reconhecê-lo é o amor. De fato, onde há amor, ele se faz presente. Toda pessoa deve sentir-se amada por Jesus. Só quem tem convicção desse amor pode anunciá-lo e testemunhá-lo. Ele está sempre presente no cotidiano da comunidade e na vida de cada pessoa. Para reconhecê-lo, é necessário deixar-se conduzir pelo amor.
Pe. Francisco Cornélio*
*é presbítero da diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia pela Universidade Católica de Salvador-BA. É professor de Teologia no Centro Universitário UniCatólica do RN. [email protected]